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Da possibilidade de fluência de prazo prescricional entre ex-cônjuges/ex-

4.2 REQUISITOS DA USUCAPIÃO FAMILIAR SEGUNDO O ENTENDIMENTO

4.2.1.1 Da possibilidade de fluência de prazo prescricional entre ex-cônjuges/ex-

Pondera-se, nesse ponto, sobre a possibilidade de fluência do prazo prescricional entre os ex-cônjuges/ex-companheiros, porquanto o artigo art. 1.244 do Código Civil

(BRASIL, 2002) estabelece que: “estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se

aplicam à usucapião.” (grifo nosso).

Nessa linha de raciocínio, poder-se-ia chegar a conclusão de que não se cogitaria a existência da usucapião entre os cônjuges, haja vista que como se aplicam as causas de suspensão e interrupção da prescrição também à usucapião, não fluiria o prazo para a prescrição aquisitiva.

O artigo 197, inciso I, do Código Civil dispõe que: “Não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;” (BRASIL, 2002). Assim, haveria de se antever de que como na usucapião familiar os cônjuges não estão separados ou divorciados, não poderia correr o prazo prescricional para a usucapião.

É conveniente enfatizar que, apesar de o artigo 197, inciso I, do Código Civil, estabelecer que não corre a prescrição entre os cônjuges durante a sociedade conjugal. “[...] há de se estender o aludido efeito jurídico às uniões estáveis.” (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 253).

Nesse enfoque, indaga-se: quando inicia a fluência do prazo para a aquisição do imóvel residencial pela usucapião familiar?

O enunciado 501 da V Jornada de Direito Civil expõe que “as expressões ‘ex- cônjuge’ e ‘ex-companheiro’, contidas no art. 1.240-A, do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.”

É possível concluir, pelo enunciado, que esta contagem inicia com a separação de fato entre o casal.

Para Dias (2013), todos os efeitos da dissolução do relacionamento passam a fluir desde a ruptura da união. Podendo a separação de fato ocorrer, até mesmo, quando os cônjuges ainda estão vivendo sob o mesmo teto, pois, cessando a convivência, o casamento já não gera nenhum efeito pessoal ou patrimonial.

Nesse viés, malgrado o vínculo conjugal só se extinga com a morte ou com o divórcio, é cediço que o término autoriza a constituição de novos relacionamentos pelos ex- cônjuges/ex-companheiros. (Art. 1.723, § 2º, do Código Civil de 2002).

Ainda, anota Gonçalves (2012, p. 274) que “[...] a mera separação de fato, por erodir a arquitetura conjugal, acarreta fim de deveres do casamento e, assim, do regime patrimonial, não se comunicando os bens havidos depois daquele desate matrimonial [...]”.

Confirma Lôbo (2011, p. 167) que “[...] a separação de fato gera dois efeitos jurídicos no direito brasileiro: cessação dos deveres conjugais e interrupção do regime matrimonial de bens.”

No mesmo desiderato, pacificou a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO DE FATO. DEVERES CONJUGAIS. COMUNHÃO DE BENS. EFEITOS.SÚMULA 83/STJ. 1. Constatada separação de fato, cessam os deveres conjugais e os

efeitos da comunhão de bens. (BRASIL, 2012b, grifo nosso).

Na mesma senda, extrai-se do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Apenas para reforçar essa linha de raciocínio, aponto que a separação de fato,

conforme atualizado entendimento jurisprudencial, acarreta, como bem salientou a sentença, importantes e inegáveis efeitos patrimoniais, tais como da cessação do regime de bens. Por exemplo, os bens e dívidas adquiridos e

contraídos por um dos cônjuges após a separação fática não se comunicam com o outro, assim como um pode pleitear em face do outro o ressarcimento pelo uso exclusivo do bem comum após a segregação. (SANTA CATARINA, 2014c, grifo nosso).

Ainda:

É entendimento pacífico na jurisprudência que a separação de fato do casal cessa os efeitos inerentes ao regime de bens. O valor do financiamento de imóvel

pago após a separação de fato, a expensas de um só cônjuge, não se comunica ao outro, ainda que o regime de bens escolhido para o casamento seja o da comunhão universal. (SANTA CATARINA, 2007, grifo nosso).

Assevera a jurisprudência, pois, que é a separação de fato que marca o fim da sociedade conjugal e põe fim aos efeitos decorrentes do casamento/união estável, fazendo com que não se comuniquem os bens adquiridos posteriormente pelos ex-cônjuges/ex- companheiros e também as dívidas contraídas após a separação fática.

No que tange à usucapião familiar, Farias e Rosenvald (2014, p. 283) afirmam que “[...] a ausência de afetividade decorrente do abandono do lar (cessando a convivência entre o casal) justifica a posição do sistema jurídico, permitindo que um dos consortes (ou companheiro) venha a adquirir o imóvel que pertencia ao casal.”

Finaliza-se tal entendimento com decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no ponto em que se discute o início da fluência do prazo prescricional entre ex-conjuges/ex-companheiros:

E, como se sabe, a sociedade conjugal termina, por definição legal, com a morte de um dos cônjuges, com a anulação do casamento, com a separação judicial ou com o divórcio (art. 1.571, incs. I a IV, do CC), de modo que a aplicação literal e sistemática dos dispositivos poderia ensejar a (a meu ver equivocada) conclusão de que enquanto não sobrevier a separação judicial ou divórcio — hoje unificados pela EC n. 66/2009 —, não corre, entre os cônjuges, em nenhuma hipótese, os prazos de prescrição e usucapião. Todavia, vigora com preponderância a corrente

interpretativa, encampada pela jurisprudência e pela doutrina a qual confere maior importância prática à separação de fato, fazendo com que o art. 197, inc. I, do CC seja lido sob outra ótica, admitindo que, conforme forem as circunstâncias da ruptura fática do matrimônio, possam os efeitos jurídicos e patrimoniais do divórcio incidirem desde o momento da separação de fato do casal.

Essa inovadora disposição, aliás, foi inserida no bojo do capítulo do Código Civil que regula a usucapião (art. 1.240-A), de forma que, não se há negar, operou-se verdadeira positivação da teoria acima lançada, ou seja, de que o abandono do lar por um dos cônjuges e a consequente separação de fato do casal faz iniciar, ao consorte remanescente, a pretensão de usucapi-lo, não sendo indispensável, para que se tenha início o prazo, a dissolução formal do vínculo matrimonial por intermédio do divórcio, como se poderia erroneamente concluir através da interpretação literal do art. 197, inc. I, do CC. (SANTA

CATARINA, 2014c). (grifo nosso).

Portanto, como já vem ponderando a doutrina e a jurisprudência, é a separação de fato que marca o término das relações entre cônjuges/companheiros, e nesse prisma, é esse também o marco que inicia a contagem do lapso temporal para a usucapião familiar, permitindo a fluência do prazo prescricional, ainda quando não haja a ruptura definitiva, quer seja pelo divórcio, morte, ou pela dissolução da união estável.