Capítulo I - DO DISCURSO JURÍDICO
1.2 Da Linguagem Jurídica
“Tenho que aprender a ler e a escrever para depois poder compreender” (O
Enigma de Kaspar Hauser - tradução livre)
A linguagem é um ponto crucial ao desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Segundo ALVES (2011, p. 26),
o pensamento não existe se não puder ser expresso sob alguma forma
linguística (…) não sendo possível a sua existência em expressões
simbólicas sem a formulação pertinente da linguagem.
“A linguagem é, pois, componente essencial de um processo indispensável à
vida, qual seja, o processo cognoscitivo” (SIQUEIRA, 1999, p. 36) e
“embora o pensamento e a linguagem tenham origens independentes,
fundem-se ulteriormente em uma linguagem interna que vem a constituir a
maior parte do pensamento maduro” (VYGOTSKY, 1930).
BECHARA (2009, p. 33) pontua que, toda atividade cultural, o que inclui a
atividade real de falar, pode ser considerada sob três pontos de vista diferentes: (i) o
da própria atividade, como falar e entender; (ii) o do saber (competência); e (iii) o do
texto, produto desta atividade. E, considerando que como toda atividade o falar é uma
ação que revela um saber, tal conhecimento linguístico também se revela em três
níveis: (i) o da competência linguística geral (língua); (ii) o do saber idiomático
(histórico); e (iii) do saber expressivo (competência textual):
Ao falar individual e relacionado com a maneira de elaborar textos segundo
situações determinadas corresponde o chamado saber expressivo ou
competência textual; é um saber técnico, isto é, um saber que se manifesta
no próprio fazer, um saber gramatical que se manifesta numa língua particular
e que pode ir além do já criado nessa língua.
Equivoca-se, pois, o profissional da área jurídica que acredita ser o
conhecimento do Direito o bastante para atuar de forma eficaz. Esquece que a falta
de clareza, objetividade e concisão prejudicam a cognição do destinatário do seu
discurso argumentativo, seja ele juiz, promotor ou advogado. Segundo NUNES (1999,
p. 212):
No Direito, a linguagem tem merecido cada vez mais a atenção dos
estudiosos, dada sua importância para o conhecimento jurídico. A linguagem,
na realidade, impõe-se de maneira necessária para o investigador do direito,
uma vez que, olhados de perto, Direito e linguagem se confundem: é pela
linguagem escrita e falada que os advogados, os procuradores, os
promotores defendem e debatem causas e os juízes as decidem; é pela
linguagem escrita e falada que os professores ensinam o Direito e os
estudantes o aprendem. Acima de tudo, é pela linguagem que se conhecem
as normas jurídicas.
Para qualquer operador do Direito, a linguagem é uma marca de identidade, e
sua imprecisão não raro é associada a uma falha profissional, um pecado de estilo.
Todavia, como bem lembra GARCIA (2010, p. 123):
Estilo é tudo aquilo que individualiza obra criada pelo homem, como resultado
de um esforço mental, de uma elaboração do espírito, traduzido em ideias,
imagens ou formas concretas.
A rigor, a natureza não tem estilo; mas tem-no o quadro em que o pintor a
retrata, ou a página em que o escritor a descreve.
Estilo é, assim, a forma pessoal de expressão em que os elementos afetivos
manipulam e catalisam os elementos lógicos presentes em toda atividade do
espírito.
Assim, o estilo não é da linguagem, mas de quem dela se utiliza. A linguagem
jurídica deveria ser a linguagem do povo, porque é também a linguagem do legislador
- Deputados, Senadores e Vereadores – que os representa, havendo de ser, portanto,
instrumento de socialização do conhecimento, e não de poder. CARVALHO (1993, p.
04) lembra que:
Os membros das Casas legislativas, em países que se inclinam por um
sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da
sociedade.
Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros,
advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte
caráter de heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram
representativos.
É bem verdade que, em regra, a linguagem não é precisa; é formada por
elementos que, quando não raro amplos ou genéricos demais, apresentam quase
sempre mais de um sentido. Assim, é da diversidade dos setores da comunidade
social na representação dos parlamentos, associada à reconhecida riqueza semântica
da língua, que o referido autor justifica ser permitido “compreender o porquê dos erros,
impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades que os textos legais
cursivamente apresentam. ” (CARVALHO, 1993, p. 04). De acordo com
NASCIMENTO (2013, p. 296):
Alguns autores preferem os termos estilo jurídico e estilo forense, no entanto
empregam o termo de maneira diferente da literatura, uma vez que retiram
dele o caráter subjetivo. Ocorre que estilo é algo pessoal, e na redação de
leis não deve haver algo pessoal, não deve haver estilo.
