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DA HIERARQUIA NA IRMANDADE DA BOA MORTE

1 IRMANDADE DA BOA MORTE

1.3 DA HIERARQUIA NA IRMANDADE DA BOA MORTE

A comissão da festa que compreende Provedora, Procuradora geral, Tesoureira e Escrivã. Estes cargos são selecionados através de um sistema de grãos de milho e feijão, onde estes significam aprovação ou rejeição. Há indicações de campo que apontam que nesse momento há a presença da Irmandade de Bom Jesus dos Martírios, o grupo que dividia a Igreja da Barroquinha com à irmandade da boa Morte em seu início. Neste período, tanto Joanice Conceição177 quanto Pierre Verger178 apontam para Maria

Julia Figueiredo, como a pessoa que ocupa o cargo de Juíza Perpétua da Irmandade da Boa Morte e Erelu, na sociedade Geledés, atualmente extinta no Brasil. Há uma probabilidade de que com o tempo esta sociedade tenha se modificado aos limites sociais e tomado o formato do que é hoje à irmandade da Boa Morte. O fato é que até hoje o cargo de Juíza Perpétua está acima dos cargos, sendo esta a principal figura ritualística e uma voz preponderante na escolha da comissão da festa e nas decisões do grupo. Entende-se que a mulher que ocupa este cargo, sendo a mais velha dentre todas é a representação de Nossa Senhora da Boa Morte na terra, suas decisões são incontestáveis e sua importância é tamanha que apenas de sete em sete anos ela é a responsável pela festa. Este momento é conhecido como ‘ano sete’, o ano em que a própria Nossa Senhora da Boa Morte se encarrega dos ritos. Nos outros anos a Juíza Perpétua garante a isonomia da eleição da comissão organizadora.

177 CONCEIÇÃO, 2017, passim.

178 VERGER, Pierre Fatumbi. Grandeza e decadência do culto de Ìyàmi Òsòròngà (minha mãe feiticeira). In: MOURA, Carlos Eugênio

Na comissão, a Provedora é o maior cargo dos festejos, ela deve ser uma integrante efetiva da irmandade. Por ser um dos cargos mais importantes a ser alcançado na organização, ele não pode ser ocupado por integrantes em provação que não receberam o traje completo, ou seja, aquele que inclui os ornamentos pretos e vermelhos, adquiridos apenas após um período de observação (período variável de escala anual). A proibição se justifica dado o amplo conhecimento dos detalhes rituais e práticos necessários para ocupar tal posição. A Provedora normalmente já passou por todos os cargos da comissão da festa, sendo este último sua coroação dentro da irmandade. Neste momento, ela se encarrega do preparo da festa, além de conduzir por todo ceremonial o ‘Cajado de Nossa Senhora’, uma peça em madeira com ponta metálica cobreada onde está contida a 'força da irmandade, este cajado está presente em todos os momentos rituais e sua queda pode significar a desestruturação do poder ritualístico da Irmandade. A importância desta posição está presente também fora do período festivo, uma vez que é na casa da Provedora que permanece a réplica de nossa senhora, uma figura menor guardada em uma pequena caixa que se assemelha a uma miniatura de caixão. Durante o resto do ano ela recebe flores e incensos, além de visita de outras integrantes, essa peça menor participa dos ritos fechados ao público.

Durante o cortejo essa pequena imagem é levada pela Procuradora Geral, que vai ao lado da Provedora, num binômio simbólico onde o corpo e a força de realização caminham lado a lado. Ainda que responsável pela realização do cerimonial, a função da Provedora depende de sua parceria com a Procuradora geral. Por conhecer as minúcias da festa, esta última é responsável por garantir que o cerimonial aconteça não importa o incidente, sendo a responsável por realizar a festa em caso de falecimentos da Provedora. Sua função ritual é a de conferência dos diversos detalhes simbólicos e práticos que envolvem o ritual, esta função é exercida até o último momento, quando os balaios entram no barco. Foi possível perceber o desempenho da integrante que ocupava o cargo de Procuradora Geral, quanto à ordem das integrantes ao entrar na embarcação, obedecia à ordem das divindades no rito do axexê (rito fúnebre do candomblé jeje-nagô e ketu) quanto às suas respectivas divindades protetoras. Por esse motivo, é possível supor que o cargo exija também certa senioridade nas práticas rituais da religião.

