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5. Apresentação do Universo de Pesquisa

5.3. Os assentamentos do Cabo de Stº Agostinho

5.3.2. Da ocupação a legalização – o acampamento

Vale ressaltar que o CMC não participou diretamente, nem indiretamente, das conquistas dessas áreas de assentamentos rurais, tendo apenas iniciado seus trabalhos nas referidas áreas após a realização de um levantamento das áreas rurais carentes no Cabo de Santo Agostinho, localizando assim os três assentamentos. Os referidos assentamentos não foram gerados pela mesma instituição ou organização38, sendo frutos de lutas singulares a cada caso, como é apresentado a seguir.

O assentamento Potozi é fruto das lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -MST, que inicialmente, ocupou, em 1991, as terras do Engenho Campo Alegre, à época, pertencentes à Destilaria JB. Os integrantes do MST vieram arregimentados principalmente das cidades de Vitória de Santo Antão e Escada, mas também encontramos

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A caracterização que se segue resulta de entrevistas com assentados e assentadas e de pesquisa documental disponível no CMC.

pessoas advindas de outras cidades como, por exemplo, Chã Grande. Tal ocupação não deu certo e os sem terras foram despejados do Engenho Campo Alegre dois meses depois. Após um ano, em 12 de outubro de 1992, parte deste grupo instalou-se no Engenho Potozi que fica a 55 km da sede do município do Cabo de Santo Agostinho, ocupando uma área de aproximadamente 163,33 ha. Em 12 de outubro de 1993 o Fundo de Terras de Pernambuco - FUNTEPE, instituição do governo do Estado de Pernambuco, concedeu o título de posse aos acampados. Hoje, são assentadas na área 55 famílias e cada parcela equivale a aproximadamente 3 hectares, sendo que uma única parcela possui 9 hectares. Nesse assentamento, muitos poucos são antigos moradores, e/ou trabalhadores da área e redondezas.

Acampamos no engenho Campo Alegre, engenho vizinho ao assentamento, e lá passamos dois meses. Fomos despejados do engenho Campo Alegre que pertence a Destilaria JB e voltamos para nossas casas. As famílias, que não tinham para onde ir, ocuparam a Prefeitura de Vitória de Santo Antão. Depois de um ano, aos 12 de outubro de 1992, ocupamos o engenho Potozí e passamos 01 ano negociando com o FUNTEPE. No dia 12 de outubro de 1993 foi concedido o título de posse. Hoje, são assentadas 55 famílias.

O assentamento Arariba da Pedra é o mais novo entre os três assentamentos a serem estudados. Situa-se a 67 km da sede do município do Cabo de Stº Agostinho e possui uma área de 512,50 hectares. As famílias de assentados receberam do INCRA, através de decreto, em 18/9/1996, o titulo de posse da terra. Uma parte de seus assentados é formada por antigos moradores da usina de Massauassu, falida na década de 1990, que receberam os lotes como forma de pagamento de dívidas trabalhistas, e os demais são provenientes da própria Zona da Mata (Sirinhaém, Escada, Rio Formoso) do Agreste (Gravatá e Limoeiro) e Sertão de Pernambuco (Ibimirim, Sertania e Custódia), que abandonaram suas regiões, principalmente, devido à escassez de água.

O assentamento Arariba de Baixo possui uma área de 881,25 hectares e dista 33 km do Cabo de Stº Agostinho. Sua ocupação foi coordenada pelo Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST, que convocou e arregimentou pessoas dispostas a lutar pela terra, em diversos municípios do estado de Pernambuco (Gravatá, Pombos, Sertânia, Carpinas, etc.) e, até mesmo, em Estados próximos (Rio Grande do Norte e Maranhão), e em sua maioria eram trabalhadores rurais, inclusive oriundos da cana-de-açucar que residiam nas sedes das cidades e com historia de vida vinculada a áreas rurais.

Existem também, na área, alguns assentados que, nunca viveram, ou trabalharam, na zona rural, mas esses também tinham as suas raízes familiares vinculas ao rural. Vale ressaltar, porém, que todos eles acreditavam que essa nova forma de viver era o que poderiam

ter de melhor, possuir um lugar seu, com condições de trabalho e onde pudessem criar laços afetivos e de solidariedade, e assim construir uma vida digna e honrada. O assentamento recebeu por um ano e meio apoio técnico do Fundo de Terras de Pernambuco - FUNTEPE. Porém, após conflitos internos no local, o FUNTEPE retirou-se e o INCRA assumiu, formalizando o assentamento em 26 de dezembro de 1994. Segundo o INCRA39 este assentamento tem capacidade para 36 famílias; porém de acordo coma as informações coletadas junto ao CMC e Governo do estado de Pernambuco40 estão assentadas na área cerca de 150 famílias.