O termo linguagem jurídica é mais extenso, logo é gênero de que linguagem
forense é espécie.
Cabe frisar que não estamos aqui a criticar tais características. Ao contrário, a
capacidade de realçar sentimentos e interesses do discurso não seriam possíveis
fosse a linguagem não polissêmica. O problema está no fato de que a linguagem
jurídica, sobreleva notar, na medida em que tem por objetivo impressionar e persuadir,
abusa despudoradamente dessas qualidades. Também conforme CARVALHO (1993,
p. 05):
[...] enquanto é lícito afirmar-se que o legislador se exprime numa linguagem
livre, natural, pontilhada, aqui e ali, de símbolos técnicos, o mesmo já não se
passa com o discurso do cientista do Direito.
Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida em que as
proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas
presididos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e
escalonadas segundo critérios que observam, estritamente, os princípios da
identidade, da não-contradição e do meio excluído, que são as três
imposições formais do pensamento, no que concerne às proposições
apofânticas.
Porém, o que se idealiza e se espera da linguagem jurídica não é o suficiente
para impedir a existência de não pretendidas generalizações ou locuções
plurissignificativas:
“Nada obstante [o propósito de uma estrutura de linguagem efetivamente
unívoca esperada dos operadores do Direito no papel de enunciadores],
cumpre lembrar que o emprego de termos técnicos e o modo científico com
que se expressa o jurista não conseguem superar certas dificuldades do
vocabulário especializado, como as ambiguidades, o teor de vagueza e as
multissignificações, que somente serão resolvidas à custa de ingentes
esforços semânticos. ” (Carvalho, 1993, p. 05)
Como bem lembra BITTAR (2015, p. 183):
O perfeccionamento do discurso jurídico a partir da língua natural redundou
no condicionamento e na especialização de sua linguagem, tendo-se
convertido em linguagem técnica. Mas esse tecnicismo, essa crescente
especialização ou cientificização da linguagem jurídica não impede que esses
mesmos termos técnicos estejam sujeitos à ambiguidade, ou ainda que
termos provenientes de outras esferas de saber penetrem seu campo,
trazendo consigo os problemas-matrizes de sua linguagem originária.
O fato é que, uma vez assentada a subjetividade como estratégia, a linguagem
jurídica fica exposta a achaques, tornando-se afetada de forma que pode afastar-se
de seu primordial propósito, que é, obviamente, o de instaurar a comunicação.
Engana-se, pior ainda, o operador do Direito que julga que o uso de palavras
arcaicas e/ou estrangeirismos valha algum ganho do ponto de vista argumentativo.
Ainda que (hipoteticamente falando) a demonstração de erudição ganhasse causas
(o que, por cediço, não o faz), falar e escrever “difícil”, ao contrário, apenas atrapalha
e, não raro, depõe em desfavor daquele que, à luz da lei, detém o Direito. No entanto,
não negamos que o uso de uma linguagem afeta aos Tribunais, com usuais
especificidades, é, com efeito, indispensável. Como assevera PAIVA (2011, p. 09-10),
Em toda a atividade forense, é evidente que se deve preferir a linguagem
formal e culta. Palavras técnicas e precisas inibem falhas de compreensão.
Não se pode, no entanto, exagerar nos termos [...] A linguagem forense é por
excelência uma linguagem técnica.
Isso significa que muitos termos utilizados em textos jurídicos, apesar de
parecerem complexos e mesmo estranhos, têm função de definir conceitos
do Direito de que aquele que redige não se pode afastar.
E acompanha PETRI (2009, p. 28):
A prova da existência da linguagem jurídica não se separa da busca de sua
especificidade. Pode-se, entretanto, indagar sobre o que repousa a
percepção global de uma linguagem do direito como fato linguístico bruto,
teste elementar de existência, antes de procurar por quais trações ela se
caracteriza.
É importante registrar que não estamos a defender o fim da metalinguagem (a
linguagem que serve para explicar, no caso, a própria linguagem jurídica). Há que se
manter o uso de vocábulos próprios do Direito para evitar ambiguidades. Habeas
corpus7 , por exemplo, explica-se melhor do que corpo livre ou qualquer outra
expressão que venha a tentar exprimir o conteúdo significativo que o vocábulo carrega
e comporta. De acordo com NAPOLITANO (2002, p. 139):
A definição de um espaço autônomo de significação exige determinar certas
propriedades estruturais que servem para diferenciar-lhe de outros discursos.