FOTO 4 - Comissão de 2016, da direita para esquerda, Marião (a provedora), Adalgiza (a procuradora geral), Leo (ao fundo), Adeildes e por último Edite Conceição.

FONTE: ACERVO PESSOAL.

As conexões entre os dois espaços, o terreiro de candomblé e à irmandade da Boa Morte, se estendem para além das funções de cada cargo, mas também no que diz respeito à organização espacial do cortejo. É possível fazer uma análise estética da relação entre a Provedora que leva o cajado da Irmandade da Boa Morte e a Procuradora Geral encarregada do pequeno mortuário de Nossa Senhora, enquanto repetição da relação estabelecida entre o akasa e o opaxoro (cajado simbólico da força vital) na dinâmica de agradar as divindades femininas ritual do Padê179, ritual que abre os

conjuntos cerimônias do candomblé ketu. O akasa é formado por um fragmento de massa branca associada aos ancestrais fundantes e divindades da criação (funfun ou fun), representados pelo cajado, o opaxorô. Na cerimônia o akasa é oferecido às mães ancestrais (Iya Mi, também simbolizada por Odudua, ou um pássaro), enquanto parte de um todo não procriado, a fim de acalmar sua fúria. Nesta prática ele simboliza um corpo individualizado, fragmento da contraparte masculina, Orisala, responsável pela criação em parceria a Odudua. O opaxorô, objeto em forma de cajado, contém e constitui a

materialização deste todo ao qual o akasa integra- em interação com sua contraparte feminina (representada por Iya Mi), esta dupla corpo-cajado em dinâmica com o feminino é responsável pela existência. Assim como o Padê abre os cerimoniais da nação Ketu, a dupla de mulheres, Provedora e Procuradora Geral, conduzindo o duplo cajado e, miniatura de Nossa Senhora, abrem os cortejos nos três dias de celebração.

Esta relação é presente tanto no mito ewe, onde Mawu é o complemento de Lissa, sendo ambas as partes constituintes da existência, quanto na cosmologia Yoruba onde Odudua realiza o projeto de criar a humanidade diante adversidades de Orisala. Em ambos os casos há uma relação de duplos que se complementam para fins de uma continuidade. Esta relação está presente no conceito yoruba dos gêmeos, as divindades infantis celebradas no dia 16 de agosto. A relação entre estas divindades e a negociação com à morte, enquanto estratégia de manutenção da vida é explicitada no conto yoruba em que os gêmeos se revezam através da música e da dança com a finalidade de enganar à morte que levaria um deles.

Tal como no caso dos gêmeos, um terceiro membro surge a fim de dinamizar a existência e tornar a vida possível, assim é a Tesoureira. Como o terceiro irmão posterior aos gêmeos (Doú ou Alabá), a função dela é conectar a interação entre o binômio anterior com outras instâncias, promovendo conexões e uma existência harmônica com a sociedade. Esta terceira função tem como objetivo articular laços para fora da organização que tornem a cerimônia possível, bem como dialogar com instâncias que possam dificultar a realização dos festejos. A contemplação da ética que rege as funções do cargo, mediante a aproximação com a figura de Doú, aproximam este da figura de Exu180, uma vez que compete a Tesoureira controlar os fluxos financeiros e estabelecer

articulações políticas. Cabe ainda, a esta figura equilibrar as forças e promover a mediação, se necessário entre as duas forças superiores a ela, a Provedora e a Procuradora Geral. Sendo assim, a Tesoureira tem um papel de extrema relevância caracterizado pela intervenção de uma fração menor de poder sobre uma fração maior de poder, podendo agenciar forças exteriores a seu favor para que a festa seja realizada. Em sua microesfera, a Tesoureira constitui um fractal de toda Irmandade da Boa Morte,

180 AUGRAS, Monique. De Iyá Mi a Pomba-gira: transformações e símbolos da libido. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes.

