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3. A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL

3.3 DA CORRENTE INTERMEDIÁRIA OU TEORIA DA PROPORCIONALIDADE

A corrente intermediária ou da teoria da proporcionalidade admite a possibilidade de admissibilidade de provas ilícitas, em determinadas situações, fundamenta-se justamente na mencionada teoria, que, no magistério de Gonçalves (2010, p. 403), é originária do direito alemão, e “[...] permite ao juiz ponderar entre as consequências negativas que resultarão do uso da prova ilícita e as que advirão de sua proibição, cabendo-lhe avaliar qual o maior prejuízo”. Tal princípio admite a prova ilícita para evitar possíveis distorções ou resultados

desproporcionais, injustos e repugnantes.

Pinheiro (2010, p. 133) assim conceitua a teoria da proporcionalidade ou razoabilidade:

A construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas que adotam norma de proibição da prova ilícita, permitindo, em face desta vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes colocados em confronto.

A autora ainda apresenta uma divisão deste princípio em três subprincípios que o integram, a saber: a) princípio da proporcionalidade em sentido estrito; b) princípio da adequação; e c) princípio da exigibilidade (p. 134).

O primeiro trata-se de uma verificação custo-benefício da medida, ou seja, ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. O segundo expressa a ideia de que, dentro do possível, o meio escolhido deve prestar-se a atingir o fim almejado, mostrando-se o mais adequado. O último, por sua vez, estabelece que o meio escolhido deve ser exigível, ou seja, não deve existir outro meio igualmente eficaz e menos prejudicial aos direitos que estão em jogo.

Com base no Verhältnismässigkeitprinzip, o princípio da proporcionalidade, os Tribunais alemães tem admitido provas obtidas mediante a violação à disposição constitucional desde que seja a única forma possível e razoável de proteger outros valores fundamentais mais urgentes, segundo a avaliação dos julgadores. A justiça alemã reconhece esse princípio como instrumento necessário para a proteção e manutenção do justo equilíbrio entre os valores conflitantes (AZENHA, 2009, p. 135).

Ensina Azenha (2009, p. 137) que esse princípio corresponde ao princípio da razoabilidade dos norte-americanos, com diferença de que, no princípio alemão, há dois requisitos qualificadores: a exigibilidade ou necessidade da medida (princípio da menor ingerência possível), pelo qual devem ser usados os meios menos gravosos ao cidadão; e a proporcionalidade em sentido estrito, que cuida de se ponderar os danos causados e os resultados a serem obtidos.

Ora, no âmbito civil, questiona Azenha (2009, p. 97), se não se admitem as provas ilícitas, por que não se admitir a aplicação do princípio da proporcionalidade, se não há outro meio de prova que permita salvaguardar um direito fundamental mais relevante? Prossegue:

É certo que não se poderia pensar em sua aplicação imoderada e irrestrita, a ponto de colocar em risco a lisura das provas ou de acabar se permitindo de um modo indireto a admissão das provas ilícitas, entre os meios de prova. Mas, sob

outro ponto de vista, em ocasiões especiais, o princípio da proporcionalidade seria um modo de se obter e salvaguardar equilíbrio entre os direitos fundamentais conflitantes.

Aplicando-se a teoria da proporcionalidade, afastar-se-ia de pronto as provas que se tenham originado com violência, como a tortura, por exemplo. Citando Bastos, Portanova (2005, p. 202) menciona que “[...] não há como convalidar essa prova ‘sem que com isto nós estivéssemos de alguma forma convalidando a própria tortura’”.

Desse modo, a questão apresenta-se controvertida quando a prova é obtida com violação da privacidade ou intimidade da pessoa contra quem se faz a prova, como as hipóteses de interceptação de correspondência, gravações de conversas e até busca em lixo doméstico.

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu pela aceitação da prova ilícita pro

societate. Veja-se manifestação do Ministro Nilson Naves, no Recurso Especial 9.012-0,

julgado em 24.02.1997, citada por Azenha (2009, p. 94) onde o STJ aceitou, em investigação de paternidade, gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação com testemunha do processo, não considerando a gravação como prova ilegal ou moralmente ilegítima, e entendendo ser ilegal, a interceptação ou a escuta de conversa telefônica alheia:

Estre os valores de proteção da intimidade das pessoas e de busca da verdade nos processos, qual o valor mais nobre? A meu ver, o que diz respeito à verdade. Foi-se o tempo em que o processo civil se contentava com a verdade formal. À semelhança do processo penal, o civil também há de se preocupar com a verdade material. Chega-se à verdade através da prova, cujo ônus incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Mas existe fato de difícil prova! A saber, da produção de prova. Impedir que alguém produza, digamos, por meio de gravação de conversas telefônicas, seria, a meu sentir, o mal maior. No entanto, há caso em que se não se admitir tal prova, inútil será o processo. […] Sou favorável à maior liberdade, tocante à realização da prova. O processo não é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes? Não façam justiça pelas próprias mãos! Recorram ao Estado-juiz. Então, não se justifica cercear a liberdade dos contendores, relativamente à prova. […] Por não se admitir seja uma fita degravada, se a conversa possa corresponder ao conteúdo do depoimento? Acho que se tem de admitir, em nome de valor mais nobre, o da apuração da verdade material.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, como demonstrado atrás, não é pacífica acerca da admissibilidade da prova ilícita no Processo Civil sob a proteção do principio da proporcionalidade, havendo, porém, decisões proferidas no sentido de sua aceitabilidade, a exemplo do julgamento do Habeas Corpus n º 70814/SP (DJ 24/06/1994), relatado pelo Min. Celso de Mello, que admitiu a possibilidade da interceptação de correspondência remetida aos que estão cumprindo pena em razão da segurança pública. O princípio da segurança pública prevaleceria, assim, sobre o direito à intimidade.

