• Nenhum resultado encontrado

As pautas do Projeto SerTão Mulher nas versões: Direito das trabalhadoras rurais e Combate à violência no campo e Autonomia e igualdade para as mulheres sertanejas, impactaram-me e implicaram-me, inicialmente, como resta claro, do ponto de vista do gênero, da territorialidade e da minha necessidade de atendimento à demanda do curso; e, posteriormente, do ponto de vista da convergência de seu rol de temas, para nuances de meus pertencimentos e de minha identidade pessoal e profissional.

Conforme mencionado anteriormente, duas condições me conectaram emocionalmente com o fenômeno observado:

 Primeiro, a constatação em campo, seguida do compartilhamento dessa constatação pessoal, de que fora vítima de violência obstétrica em três partos.

 Segundo, o fato de, durante o processo de integração com o grupo focal, uma de minhas filhas ter sido vítima de violência com base em gênero.

Então, rememorados estes itens, vamos à descrição da segunda fase do projeto, agora na versão SerTão Mulher II: mais autonomia e igualdade para as mulheres sertanejas desenvolvido na cidade de Lapão-Bahia-Brasil, há 10 Km ao sul de Irecê/BA/BR.

A partir das ocorrências de dezessete de outubro de 2014, mais de um ano depois das primeiras aproximações com o Projeto, estabeleci a partir do discurso (que é um dado cultural e construtor de subjetividades), a conexão de paridade e de pertencimento ao grupo; o quê, alterou a qualidade do percurso de até então, e de certo modo, me autorizou a estar com, e naquela comunidade, enquanto parte, e não somente enquanto pesquisadora.

O evento em questão era implemento do SerTão Mulher desenvolvido no ano anterior na cidade de São Gabriel/BA/BR e mantinha o foco na propagação e conscientização sobre os direitos das trabalhadoras rurais e no combate a violência no campo.

Assim, como na versão anterior, que acompanhei em 2013 em São Gabriel, estavam presentes em Lapão, representantes de comunidades de diversos municípios da Microrregião de Irecê vindos de América Dourada, Barra do Mendes, Canarana, Irecê, Ibititá, Lapão, Presidente Dutra e São Gabriel, além de mediadores/debatedores de Salvador e Santo Antônio de Jesus.

O mote permanecia em volta das ações de fortalecimento da articulação das mulheres do Território de Identidade de Irecê62. As atividades formativas, naquele município, ocorreram

no Centro de Formação de Professores de Lapão, onde presenciei mais um encontro de gerações, etnias, grupos sociais, gêneros, interesses e formações diferentes, comungando num mesmo propósito. Presentes desde sexagenárias senhorinhas à estudantes do Ensino Médio e Pós-Médio, além de artistas de diferentes linguagens.

Ocorreram debates acerca do desenvolvimento da autonomia econômica das mulheres, da conscientização sobre a cultura do patriarcado e suas consequências, da violência obstétrica e da industrialização do parto, além de diálogos sobre as concepções e a aplicabilidade da lei 11.340 de 07/08/2006 popularizada no Brasil como Lei Maria da Penha63.

Todas as questões debatidas, remetiam a posicionamentos para o enfrentamento da violência contra a mulher, em seus múltiplos aspectos: físico, emocional, financeiro, patrimonial, sexual, etc.

Na abertura do Seminário, formou-se uma mesa com autoridades e representantes dos movimentos sociais do território de Irecê, os quais, fizeram considerações sobre a relevância do Projeto para a microrregião. Posteriormente, partiu-se para as mesas de debate, na seguinte seguência:

Mesa 01:

62 A Bahia mapeou 26 territórios de identidade, que são subdivisões espaciais organizadas a partir de

elementos comuns à fisionomia de um grupo de comunidades, à sua produção material e imaterial e aos seus processos de intercâmbio. O conceito foi criado pelo geógrafo brasileiro Milton Santos.

63 Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 do

art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.– Lei 11.340/2006 disponivel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm.

Enfrentamento à violência contra a mulher no campo, com Camilla Batista, representante do Centro de Assessoria do Assuruá – CAA e Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, Vera Lúcia da Cruz Barbosa – Secretária Estadual de Políticas para Mulheres e com a debatedora Leonéllea Pereira,. Além de ampla participação da plenária.

Entre os ricos pronunciamentos, registro a relevância da presença e da contribuição da Major Denice Santiago, responsável pela Ronda Maria da Penha 64na Bahia. Ressalto-a, sem contudo,

minimizar as relevantes participações das lideranças comunitárias, das agricultoras, jovens e idosas, além de pelo menos duas professoras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA e alunos e alunas do PRONATEC.65

Mesa 02:

Tratou do tema: Autonomia econômica e acesso a políticas públicas para as trabalhadoras rurais, assuntos sob a tutela de Kalypsa Brito – Técnica da Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres, Laís Oliveira Abreu – Advogada, Professora da Unidade de Ensino Superior do Sertão da Bahia e membro da Associação de Mulheres de São Gabriel, tendo como debatedora, a estudante July Mendes. Além de ampla participação da plenária.

Mesa 03:

Tratou de violência obstétrica, sob a responsabilidade de Luanda Pereira, Enfermeira graduada pela Universidade Estadual da Paraíba e Doula formada pelo Instituto Gama, juntamente com Leide Jara Rocha – Doula formada pelo Instituto Gama. Na condição de debatedora, Brísia dos Santos Bispo Figueiredo, monitora das oficinas do Projeto Ser Tão Mulher II, além de ampla participação da Plenária.

Não fossem as sucessivas aproximações conceituais e os debates oportunizados naquela ocasião, talvez, eu ainda não tivesse despertado a consciência, a cerca de, a quantas práticas “facultativas”, eu mesma havia sido submetida (na condição de gestante, parturiente e mãe), por simples protocolo. Mas não fui apenas eu a despertar, nem as dores compartilhadas ficaram apenas campo do parto.

64Programa de proteção a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

65Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico criado em 2011 para ampliar o acesso a cursos

Conforme versão anterior, respeitadas as distâncias que as pessoas participantes estavam de seus domicílios, lhes foram oferecidas refeições, lanches e transporte. Este custo estava previso no projeto submetido à Secretaria de Políticas para as mulheres e foram prestadas contas ao órgão, mediante apresentação de notas fiscais.

No fechamento das atividades, houve um momento cultural, assumido pelos cantores Meyre Kal & Ian Ferreira com apresentações de Música Popular Brasileira. Posteriormente, a população local se juntou às/aos participantes do Projeto na praça central da cidade, para apreciar a apresentação musical do Trio Fuxiqueiras – composto por mulheres, cantando e tocando música tradicional nordestina.