Dentro destas propriedades, as gramaticais e léxicas são fundamentais.
O discurso do Direito (discurso normativo) possui uma gramática jurídica
específica: há uma gramática distinta da gramática natural, com a intenção
de não deixar ambiguidades, aparecendo como uma sintagmática
preocupada com a formação correta dos enunciados […] as propriedades
léxicas do discurso (palavras, expressões) permitem postular a existência de
um dicionário jurídico autônomo, o mesmo que revela um certo universo
jurídico próprio.
A estes conjuntos de características gramaticais e léxicas do discurso jurídico
reconhece-se como uma linguagem ou como uma Semiótica Jurídica.
Todavia, é preciso esclarecer que linguagem técnica não significa linguagem
rebuscada, empolada ou, sob pena de, atentando contra a sua função primordial, ser
incompreensível. A linguagem formal e culta não pode ser obstáculo à eficiência. Aliás,
tal premissa é válida não somente para o texto jurídico, mas para todo tipo de escrita
que deve privilegiar a comunicação.
Há que ser clara, de forma a visar uma compreensão imediata, sem
obscuridades ou ambiguidades, bem como concisa (informar o máximo possível em
menos palavras, como corolário da lei universal do mínimo esforço). A linguagem é,
antes de tudo, meio de interação social, porém, dotada de intencionalidade. Desta
forma, como também já repetimos, fundada na argumentação, visa mais do que
simplesmente viabilizar a comunicação, mas persuadir.
Não obstante, considerando que, no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro da
Educação Básica de 2016, temos aproximadamente 35 (trinta e cinco) milhões de
analfabetos funcionais, parece-nos que a proposta de simplificação da linguagem
jurídica é realmente necessária, de modo a assegurar que o jurisdicionado entenda
as ocorrências de seu processo judicial.
7 Espécie de ação prevista constitucionalmente que serve para proteger o direito de liberdade de
locomoção lesado ou ameaçado por ato abusivo de autoridade, mas que já faz parte do domínio popular
como sinônimo de ordem de soltura.
É certo que o diálogo judicial se dá entre juízes e advogados, todos com
formação jurídica. No entanto, as partes do processo devem ter a chance de
compreender o que está sendo pedido, os argumentos da parte contrária e os
fundamentos da decisão que coloca fim à contenda. Trata-se de uma forma de
humanizar o sistema judicial, tornando-o acessível a todos, indistintamente.
O texto jurídico (seja ele uma petição, uma decisão, um parecer), como
qualquer outro, pretende comunicar uma ideia e, para cumprir o seu objetivo, deve
possuir, antes de tudo, clareza.
É bem verdade que há termos que não podem ser substituídos, pois não
haveria sinônimos adequados. Além disso, não resta dúvida de que o texto formal não
pode ser substituído pela mera representação da língua falada, pois necessita de
exatidão em seu conteúdo e não possui os recursos corporais, faciais e de entonação
que nos são permitidos na conversação.
Em suma, a linguagem jurídica deve ser formal, no entanto, textos
extremamente rebuscados não produzem clareza e dificultam não só a compreensão
dos leigos envolvidos, como também dos profissionais da área, produzindo uma
comunicação ineficiente.
É cediço que entre aqueles que demandam e são demandados, que são a
minoria, poucos leram os autos do processo dos quais participaram. Dos que leram,
ínfima parte os compreenderam ou conseguiram interpretá-los, ainda que
parcialmente.
O texto jurídico, conquanto construído por palavras de sentido unívoco
(técnicas), está também adstrito a um tipo de léxico recheado de palavras equívocas,
o que não raro dá azo a um discurso jurídico com possibilidades significativas
diferentes. De acordo com VIANA (2005, p. 248):
Uma das virtudes do texto jurídico bem articulado é a utilização, por parte do
profissional do direito, de palavras e termos específicos. O discurso jurídico é
uma linguagem técnica e não admite a utilização de termos genéricos, pois
podem interferir na compreensão real do raciocínio desenvolvido pelo
profissional do direito.
Todavia, por uma questão cultural, tendo o Direito no Brasil sido influenciado
pelo Direito romano, não é de se estranhar nos textos jurídicos aqui produzidos a
presença indiscriminada do latim ou de vocábulos com uma acepção sem igual, mas
que detêm significados diferentes quando empregados em outras áreas do
conhecimento.