Gonçalves (2010, p. 403) se une a esta corrente, entendendo não ser admissível que a vedação constitucional à prova ilícita seja estendida a tal ponto que impeça provas ilícitas só porque sua produção advém de um desdobramento da produção da prova proibida. Em todo caso, entende melhor a aplicação da teoria da proporcionalidade, “[...] que concede eficácia jurídica à prova, se sua ilicitude causar uma ofensa menor ao ordenamento jurídico que a que poderia advir da sua não produção”.

O autor exemplifica, ensinando que o acolhimento dessa corrente permitiria usar, por exemplo, uma interceptação telefônica, que é vedada por lei, para, em ação de modificação de guarda, fazer prova de que uma criança vem sendo frequentemente espancada e torturada: “É verdade que a interceptação viola o princípio constitucional da intimidade, mas o valor jurídico que, nesse exemplo, a ele se contrapõe, qual seja, a proteção à vida e à integridade física da criança, deve prevalecer, sendo proporcionalmente mais relevante” (p. 403).

Semelhante exemplo é apresentado por Azenha (2009, p. 146):

Veja-se, por exemplo, uma mulher que, sem outros meios de prova, consegue gravar várias conversas telefônicas do ex-marido com um terceiro, onde aquele afirma que maltrata fisicamente o filho que está sob sua guarda. Poderia ela utilizar essa gravação para pedir a troca da guarda do filho? Se a questão for analisada sob o ponto de vista constitucional, o ex-marido poderia alegar que houve interceptação e pior, sem ordem judicial, sendo a prova, obtida por meio ilícito. Sabe-se, ainda, que a interceptação só pode ser obtida para fins de investigação criminal ou instrução de processo penal, e não para fins civis, como a mudança de guarda. Os interesses que estariam em jogo seriam a intimidade do pai do menor e a integridade física e a dignidade da criança. Se não acolhida a prova, possivelmente o menor continuaria sob a guarda do pai e sob o manto de sua violência, tudo em nome da preservação da privacidade e do sigilo das comunicações telefônicas.

Esse também o entendimento de Nery Jr. e Nery (2008, p. 605), para quem a proposição quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o princípio da proporcionalidade: “De fato, não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva”.

Nesse sentido, Machado (2006, p. 28), que entende que nas hipóteses que versarem sobre direitos à intimidade e à vida privada, apresentando-se em juízo foto ou filme obtido mediante a violação de um deles, tal prova só não será reputada ilícita se um outro direito fundamental estiver em jogo no processo, como o direito à vida ou à liberdade, por aplicação ao princípio da proporcionalidade.

alegação de que as liberdades públicas não podem servir de escudo da prática de atos ilícitos e nem para afastar eventuais responsabilidades penal e civil pela prática de uma atividade criminosa:

Para o autor, trata-se da exclusão de ilicitude da prova e não de acolhimento de prova ilícita, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Lei Maior, porque nesses casos ocorre a ausência de ilicitude da prova, em razão da ação em legítima defesa dos direitos fundamentais que estavam sendo ameaçados ou violados por uma conduta ilícita, não incidindo o dispositivo constitucional.

De sua parte, Pinheiro (2010, p. 128) considera essa corrente a mais segura para solucionar os casos de admissibilidade ou inadmissibilidade da prova ilícita. Discorre sobre a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre os valores contrapostos, bem como do dever do magistrado de, ao se deparar com uma situação em que surja no processo uma prova obtida ilicitamente, aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade, em que se sopesarão os bens jurídicos e/ou os valores que estão em jogo, devendo se posicionar de forma a proteger o de maior carga valorativa (p. 129).

De toda sorte, os adeptos dessa corrente reconhecem que sua aplicação tem caráter excepcional, “[...] podendo-se admitir uma prova ilícita apenas quando a sua produção lhe pareça absolutamente imprescindível para que o objetivo do processo seja alcançado, e, apenas, após uma rigorosa ponderação dos bens jurídicos que se contrapõem” (PINHEIRO, 2010, p. 131).

A teoria da proporcionalidade para admissibilidade de provas ilícitas, porém, não tem seduzido muito nossos julgadores e doutrinadores. O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, inclusive, apresentava medida inovadora nesse sentido. Previa o parágrafo único do artigo 257: “A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”.

No entanto, no transcorrer das discussões no plenário do Senado e na Comissão de Constituição e Justiça daquela casa, a senadora Níura Demarchi (PSDB-SC) apresentou a emenda de número 30, propondo a supressão do parágrafo único do artigo 257 do referido anteprojeto sob o argumento de que:

O fato de o artigo admitir provas ‘moralmente legítimas’ não pode implicar no acolhimento de provas ilegais. Dessa forma, a redação do parágrafo único prevendo que a inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz, pode induzir à conclusão de que tais provas poderão ser acolhidas, contrariando dessa forma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que as considera nulas, por inconstitucionalidade, inclusive com adoção da chamada ‘teoria dos frutos da árvore envenenada (BRASIL. Senado Federal, Comissão de Constituição e Justiça. Parecer nº 001 de 2011).

Pinheiro (2010, p. 137) apresenta como principal crítica à teoria da proporcionalidade o questionamento: quais os valores e interesses que eventualmente poderiam ser colocados em confronto e, consequentemente ponderados com base no princípio em epígrafe? As maiores incertezas, portanto, decorrem da errônea individualização dos valores em jogo.

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