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Da posição do Supremo Tribunal Federal sobre a gratuidade da

Tendo em mira que as alterações carregam traços inequívocos de inconstitucionalidade, por óbvio que os juristas brasileiros não quedariam resignados à inércia, sobretudo, tendo à disposição instrumentos jurídicos hábeis para rediscussão dos elementos afrontadores do texto constitucional.

É nesse prólogo que se conjectura a necessidade de intervenção por Ação Direta de Inconstitucionalidade. Por essa razão, a Procuradoria Geral da República, na utilização plena de suas prerrogativas legais, propôs, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), ação que visa declarar a inconstitucionalidade do art. 790-B, caput e § 4º; art. 791-A, § 4º; e, por fim, do art. 844, § 2º da legislação obreira:

Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. [...].

§ 4º. Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

Art. 791-A. [...]

§ 4º. Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

Art. 844. [...]

§ 2º. Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. (BRASIL, 2017).

Depreende-se da exordial referida, que a reforma efetuada afronta pela violação dos seguintes preceitos fundamentais: dignidade da pessoa humana; fundamentos da República dos valores sociais do trabalho; escopo da República em erradicar a pobreza e a marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais; garantia de jurisdição estatal por lesão ou ameaça de Direito; prestação de jurisdição ante a provocação da parte lesada que necessita de gratuidade antes e durante a permanência da demanda em litígio.

Destaca-se, portanto, que a ADI ajuizada de antemão já consigna a inconstitucionalidade do pagamento de custas e dos honorários advocatícios mesmo nos casos em que a parte litigue sob o pálio do beneplácito da Justiça gratuita. O fato, inescrupulosamente, viola a garantia constitucional de isenção de despesas quando presentes os requisitos autorizadores do deferimento do benefício.

A ação foi recebida e o relator designado foi o ministro Roberto Barroso, que proferiu o seu voto, em compêndio, nos seguintes termos:

O ministro Roberto Barroso (relator) julgou parcialmente procedente o pedido formulado para assentar interpretação conforme a Constituição, consubstanciada nas seguintes teses: 1) o direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários; 2) a cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; e (ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias; 3) é legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento. (STF, 2018).

Nesse contexto, ponderou o ministro que há no Brasil excesso de litígios em trâmite, precipuamente na Justiça obreira, o que acarreta o descumprimento por parte dos empregadores das suas obrigações de natureza laboral. Para o colegiado, a

reforma trabalhista tão somente abarcou as ações temerárias, sem acrescentar positivamente em qualquer mudança no sentido da amenização da complexibilidade e a falta de responsabilização veemente aos que não a cumprem:

O relator observou, inicialmente, que a sobreutilização do Judiciário congestiona o serviço, compromete a celeridade e a qualidade da prestação jurisdicional, incentiva demandas oportunistas e prejudica a efetividade e a credibilidade das instituições judiciais, o que afeta, em última análise, o próprio Direito Constitucional de acesso à Justiça. Dessa forma, reputou constitucional, resguardados os valores alimentares e o mínimo existencial, a cobrança de honorários sucumbenciais dos beneficiários da gratuidade de justiça como mecanismo legítimo de desincentivo ao ajuizamento de demandas ou de pedidos aventureiros. Para o relator, a gratuidade continua a ser assegurada pela não cobrança antecipada de qualquer importância como condição para litigar. O pleito de parcelas indevidas ensejará, contudo, o custeio de honorários ao final, com utilização de créditos havidos no próprio feito ou em outros processos. (STF, 2018).

Em contrapartida, afere-se do voto do ministro relator que a reforma trabalhista em si não inflige desproporção do beneplácito referido, e sim, que acarretará em verdadeiro desafogamento do Judiciário em razão da redução drástica da litigiosidade calcada em futilidade. Tais argumentações favoráveis e desfavoráveis foram proferidas, sendo o voto articulado no sentido da parcial procedência da ação proposta.

Na continuação da análise de seu voto, relata o ministro que aos aventureiros que não estiverem certos de que a busca pela jurisdição se fará medida totalmente justa e procedente, haverá imposição de ônus acaso sucumbirem. Tal consequência não fere, em grau algum, o princípio do acesso à Justiça, apenas o limita. Asseverou, também, que há permanência da proteção das verbas de natureza alimentar do empregado, com o resguardo do mínimo essencial, o que por si só já afasta a cobrança das despesas consectárias da derrota parcial ou total na demanda.