O fato é que, na medida em que se trabalha comumente com os estudos de
doutrinadores igualmente contaminados por essa herança, e por precedentes
jurisprudenciais (decisões já tomadas que servem de exemplos para causas análogas
futuras) produzidos se não por estes mesmos estudiosos, por operadores que lhes
fazem referência, não raro prevalece no texto jurídico o uso de palavras em seu
sentido conotativo, p. e., “diapasão” (por padrão, medida), “de encontro a” (no sentido
de “discordar”, em vez de “colidir”); “nojo” (para, ao contrário de significar “repulsa”,
designar o período de sete dias do falecimento de uma pessoa em que não se faz
citações a parentes); “despacho” (para designar “decisão” e não a “realização de um
malfazejo”); “remédio” (para exprimir “solução” e não “droga”); etc. Como bem adverte
PETRI (2009, p. 30):
Parece, à primeira vista, que o vocabulário jurídico não se limita apenas aos
termos de pertinência jurídica exclusiva. Ele se estende a todas as palavras
que o direito emprega numa acepção que lhe é própria. Ele engloba todos os
termos que, tendo ao menos um sentido no uso ordinário e ao menos um
sentido diferente aos olhos do direito, são marcados pela polissemia, mais
precisamente por esta polissemia que se pode chamar externa (em razão da
sobreposição de sentidos de uma mesma palavra no direito e fora do direito,
em oposição à polissemia interna). Estes termos de dupla pertinência são
muito mais numerosos que os termos de pertinência jurídica exclusiva.
Há, pois, considerando que linguagem é um sistema de símbolos produzidos
voluntariamente com o desiderato de estabelecer a comunicação, expressando não
somente ideias, mas também sentimentos ou desejos, que se prestigiar no discurso
jurídico sempre o sentido denotativo. O ideal, segundo GARCIA (2010, p. 176), é que:
Cada palavra (significante) designasse ou apontasse apenas uma coisa,
correspondesse a uma só ideia ou conceito, tivesse um só sentido
(significado). Como tal não ocorre em nenhuma língua conhecida, as palavras
são, por natureza, enganosas, porque polissêmicas ou plurivalentes. Muitas
constituem mesmo uma espécie de constelação semântica, como, por
exemplo, ponto e linha, que têm (segundo o Dicionário de Laudelino Freire)
cerca de 100 acepções.
No direito, ou melhor, na linguagem jurídica, não é diferente. É preciso que a
despeito da polissemia sempre presente, o léxico seja escolhido à luz da coerência e
coesão textuais para fins de evitar repudiável ambiguidade, não se perdendo de vista
que a intertextualidade também denota-se ferramenta importante de esclarecimento
nesse processo. Conforme DAMIÃO e HENRIQUES (1995, p. 35):
No Direito, é ainda mais importante o sentido das palavras porque qualquer
sistema jurídico, para atingir plenamente seus fins, deve cuidar do valor
nocional do vocabulário técnico e estabelecer relações semântico-sintáticas
harmônicas e seguras na organização do pensamento
Enquanto sequestrar, processualmente falando, implica apreender
judicialmente um bem em litígio, do ponto de vista penal significa privar alguém de sua
liberdade de locomoção. Vê-se, pois, que, isoladas, as palavras pouco (ou tudo)
significam, sendo o contexto (seja ele o literal, referencial ou conotativo) o responsável
pelo seu melhor emprego. Por isso o operador do Direito tem a obrigação de
empreender um esforço semântico hercúleo ao se valer de palavras
plurissignificativas.
GARCIA (2010, p. 183) lembra ainda que um grande óbice à comunicação é a
polarização, que define como a tendência de se admitir os significados extremos,
ignorando ou negligenciando os significados intermediários. Exemplifica o autor que:
...quem defende a iniciativa privada é anticomunista para uns, reacionário
para outros, e que, para muitos, nacionalismo é amor à pátria, para outros,
xenofobia… Polarização e polissemia de mãos dadas.
Tanto os arcaísmos quanto os neologismos estão sujeitos aos impactos dessa
chamada polarização que, frise-se, no Direito, não raro é possível evitar-se, sendo sua
frequência podendo ser diminuída por técnicas como a especificação (o uso do termo
mais concreto em detrimento do mais abstrato); atenção à etimologia (estudo da
origem e evolução das palavras) e opção por termos técnicos (dicionarizados em
glossários do determinado campo do conhecimento).
