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Movimentos sociais de mulheres na agricultura e o novo quadro institucional

3. Agricultura familiar

3.3. Movimentos sociais de mulheres na agricultura e o novo quadro institucional

Uma vez que a história do feminismo no Brasil remonta a antes do séc. XIX, e dar conta de toda essa historia seria impossível. Esta seção abordará a trajetória do movimento de mulheres, sejam populares e/ou feministas nos últimos trinta anos.

A partir da década de 70, novas forças políticas consolidam-se em vários lugares do planeta, inclusive o Brasil, devido à emergência dos movimentos sociais. Os movimentos de mulheres e feministas podem ser citados como exemplo.

A década 70 constituiu um marco para o movimento de mulheres no Brasil, com suas vertentes de movimento feminista, grupos de mulheres pela redemocratização do país e pela melhoria nas condições de vida e de trabalho da população brasileira.

Segundo Arendt (1993) a mulher, ao emergir da esfera privada para reivindicar na esfera pública, também se torna visível na esfera social, em que os limites entre o público e o privado tornam-se confusos. A partir de 1975, quando a ONU declara o início da Década da

Mulher, e do crescimento expressivo da participação feminina no mercado de trabalho

brasileiro, as mulheres alcançam os sindicatos, o que impulsiona a criação de departamentos femininos, percebidos por Pinto (1992) como uma das formas de inserção e de construção de espaços de poder. Nos anos 80, fica claro que não bastava estudar as mulheres, era necessário estudar as relações sociais entre os sexos, passando então os estudos e as organizações a darem ênfase às questões de gênero.

Durante os anos 70 e 80, os movimentos de mulheres mostram a participação delas em vários setores da vida pública, lutando pelos seus direitos e necessidades através de manifestações, denunciando as desigualdades sociais, imputadas às relações de gênero.

Nos anos noventa do século passado, amplia-se o movimento social de mulheres e surgem inúmeras organizações não-governamentais (ONGs), além de uma diversidade e pluralidade de projetos, estratégias, temáticas e de departamentos específicos, para tratar das questões das mulheres e de gênero, no âmbito dos órgãos governamentais. Constata-se ainda a profissionalização/especialização dessas ONGs e um acelerado processo de institucionalização do movimento de mulheres.

No Brasil, a conexão entre as questões de gênero e a temática agrária revela elementos significativos do panorama histórico em que se insere o Movimento das Mulheres, em meio a um contexto social marcado pela predominância de uma ótica conservadora nas relações sociais, e especialmente na relação entre os diferentes sexos.

Segundo Silva (2006) entre as décadas de 40 e 60, principalmente, as atividades de Extensão Rural “procuraram organizar o mundo social dos agricultores brasileiros a partir de concepções diferenciadas de trabalho na lavoura (masculino) e trabalho doméstico

(mulheres)”. Dessa forma, toda uma política de formação de agricultores esteve orientada por princípios de desigualdades sociais.

Em 1974, foi criada, em substituição a ABCAR, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Inicialmente a EMBRATER privilegiou a assistência técnica e, por conseqüência, o trabalho junto aos agricultores do sexo masculino, considerados responsáveis pelo trabalho produtivo. Porém, a partir das décadas de 80 e 90, suas ações de organização de grupos (clubes de mães, de senhoras e outros) já incorporavam uma perspectiva mais abrangente e incluíam discussões sobre sexualidade e gênero. Muitas críticas foram, e ainda são, feitas a esse trabalho, apontado como de caráter "tutelador". Apesar das críticas sofridas, tais trabalhos contribuíram para que hoje os segmentos organizados das mulheres rurais coloquem-nas de forma distinta da tradicional, ou seja, não mais como participantes subordinadas das unidades familiares, mas como cidadãs que buscam conquistar uma maior autonomia pessoal e profissional, que questionam as relações tradicionais entre os gêneros e, com isso, problematizam a forma como a própria extensão rural as tratou ao longo do tempo.

Pode-se dizer que foi na década de 80, sob influência da ala progressista da Igreja Católica, que as mulheres rurais começaram a participar em número crescente de sindicatos rurais, Movimento de Mulheres Agricultoras e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)23, bem como começaram a formar suas próprias organizações autônomas, tais como: o Movimento de Mulheres Agricultoras do Sul do país e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), que lutam, entre outras coisas, por terra para trabalharem. Suas reivindicações pelo direito à terra foram, formalmente, atendidas na Constituição Federal de 1988, a qual estabelecia que, nas terras a serem distribuídas através de reforma agrária, "o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil" (Artigo 189).

Deere e Leon (2002), com base em dados obtidos em pesquisa realizada na América Latina, apontam que

no decorrer do século XX, o arcabouço jurídico gradativamente expandiu os direitos de propriedade das mulheres casadas, e aquelas de uniões consensuais. A recente adoção da figura jurídica da família, com chefia dupla, fortaleceu a possibilidade de que os bens adquiridos durante o casamento realmente sejam de propriedade conjunta e assim administrados (DEERE; LEON, 2002, p. 104).

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Fundado em 1986, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é um movimento nacional extremamente organizado, presente em 23 Estados Brasileiros. O MST é constituído por camponeses sem terra para cultivar ou sem condições para faze-lo, tendo como conseqüência a impossibilidade de sustentar as suas famílias. As medidas de pressão utilizadas por esse movimento são, essencialmente, as invasões de terras improdutivas, organizadas ao pormenor, o conseqüente acampamento das famílias, e o bloqueio de estradas. (MITSUE, M, 2001)

No Brasil, como exemplos desse processo de reformulação legal que visa permitir a implementação dos direitos da mulher à terra, pode-se citar: a reformulação do código civil brasileiro, em 2002 e a criação de programas e projetos do MDA, os quais buscam cada vez mais, a inclusão das mulheres em suas ações.

Vale ressaltar que, de março a setembro de 2001, o MDA baixou sete portarias, com a finalidade de equacionar os problemas de gênero e diminuir as diferenças entre homens e mulheres no acesso às oportunidades de trabalho, ao crédito, à assistência técnica e até aos cargos dentro do próprio MDA,

Entre essas portarias estão a Portaria n.33, de 08 de março de 2001, que institucionaliza o Programa de Ações Afirmativas, para promoção de igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres; a Portaria n.201, de 04 de setembro de 2001, que institucionaliza a inclusão dos enfoques de gênero, raça e etnia em pesquisas, estudos, eventos, seminários, bancos de dados e acervos de biblioteca promovidos pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento (NEAD).