cuja função primordial é reverter o sentido da vida para toda uma população secularmente condenada ao genocídio, sem, entretanto, deixar de integrar tal população. Por fim, o cargo de Escrivã é o primeiro cargo a ser ocupado na comissão das festividades antes de ascender às outras funções. Para a maioria delas este cargo é a entrada para uma melhor compreensão das minúcias e seus impactos rituais, bem como a oportunidade de uma interação mais direta e prática com os símbolos principais da Irmandade que são as imagens menores da santa, sua réplica maior, o cajado e demais demandas práticas para execução ritual. A escrivã prepara os incensos e as velas artesanais a serem carregadas durante o cortejo, além de cuidar para que nenhuma delas apague ou quebre durante as cerimônias, da mesma forma durante a preparação das festividades ela atua no auxílio prático das outras integrantes da comissão. Por esta característica, espera-se que integrantes mais novas assumam este cargo. É importante frisar que boa parte do conhecimento quanto aos rituais internos ou externos, não são transmitidos de maneira direta ou verbal de uma integrante para a outra, mas a partir da repetição, da observação e da transmissão de conhecimento em zonas afastadas do ritual, como no período de recolhimento antes da festa ou no convívio familiar, seja consanguínea ou ritual. Esta estratégia de comunicação cria uma linguagem própria situada no âmbito da convivência, da prática e da escuta. Logo, ao compreender a função de Escrivã como um cargo de aprendizagem, percebe-se uma ética própria da Irmandade da Boa Morte, onde a transmissão de conhecimento ou o estabelecimento do discurso dá-se pelo engajamento performático.

Esta metodologia mostra a relevância da senioridade motivada pela interação e observação, um traço que se estende por toda a estrutura da Irmandade. Mesmo a inserção de novas integrantes só é possível, após os quarenta anos de idade. Este traço demonstra que um fator preponderante para integrar a congregação é o acúmulo da experiência dos ciclos fundamentais de vida, dentro de determinada noção ocidental de raça, a partir do feminino enquanto modalidade na qual se vivencia estas variáveis181.

Logo, para além da proximidade com o mundo dos mortos propiciada pelo avanço da idade e seu subsequente status182, percebe-se ainda duas outras variáveis, que são o

181CRENSHAW, Kimberle. Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford

Law Review, v.43, n. 6, p. 1241-1299, jul. 1991.

gênero e raça vivenciados em uma sociedade ocidental escravocrata. Esta última variável adiciona um aspecto mais decisivo à questão fúnebre, ao considerarmos que expectativa de vida da população escravizada era de dezenove a vinte e cinco anos na Freguesia de Lamim (MG) na metade do século XIX, pode-se imaginar uma margem aproximada quanto à população da cidade de Cachoeira, na mesma época. Este panorama coloca a relevância da senioridade num outro patamar, uma vez que nas sociedades das Américas de base escravocrata, chegar à velhice era como ainda é, um privilégio. Esta nuance aponta um alto grau de refinamento do processo seletivo, visto que o critério do envelhecimento, mesmo figurando como um fato raro na sociedade em que à irmandade se constituiu, é significativo, mas não preponderante, sendo observado também o caráter do processo de envelhecimento.

Este fator aponta para uma busca por valores culturais verificados de maneira biográfica. Entretanto, o fator da idade não é o único fator relevante, as noviças são observadas em sua vida comunitária antes de serem indicadas como tal. Contudo, tornar-se noviça indica um estágio de observação oficial, e não uma aprovação imediata. Durante o período que precede o direito ao uso do traje completo, a candidata é observada quanto a capacidade de dialogar com preceitos rituais, onde é verificado seu acesso ao universo simbólico das tradições de matriz africana. No campo social, o status que confere a condição de noviça, não deve afetar o caráter moral da candidata, sendo este também um critério de exclusão. Logo, percebe-se que o processo seletivo da Irmandade da Boa Morte objetiva alcançar aquelas que empreenderam não apenas o feito de tornarem-se anciãs, mas conseguiram neste processo preservar uma ética de salvaguarda e manutenção identitária.

