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Da necessidade de incentivos públicos à eficiência energética

Nas seções anteriores foram demonstrados os principais benefícios que podem advir da adoção de práticas de GLD.

Prossegue-se agora explanando a necessidade da ação do Estado na criação e execução de políticas de incentivo à busca da eficiência energética.

Os argumentos apresentados para defender a intervenção do Estado nesta área foram a larga escala em que muitos investimentos em eficiência energética precisam ser coordenados e a natureza intrinsecamente institucional de alguns destes, que seriam destinados a corrigir falhas de mercado.

Quanto à escala em que estes investimentos precisam ser coordenados, basta lembrar que o Brasil é um país de dimensões continentais, com diferentes características regionais. Seria praticamente inviável à iniciativa privada, por exemplo, coordenar sozinha uma campanha informativa/educativa cobrindo todo o território nacional, tanto pela extensão do público alvo quanto por sua variedade, já que, em função das diversas realidades sócio-culturais existentes ao longo do território nacional, muitas vezes não é sequer razoável tentar elaborar uma campanha de conscientização ou de difusão de conhecimentos e valores que tente atingir toda a população brasileira a partir de um único discurso padronizado. Esta variedade de ‘falares’ obriga à elaboração de um discurso apropriado a cada nicho sócio-cultural do país, que deve ser dirigido adequadamente aos públicos receptores corretos. Uma tarefa desta magnitude é melhor coordenada pelo Estado, a partir do trabalho conjunto deste com as diversas organizações civis e demais atores envolvidos em nível local, para a implantação das ações, e de um trabalho centralizado do próprio Estado, para as atividades gerais de captação e administração de recursos.

Da mesma forma, sem o auxílio da máquina administrativa do Estado seria muito mais custoso à iniciativa privada estabelecer parcerias de âmbito nacional com o setor acadêmico. Tanto que, até o presente momento, foram encontrados apenas alguns programas isolados, envolvendo algumas Universidades por convênio [6]. Um programa público poderia vir a envolver toda a rede de universidades públicas federais, as diversas Fatecs, a rede pública de ensino técnico e os diversos centros públicos de pesquisas.

Já quanto às falhas de mercado, estas se manifestam como um conjunto de barreiras estruturais à implantação de programas de eficiência energética. Inclusive, este é um tópico que merece ser considerado em maior detalhe, o que se fará em seguida.

São necessárias mudanças de paradigma tanto por parte dos investidores quanto por parte dos consumidores em geral. É necessária a criação de uma cultura de economia por parte dos consumidores, tornando-os mais conscientes em relação aos desperdícios de energia. Tal cultura de economia se caracteriza por um conjunto de atitudes e comportamentos voltados ao uso racional dos insumos energéticos, incluindo práticas de operação eficiente de equipamentos e dispositivos e de combate ao desperdício de energia. Exemplos típicos são o uso consciente dos sistemas domésticos de iluminação, apagando-se as luzes quando se é a última pessoa a sair de um recinto; as práticas eficientes de condução de veículos, que incluem verificações de manutenção preventiva tais como a revisão de filtros de ar e a calibração da pressão de enchimento dos pneus; a circulação de ar externo no interior de edificações comerciais durante o período noturno, reduzindo a carga térmica imposta a seus sistemas de ar-condicionado ao início de seus períodos de ocupação. Esta cultura de economia inclui igualmente a adoção de técnicas e tecnologias de uso racional de energia, abrangendo técnicas de projeto, aquisição e operação de equipamentos energeticamente eficientes – industriais e outros –; e a disponibilização, pelo Estado e pelos agentes financeiros, de crédito para o financiamento das ações de busca da eficiência energética em condições competitivas com os demais investimentos disponíveis e/ou necessários para os diversos interessados nos setores residencial, comercial, industrial, de serviços, etc.

Embora tenha ocorrido uma conscientização da população à época do racionamento de energia enfrentado entre os anos de 2001 e 2002, além de ainda haver um amplo potencial disponível de economias de energia, há a possibilidade de que, após o período de emergência, a maioria das pessoas já tenha retornado ou venha a retornar a seus antigos hábitos de consumo, já que o período do racionamento foi encarado como uma situação emergencial e, portanto, temporária. Um tal esforço de conscientização envolve ações de marketing e relações públicas em escala nacional, cuja magnitude justifica plenamente o envolvimento da máquina do Estado em seu planejamento e execução e, uma vez que o interesse das concessionárias de energia elétrica está em vender energia, o que faz com que

a economia de energia por parte do cidadão vá contra seus interesses comerciais imediatos, e o interesse do fabricante de equipamentos consumidores de energia está em produzir a preços mais reduzidos e oferecer sua mercadoria também a menores preços, novamente, inviabilizando a eficiência energética como opção no curto prazo, em decorrência do maior investimento inicial necessário à produção de equipamentos eficientes e do maior preço de venda dos mesmos, evidencia-se aqui uma falha do mercado em atender ao interesse maior da população.

Outro motivo para a ação do setor público na área de eficiência energética é a aversão a longos prazos de retorno, manifestada por grande parte da indústria nacional. Isto por que, embora muitos possíveis projetos de eficientização energética de processos produtivos tenham vidas úteis de 20 ou até 30 anos, seus prazos de retorno podem ser de 5 ou até mesmo 8 anos. Via de regra, investimentos com tais prazos de retorno costumam ser preteridos em prol de investimentos concorrentes que apresentem retornos mais rápidos [6].

Possibilidades de ação estatal nesse caso seriam, por exemplo, o oferecimento de instrumentos de financiamento capazes de vencer essa aversão ao risco, ao diminuir sua percepção pelos agentes investidores, e a criação de um ambiente institucional favorável ao trabalho das ESCOs – Empresas de Conservação de Energia –, seja coibindo ações das concessionárias de energia e outros agentes interessados que dificultem sua ação junto aos consumidores de energia, seja criando um arcabouço jurídico favorável à celebração dos chamados contratos de desempenho, que permitem ao contratante executar ações de busca da eficiência energética de forma inicialmente ‘gratuita’ – os custos são absorvidos pela ESCO –, para pagar por elas após sua execução, usando para isso os recursos financeiros poupados a partir da economia de energia que estas ações geraram.