“No acampamento foi muito difícil, tinha gente de vários lugares, a gente não sabia em quem confiar, mas tinha que confiar uns nos outros, num tinha outro jeito, né... Tava todo mundo igual... Tinha os que a gente já conhecia, de onde nós viemos, de cada lugar tinha um grupo e nós procuramos ficar junto... Todos os conhecidos, mesmo os só de vista, procurava ficar perto, ficar na lona, sabe como é? Mas depois todo mundo foi se conhecendo e virou uma grande família” (Assentada – Arariba de Baixo).

5.3.2.1. Ocupantes e moradores – a formação dos assentados

Ressaltamos que em todas as áreas trabalhadas, no âmbito de cada assentamento, encontramos relatos que apontam para a formação de dois grupos, duas identificações diferentes que se constituíram à época do acampamento – moradores e ocupantes sem-terra -, e a existência de conflitos entre eles, mesmo que posteriormente solucionados.

A invasão foi calma, na época eu já morava aqui no engenho. No começo a gente tinha um pouco de medo, de eles ficar com a terra a nós não. Mas de pouco em pouco vimos que nós íamos ter terra também que não ia ser só pra invasão, então ficou tudo bem. Nesse período eu vivia com minha mãe e irmãos. Tudo viva da cana, daí eu fui pra Recife, pra trabalhar, mas depois voltei, porque meu marido, esse que eu to vivendo agora, só podia ter parcela se fosse casado, daí nós se juntamos. (Arariba da Pedra)

A invasão foi à noite, chovia muito e nós só escutava o barulho de carro, caminhão... tudo chegando e trazendo gente. E durante muito tempo eles era estranho pra gente, num era gente daqui, ninguém conhecia. Pra nós eles eram invasores e nós tínhamos... um pouco ... de medo deles ... a gente não conhecia ninguém. ... Mas depois isso acabou. Ficamos tudo amigo.

As entrevistas a cima, também nos chamam atenção por deixarem expressa uma problemática comum nas áreas onde a crise da cana-de-açúcar deixou a sua marca, ou seja, a luta pela terra e a tensão existente na convivência, durante esse processo, de antigos

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Site oficial do INCRA (www.incra.org.br) , na área de serviços desapropriação / imóveis - relatório analítico por uf.

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Diagnóstico socioambiental - litoral sul de Pernambuco- Publicações CPRH /MMA – PNMA II. www.cprh.pe.gov.br/downloads/16_Quadro.pdf

moradores/trabalhadores locais e as pessoas que vêm de fora, ambos em busca do mesmo sonho. Nessa luta, apesar de ambos terem o mesmo objetivo, isto é a posse da terra, em alguns momentos, principalmente nos primeiros dias após a “invasão”, apresenta-se como uma disputa entre “os de fora e os de dentro”.

Inicialmente a convivência entre estes grupos não foi harmoniosa41. Os antigos moradores das áreas ocupadas não sabiam o que iria acontecer a partir das ocupações, por eles denominadas de “invasões”, e tinham receio de que seus direitos adquiridos, devido a dívidas trabalhistas não pagas pelos antigos patrões, fossem subtraídos em favor dos ocupantes, que estavam vinculados a movimentos sociais. Desse modo, como forma de se protegerem, durante certo tempo, boicotaram e se opuseram a “invasão”. Já os recém chegados viam com desconfiança os moradores das áreas e entornos. Para eles esses últimos eram considerados os estranhos, diferentemente dos que vieram para ocupar, aqueles com quem travaram conhecimentos no processo de luta, esses eram considerados companheiros, foram com quem dividiram o ônibus, o desconforto, as angustias e, também, a esperança de uma nova vida.

A mudança na realidade local, transformada pela ocupação da área por pessoas estranhas ao convívio social anteriormente estabelecido, não era conveniente a todos. Em suas primeiras observações os moradores julgavam-se muito diferentes dos “de fora”, a quem consideravam arruaceiros, e invasores. Os “ocupantes” por sua vez, apresentavam também desconfianças quanto aos antigos morados em decorrência da própria situação que se encontravam: tendo de abandonar os locais de origem, desempenhar diversas atividades, inclusive alheias à agricultura, na busca da sobrevivência. Porém, a convivência entre antigos moradores e “ocupantes”mudou a rotina do lugar e deixou sua contribuição para o processo de resignificação de diversos padrões culturais, dentre os quais as relações de gênero.