A prática pedagógica de ocupação dos cargos da comissão da festa, onde o aprendizado é feito por observação e convivência com as rotinas e deveres rituais dentro da Irmandade, revela ainda que tais valores culturais são transmitidos primordialmente de maneira interpessoal. Na observação de campo a mediação entre significados simbólicos e seus respectivos desdobramentos éticos, obedeceu também esta estrutura. Tal como o convite implícito para acompanhar a oferenda dos balaios da festa; muitas informações foram transmitidas através de momentos, lugares e imagens os quais foi permitido ver e acessar, mas sobre os quais pouco ou nada foi dito diretamente. Esta

dinâmica mostrou-se uma constante, a ponto de tornar-se uma linguagem capaz de expressar sentidos e nuances que extrapolam a língua colonial, o português, que no Brasil impediu o desenvolvimento de qualquer outro dialeto mais preponderante.

A observação da estrutura oficialmente católica da Irmandade da Boa Morte, em conjunto com as diferentes lógicas fúnebres de matriz africana e mesmo ameríndia, aponta para a criação de uma linguagem que dialoga em diversos níveis de pertencimentos culturais distintos sem anulá-los ou hierarquizá-los. Ainda que pesquisadores como Verger183 e Silveira184 apontem a cultura yoruba como matriz da

Irmandade, há indícios que corroboram para leituras mais culturalmente abrangentes. Segundo Parés185, Ludovina Pessoa, sacerdote pertencente à cultura ewe teria tido

papel preponderante no formato estético ritualístico do da congregação. Esta última perspectiva foi corroborada por uma integrante do templo da sacerdotisa em questão, que apontou a casa onde o cortejo faz sua única parada e inclina o andor, como ponto onde estaria assentada a divindade Legba, de origem ewe (também conhecidos como jejes), cultura matriz de seu templo. Conceitualmente esta divindade relaciona-se com o princípio dinâmico que torna possível o diálogo e intercâmbio entre existências.

Com efeito, assim como as divindades gêmeas que existem tanto na cultura yoruba quanto na ewe, a divindade principal da congregação, nanã, também transita estas duas etnias, sendo sua presença menos expressiva na tradição yoruba do que na ewe. Conforme foi recolhido em campo, em entrevistas com Otun Iya Ilê Nancy de Souza (subjetividade a qual nos dedicaremos mais afrente), a origem desta divindade enquanto ancestral divinizado está mais ao Oeste da África Ocidental, em territórios no entorno do Gana. Durante o trabalho de campo no continente africano foi constatado um antigo assentamento de nanã dentro da ala feminina do forte de Cape Coast, onde as mulheres eram encarceradas antes serem vendidas para o tráfico atlântico de pessoas. Posteriormente as impressões de campo em continente africano quanto a divindade e seus aspectos eticos e esteticos serão melhor analisadas, por hora é relevante apontar que o território no qual se encontra o assentamento é fante. A aproximação entre esta tradição e a Boa Morte aumenta diante do fato de que para tal etnia, o luto é dado em

183 VERGER, 1994, passim. 184 SILVEIRA, 2000, passim. 185 PARÉS, 2007, passim.

três cores: preto, para familiares distantes; vermelho em caso de familiares próximos e, branco, para falecimento de idosos. Estas três cores são também utilizadas no cortejo da Irmandade, sendo o branco uma cor que perpassa o ritual, das integrantes ao público. De fato, para os yoruba e para os ewe, o branco é uma cor fúnebre ligada aos ancestrais, tanto os funfun/fun relacionados a força da criação imanente quanto aos pertencentes a família e a comunidade. Segundo entrevistas concedidas pela Otun Iya Ile Efun Nancy de Souza, na tradição yoruba, o branco se relacionaria com a ancestralidade. Igualmente, na cultura Fante, o branco é utilizado como maneira de manifestar luto a um ancestral que cumpriu seu dever de forma plena, falecendo em uma idade avançada, sob essa leitura o branco simboliza felicidade. Logo, é possível notar um diálogo entre as lógicas, onde o branco, código indumentário do público e das noviças, conecte a coletividade com a ancestralidade, ou o ‘mundo dos mortos’, de forma positiva. Sendo a utilização das cores pretas e vermelhas pressuporia um contato mais profundo com diálogos éticos-estéticos com as tradições fúnebres do povo Fante, sendo estas intimamente ligadas com a história do tráfico de seres humanos para o Brasil, especialmente a partir da Costa do Ouro (Região que compreende Gana, Togo, Benin e Nigéria), cuja principal rota de escoamento incluiria o forte de Cape Coast durante sua gestão portuguesa. Sendo esta última localidade, a do forte, onde até hoje encontra-se o assentamento da divindade mor celebrada na festa.