Também entendeu ser constitucional, em respeito e consideração à Justiça e à sociedade, que a subsidia, a cobrança de custas judiciais dos beneficiários da Justiça gratuita que derem ensejo ao arquivamento do feito em razão do não comparecimento injustificado à audiência, ônus que pode ser evitado pela apresentação de justificativa para a ausência.

Por fim, considerou constitucional o condicionamento da propositura de nova ação ao pagamento das custas judiciais decorrentes do

arquivamento, medida adequada a promover o objetivo de acesso responsável à Justiça. (STF, 2018).

Desse modo, o relator defendeu que o escopo do legislador foi justamente intentar a redução da litigiosidade exacerbada, considerando o número de demandas ajuizadas na Justiça especializada, o que resultaria em menor prejuízo aos próprios empregados e empreendedores de pequeno porte.

Isso, indubitavelmente, é questionável, especialmente em razão de que o (des)amparo da gratuidade judiciária fará com que menos demandas sejam ajuizadas por receio de eventual condenação e não em virtude de mudança cultural instantânea e consequente erradicação do desrespeito aos direitos dos empregados.

Em subsequência ao término do voto do relator, votou o ministro Edson Fachin em total divergência, conforme segue:

Em divergência, o ministro Edson Fachin julgou integralmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos combatidos, por vislumbrar ofensa aos direitos fundamentais da assistência jurídica integral e gratuita e de acesso à justiça, contidos, respectivamente, nos incisos LXXIV e XXXV do art. 5º da Constituição Federal (CF). Segundo ele, as normas estão em desacordo, ainda, com precedentes do STF e com o art. 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). (STF, 2018).

No que tange à desigualdade social oriunda dos embaraços consectários da falta de acesso aos vetores básicos populacionais (saúde, educação, etc.), o ministro Fachin reconheceu, ainda,

[...] a relação da gratuidade da justiça e o acesso à justiça com a isonomia. Explicou que a desigualdade social gerada pelas dificuldades de acesso isonômico à educação, ao mercado de trabalho, à saúde, dentre outros direitos que têm cunho econômico, social e cultural impõe seja reforçado o âmbito de proteção do direito, que garante outros direitos e garante também a isonomia. A restrição das situações em que o trabalhador terá acesso aos benefícios da gratuidade da justiça pode conter, em si, a aniquilação do único caminho que esses cidadãos dispõem para ver garantidos os seus direitos sociais trabalhistas. (STF, 2018).

Após o voto do ministro Fachin, o ministro Luiz Fux pediu vista em caráter antecipado dos autos da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, sendo o julgamento suspenso em razão do deferimento do pedido, sem qualquer decisão posterior a ser analisada até a presente data.

Destarte, é forçoso concluir que há insegurança jurídica em decorrência da Suprema Corte Nacional, sobretudo quanto ao fato de o ministro relator do caso simplesmente rasgar o texto constitucional com a relativização da terminologia objetiva de isenção totalitária das despesas processuais. Isso compromete o deferimento da Justiça gratuita às partes que dela necessitarem e se fizerem merecedoras mediante comprovação efetiva da imprescindibilidade, pois não conseguirão arcar sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.

Nessa seara, destaca-se que a declaração dos constituintes é clara e não deixa dúvidas quanto à premência de suspensão da exigibilidade de custas oriundas do direito fundamental de buscar a jurisdição frente às violações em detrimento de direitos também de cunho constitucional (trabalhistas), regulamentados pela Consolidação das Leis do trabalho (CLT).

À vista disso, sujeitar um princípio tão basilar à insegurança e relativização é consequência inequívoca do pós-positivismo cumulado com o ativismo judicial inoportuno (não sempre, mas no caso, sim). Afinal, acima do Supremo Tribunal Federal, a quem o pobre trabalhador poderá recorrer na defesa de seus direitos fundamentais conexos ao acesso à Justiça?

Esse é o ápice de afronta à CF/88. Nesse epílogo da ação, mesmo que ainda indeterminada pela falta dos outros votos, já se vislumbra que os mesmos argumentos inconstitucionais – que embasaram o projeto de lei – foram e serão utilizados em votos favoráveis à reforma, mesmo que de maneira parcial, já resultando na criação de uma barreira gigantesca entre o lesado em seus direitos e a quem lhe incumbe o dever de indenizar.

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