Por não ser compreendido, pode o enunciador do discurso jurídico perder uma
demanda, e não raro o não se fazer entender pode ser resultado do uso de termos em
desuso, rebuscamento ou escolhas lexicais fora de contexto, que não servem sequer,
a despeito de toda a liberdade artística, aos romances literários.
É bem verdade que toda linguagem técnica não é apenas expressiva, posto
que visa, antes de mais nada, informar. E não é menos verdade que a linguagem
informativa pode ser também mais do que didática, ou seja, lógica.
Segundo NASCIMENTO (2009, p. 17-18),
A linguagem lógica pertence à linguagem forense, que tem por objetivo
convencer. Também, a oratória sacra e a oratória política fazem parte desse
grupo. É a linguagem forense baseada em argumentos, expressão verbal do
raciocínio e busca a razão, a saber, o pensamento em movimento.
Vê-se, pois, que a linguagem jurídica carece de um estudo da lógica, sem a
qual não conseguiria alcançar seu fim precípuo de argumentar para convencer.
1.2.1 Da polissemia e do estrangeirismo
De acordo com DAMIÃO e HENRIQUES (1995, p. 36), “a polissemia é
multiplicidade significativa de um mesmo significante”, fenômeno corrente na
linguagem jurídica, cujo vocabulário rico em possibilidades semânticas contém
acepções diversas para mesmas palavras.
Quando um significante remete a vários significados, dizemos que ocorre a
polissemia: (i) homônimas, se com mesma pronúncia ou grafia (“são” de “sadio” e/ou
“são” de “santo”, por exemplo), ou (ii) parônimas, se com pronúncia ou grafia não
exatamente iguais, mas muito semelhantes (“deferimento” como “concessão” e
“diferimento” como “adiamento”, também por exemplo).
Não chegam a ser um problema a clareza e objetividade porque, em geral,
neutralizam-se no contexto, todavia, excepcionalmente, podem deter conotações tão
diversas a ponto de exigir do autor do texto uma escolha linguística.
No que se refere ao estrangeirismo, cabe sobrelevar que, em um mundo
globalizado, admitimos que causa espécie falar do assunto como se fosse um
problema a ser resolvido. Em tempos de banda larga cada vez mais acessível, a
comunicação do indivíduo com o mundo parece exigir uma postura, quando não
poliglota, no mínimo bilíngue. Para DAMIÃO e HENRIQUES (1995, p. 54):
Os seres humanos não vivem insulados; o caráter social obriga-os ao
intercâmbio político, econômico e cultural. A influência de uma língua em
outra é decorrência normal de tal intercâmbio; é, pois, um fato que há de se
considerar com naturalidade. Hoje, não mais clima para os antigos caçadores
de estrangeirismos.
No Direito não é diferente. As palavras de origem estrangeira acabam por
ingressar no vocabulário jurídico sem contato prévio com a cultura forense nacional
por questões de poder e ideologia impostos pelos chamados países dominantes.
Neste sentido, o que outrora se via da influência francesa como, por exemplo,
o uso corriqueiro de “en passant” para “acidentalmente”, ou “sursis”, inclusive presente
nos textos legais, para falar da “suspensão condicional da pena”, hoje se vê com maior
frequência, o uso de “leasing” no âmbito do Direito Comercial e Tributário, “lockout”
para designar a greve de empregadores no âmbito do Direito do Trabalho, ou mesmo
em princípios Constitucionais como o “due process law” (princípio do devido processo
legal), marcando a influência norte-americana também no nosso Direito.
O fato é que, sob o ponto de vista do amplo acesso, o uso exagerado de
expressões desta natureza depõe em desfavor da finalidade comunicativa irrestrita e
incondicional esperada do discurso jurídico.
É por isso, portanto, que a despeito de considerar o estrangeirismo um
fenômeno natural, BECHARA (2009, P. 599) adverte,
que se deve combater o excesso de importação de línguas estrangeiras,
mormente aquela desnecessária por se encontrarem no vernáculo palavras
e giros equivalentes,
bem como DAMIÃO e HENRIQUES (1995, p. 55) asseveram que,
faz-se mister vestir as formas estrangeiras de uma roupagem vernácula e,
assim, incorporá-las ao nosso léxico, como ocorreu com abajur, bibelô, chalé,
coquete, buquê e tantas outras”.
Assim, ainda que o uso repetido de termos e palavras estrangeiras dê um ar de
No documento
LISTA DE TABELAS
(páginas 31-42)