Assim, a interação entre a cor dos trajes, a mudança de estágio entre noviça e integrante efetiva na Irmandade, bem como a transição entre momentos noturnos e diurnos, indica o orquestramento da experiência fúnebres através de níveis distintos de percepção. Esta articulação empreende uma tecnologia ritual, que abarca além de uma dialética entre Europa e África, interlocuções entre diversas etnias africanas no que tange a escravidão e consequentemente, o genocídio. Este sistema simbólico observado durante os seis dias de cerimônia, revela uma série de reorganizações e negociações de culturas africanas, afastadas de seu território de origem e reunidas além mar. Sendo assim, ainda que a opressão colonial seja um ponto incontornável para compreensão das estruturas assumidas por estas culturas nas sociedades escravocratas, é igualmente relevante considerar os pontos de convergência e divergência entre elas, bem como seu impacto nas dinâmicas afrodescendentes. Uma vez que o projeto colonial não se reduz

a terra, mas principalmente ao corpo e a construção de uma cultura identitária, há uma dimensão do resgate da humanidade nestas sociedades que é de natureza coletiva. Entretanto as especificidades de vivência desta humanidade recuperada variam de acordo com o conjunto de forças que ressignifica o indivíduo. Com isso, se justifica a coexistência harmônica de referências ewe, yoruba, fante e ameríndia dentro da mesma manifestação, no sentido em que, todas estas identidades convergem para formar um novo grupo cujo maior ponto diacrítico é a exposição ao genocídio.

Logo, o apelo à boa morte, dentro de uma sociedade fundada sobre a negação do direito a vida é capaz de reunir potencialidades reativas ao genocídio. O que neste caso viabiliza uma zona fértil para produção identitária, tal como será analisado no caso da ekedji Edite Conceição quanto à manifestação do ancestral afro-ameríndio em sua produção artística. A lógica festiva que é capaz de associar as divindades gêmeas ewe e yorubas ao ancestral da terra, sob o símbolo do futuro, a capacidade de reformular estratégias de pertencimento, possibilita o nascimento de novos entes coletivos. Logo, a coadunação de subjetividades ameaçadas, revela-se como uma das ferramentas conceituais da Irmandade para transformação do espaço de opressão cultural em zona de potencialidades, orquestradas em torno da morte.

A interação entre à irmandade da Boa Morte e o público externo reflete em algum nível a dinâmica interna onde a produção uma potencialidade a partir da morte resulta em uma zona de convergência. Há uma série de nuances sobre gênero e sacrifício operados desde o primeiro dia quando o cortejo fúnebre carrega da Igreja D'Ajuda até a sede da congregação a imagem católica feminina deitada como que em um mortuário. Neste momento as noviças encontram-se com trajes brancos e as integrantes efetivas trajam os adornos pretos e vermelhos. No dia seguinte, há acompanhamento da orquestra, o foco recai sobre a imagem das irmãs, todas mulheres negras com mais de quarenta anos andando em cortejo pela cidade entoando cantigas sobre Nossa Senhora da Boa Morte. No terceiro e último dia, quando o cortejo é diurno, a simples exposição destas mulheres, após dois dias de performance noturna de luto sob a luz do sol, resulta num deslocamento simbólico e sensorial da experiência. Este trânsito incide sobre as variáveis sociais dispostas em seus corpos: gênero e raça. Portanto, o corpo cerimonial promove uma experiência funeral em três etapas principais que comunicam dimensões