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2. Noção e elementos diferenciadores

2.2. Da prova

Em matéria de tributação, a obrigação tributária é desencadeada pelo facto tributário, independentemente da vontade das partes (arts.º 103.º, n.º 2, da CRP e 36.º, n.ºs 1 e 2, da LGT), ou seja, pela ocorrência de um episódio sociológico ou empírico que adquire relevância jurídico-tributária enquanto previsto numa norma jurídica de incidência tributária. A forma de materialização e expressão dessa fattispecie poderá ser diversa em função do tributo em questão.

Concernindo ao imposto, o facto tributário materializar-se-á por via da capacidade contributiva, seja ela na perceção de rendimento, de despesa realizada ou na titularidade de património, art.º 4.º, n.º 1, da LGT. Em função da ocorrência tributária em causa, o ordenamento jurídico recetor atribuí uma configuração normativa que permite recortar os

elementos de incidência referentes ao objeto e ao sujeito abrangido pelo imposto, ao momento e ao lugar da sua verificação e à liquidação final.

Pare efeitos do CIVA, o art.º 7, n.º 1, define o momento do nascimento da obrigação tributária coincidindo-o com o momento da sua exigibilidade, isto é, no momento da transação ou da prestação de ser serviços, sem prejuízo das exceções consagradas nos números seguintes do mesmo preceito e das regras específicas do art.º 8.º do CIVA para os casos em que é obrigatória a emissão de documento fundamental.

A liquidação do IVA é operada tendo por base a declaração periódica emitida pelo sujeito passivo, art.º 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA, no prazo estabelecido no art.º 41, n.º 1, do mesmo diploma legal146, presumindo-se verdadeira e de boa-fé, art.º 75.º, n.º 1, da LGT. Isto sem obstar, contudo, eventuais liquidações adicionais ou oficiosas pela Direção-Geral dos Impostos seja porque considere que o valor de imposto deva ser superior, seja porque a declaração periódica não fora apresentada pelo sujeito passivo, nos termos do arts.º 87.º e 88.º, ambos do CIVA, respetivamente, além das demais liquidações oficiosas que poderão ter lugar por incumprimento da obrigação principal de pagamento ou declarativa quando não seja devido imposto, art.º 67.º, n.º 1, al. b) do CIVA, ou ainda aquando da liquidação efetuada por meio de presunções ou métodos indiretos, previstos no art.º 87 e ss. da LGT, ex vi arts.º 89.º e 90.º, respetivamente.

Aquando da liquidação poderá a Administração tributária declarar a existência da simulação, bastando para tanto a invocação de indícios sérios, credíveis e objetivos, devidamente fundamentados, da inexistência da operação, por força da conjunção dos arts.º 74.º, n.º 1, e 77.º, ambos da LGT147. Neste seguimento, e concordando com a posição assumida pelo STA sobre esta temática, à Administração tributária não é exigida a prova de inexistência da operação ou o preenchimento dos pressupostos da simulação, devendo apenas lançar a dúvida fundada relativamente à veracidade das declarações apresentadas pelo contribuinte de direito e a prova dos pressupostos legais que legitimam a liquidação adicional/oficiosa.

146 Estamos perante um ato realizado por privados, mas com efeitos públicos, como designa JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, na sequência do enraizado fenómeno de desadministrativização ou de privatização da relação jurídica tributária. Essa privatização implica uma maior colaboração por parte dos contribuintes na tarefa de arrecadação de receitas públicas, atribuindo à relação jurídica tributária um carácter menos autoritário e mais conciliador, levando ao que se designa por Direito tributário flexível. Contudo, por outro lado, pode também significar uma maior desresponsabilização das entidades administrativas, que transferem para o contribuinte um conjunto alargado de tarefas declarativas, contabilísticas, investigatórias e de cobrança, conduzindo a uma oneração desmesurada e porventura inconstitucional na sua esfera jurídica, por via da violação do princípio da proporcionalidade. A este respeito, vide JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições, op. cit., pp. 47-49; e o estudo desenvolvido por HUGO FLORES DA SILVA, A privatização, op. cit..

147 Através dos indícios será possível inferir a existência ou inexistência de um facto. A prova de verificação de um facto não ocorre por via direta, mas indireta, por interposição de um outro previamente conhecido, como se de um exercício silogístico se tratasse. Cf. ALBERTO PINHEIRO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, Almedina, 1972, p. 154; J. L. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, Lisboa, Lex, 2000, pp. 310-314; ac. do TCA Sul de 07.05.2013, no Proc. n.º 6418/13; e ac. do TCA Norte de 26.02.2015, no Proc. n.º 247/06.6BEVIS.

Sobre o sujeito passivo recai o ónus de demonstrar que não existe a fundada dúvida e, correlativamente, provar os factos constitutivos do direito que se arroga: o direito à dedução, de acordo com o art.º 74.º, n.º 1, da LGT – prova de facto negativo ou prova diabólica148.

A presente solução justifica-se pela dificuldade acrescida que estas operações acarretam em termos probatórios para a Administração tributária, impossibilitada de aceder aos elementos que as suportam pelos próprios simuladores, que tendem a ocultar todos os vestígios.

Nesta sequência, a jurisprudência fiscal portuguesa tem alertado para o facto de o sujeito passivo não poder invocar em matéria de prova a anulação do ato tributário por fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário decorrente da prova produzida, nos termos do art.º 100.º do CPPT. Em sentido oposto, considerou o TCA Sul que, do mesmo modo aplicável à Administração tributária, “a prova da efectiva aderência [com] a realidade” pelo sujeito passivo é lograda através da apresentação de meios de prova, ainda que por meio de depoimentos de testemunhas, que coloquem “em dúvida séria, fundada, a inexistência dos fornecimentos constantes nas concretas facturas, [d]esconsideradas pela Administração tributária”149. Com o devido respeito, parece-nos que este último entendimento não é de sufragar, conquanto, nas hipóteses de simulação, a Administração tributária, contrariamente ao que normalmente ocorre na relação jurídico-tributária no seu todo, se encontra numa posição mais fragilizada em termos de obtenção de prova.

Assim sendo, caberá ao sujeito passivo demonstrar a existência e veracidade do facto tributário nos termos gerais enunciados e, correlativamente, a inexistência das dúvidas da Administração tributária, não se podendo eximir desse ónus por insuficiência de prova, induzida dolosamente pelo próprio150.

Pese embora a prova a cargo da Administração tributária possa ser efetuada por meios indiretos, o mesmo não se aplica às eventuais correções efetuadas para efeitos de aplicação do art.º 19.º, n.º 3, do CIVA, ou seja, o STA tem considerado não ser possível efetuar correções à matéria tributável por via de métodos indiretos baseados em presunções do art.º 87.º e ss. da

148 Vide ac. do STA de 07.05.2003, no Proc. n.º 01026/02. Segundo este mesmo acórdão, só recairá sobre a Administração tributária a obrigatoriedade de demonstração da veracidade do facto tributário quando o mesmo seja invocado pela própria e não pelo contribuinte para efeitos de legitimação da sua atuação, por mor do princípio da legalidade. Também seguindo este entendimento, ac. do STA de 04.05.2005, no Proc. n.º 943/04; ac. do TCA Sul de 07.05.2016, no Proc. n.º 6418/13; e ac. do TCA Norte, de 26.02.2015, no Proc. n.º 247/06.6BEVIS.

149 Cf. ac. proferido a 18.12.2008, no Proc. n.º 02635/08.

LGT, devendo a matéria tributável ser avaliada segundo os critérios definidos pelo diploma legal respetivo151.