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Da redemocratização do país ao entendimento sobre atuação social

2 ORIGEM E ATUAÇÃO SOCIAL DO SESC

2.5 Da redemocratização do país ao entendimento sobre atuação social

No âmbito interno, o cenário político fazia antever que o país adentrara num período de redemocratização. Isso porque, em 1945, pouco tempo antes da publicação do Decreto de criação do SESC, ocorrera a deposição de Vargas pelas Forças Armadas. A este episódio seguiu-se o momento em que o país teve um governo provisório e, ato posterior, ocorreria a eleição do novo Presidente da República: Washington Luís.

Alguns meses após a divulgação da Carta da Paz Social, o Decreto Lei nº 9.853, de 13 de setembro de 1946, atribui à Confederação Nacional do Comércio o encargo de criar e organizar o Serviço Social do Comércio. Anteriormente à publicação do Decreto Lei, entidades sindicais do comércio e associações comerciais de todo o Brasil já discutiam a necessidade de criação e organização de um “órgão” que se voltasse para a assistência social, em benefício dos empregados do comércio e de suas respectivas famílias, a exemplo do que se fazia em outros países capitalistas.

A partir dessa perspectiva, a Confederação Nacional do Comércio, órgão máximo sindical de sua categoria, representativo da classe dos comerciantes, dispõe-se a “colaborar” no sentido da criação desse “órgão assistencialista” voltado para o comerciário, dispondo-se ainda a empreender tal iniciativa com recursos proporcionados pelos empregadores. O caráter legal da Instituição estava assim personificado:

[...] entidade com personalidade jurídica de direito privado, de natureza assistencial e não previdenciária, sob o regime de unidade normativa e descentralização executiva, cuja finalidade imediata, definida neste diploma legal, é planejar, executar, direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias e, bem assim para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade. (Decreto Lei, nº 9.853/46)

Importa lembrar que a mesma medida havia sido adotada, anteriormente, em relação à Indústria, cujo encargo foi atribuído à Confederação Nacional da Indústria, através

do Decreto Lei nº 9.403, de 25 de junho de 1946, responsável pela criação do Serviço Social da Indústria. Importante ressaltar, também, que o texto que expõe os motivos de criação do SESC, considera como justificativa para a existência da Instituição, dentre outras, o fato de que a Instituição muito poderia contribuir para o fortalecimento da solidariedade entre as classes, para o bem-estar da coletividade comerciária e, bem assim, para a defesa dos valores espirituais em que se fundam as tradições de nossa civilização.

Dias depois de criado o SESC, ainda no mês de setembro, a Assembléia Constituinte aprovaria uma nova Constituição para o país, onde o cuidado com as questões sociais seria delegado a organizações de caráter social, que deveriam arcar com o ônus de elevar as condições de vida dos trabalhadores brasileiros. Percebe-se, com isso, que a despeito das questões de caráter social integrarem as pautas de discussão dos congressos realizados nos anos anteriores à promulgação da Constituição de 1946, em diversas partes do país (como foi o caso do I Congresso de Economia, realizado em 1942, e da I

Conferência das Classes Produtoras – I CONCLAP, que aconteceu em Teresópolis, no Rio

de Janeiro em 1945), o desenvolvimento político e econômico do país deveria ser buscado através da unificação de esforços, onde ao trabalhador caberia a responsabilidade de elevar os níveis de produção, tanto em relação à indústria como ao comércio.

Neste momento, ainda que os textos dos documentos de criação de instituições como o SESI e o SESC apregoassem que a natureza dos serviços a serem desenvolvidos fosse social, nenhuma das duas dispunha dos conhecimentos teórico-práticos necessários para alavancar ações significativas no campo social. E isso porque também não havia no país tradição em relação a este tipo de atuação. Falar de atuação social era algo quase totalmente desconhecido para os brasileiros.

Embora as primeiras Escolas de Serviço Social tivessem sido implementadas no Brasil a partir de meados da década de 1930 – no Estado de São Paulo, em 1936 e no Rio de Janeiro em 193767 – o Serviço Social só seria institucionalizado no Brasil a partir das demandas que os recém-criados Órgãos de Assistência Social fizeram surgir. Portanto, uma década antes da criação do SESC e do SESI as experiências de trabalho nesta área de atuação profissional eram ainda muito restritas.

Bisaggio (1993, p. 31) aponta que muitas profissionais “Assistentes Sociais” brasileiras, foram para os EUA no início da década de 1940, como bolsistas, mediante convênio de intercâmbio cultural, lá participando de cursos e estágios em universidades e instituições norte-americanas. Ao retornarem ao país, em 1942, aqui teriam iniciado

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Essas duas primeiras escolas fundadas sofriam direta influência franco-belga, que organizavam os cursos numa linha de formação voltada para o trabalho junto à família, para a prevenção de saúde e o trabalho no meio operário. A essa influência franco-belga, soma-se a norte-americana que logo se fez sentir com o retorno, em 1942, das primeiras assistentes sociais que foram para os Estados Unidos como bolsistas, mediante convênio de intercâmbio cultural e onde fizeram cursos e estágios em universidades e instituições americanas. (BISAGGIO, 1983, p.30).

procedimentos de trabalho mais consistentes na área social. É também esta autora que acrescenta a informação a respeito de uma suposta ampliação na própria estruturação dos cursos que profissionalizavam os Assistentes Sociais Brasileiros: o Serviço Social de Grupos começa a fazer parte dos conteúdos curriculares em 1945, em São Paulo, e em 1946, no Rio de Janeiro (ibid., p. 31).

Por esse motivo, as primeiras ações do SESC contaram com a cooperação das Escolas de Serviço Social, que naquele momento auxiliavam os órgãos públicos e privados com a implantação de metodologias de trabalho. Segundo Bisaggio (Apud LIMA, 1983, p. 30-31), as Escolas de Serviço Social estavam sempre prontas para cooperar com as instituições, a participar de encontros, congressos nacionais e internacionais, a criar obras sociais e outras atividades, norteando suas ações pelo ideal de servir.

A despeito deste cenário, o peso maior atribuído às instituições de caráter social, criadas no contexto da redemocratização brasileira pós Estado Novo, estava na determinação de atuações que viessem a atenuar as reivindicações dos trabalhadores. No caso do SESC, essas ações se exprimiam não só sobre o comerciário, mas também sobre sua família e outros grupos sociais, onde o comerciário se inserisse. Este era o caso do próprio grupo profissional, da vizinhança e, porque não, da comunidade. Pensava-se, com isso, reduzir as reivindicações da classe comerciária, solucionando seus problemas familiares, como se a origem de seus conflitos estivesse localizada no seio das famílias. Sendo assim, bastava que se educasse ou reeducasse tais grupos, para que fosse garantida uma convivência harmoniosa.

Além das implicações de natureza conflitiva – que nos primeiros anos de existência do SESC acabaram margeando o fazer institucional – não se pode perder de vista que o Decreto Lei, que atribuiu à Confederação Nacional do Comércio o encargo de criar e organizar o SESC, corroborava as diretrizes do Estado frente à política de Previdência Social que vigorava desde as Caixas de Aposentadoria e Pensões e dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs):

Art. 3 - Os estabelecimentos comerciais enquadrados nas entidades sindicais subordinadas à Confederação Nacional do Comércio (art. 577 da CLT, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1 de maio de 1943), e os demais empregadores que possuam empregados segurados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, serão obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal ao Serviço Social do Comércio, para o custeio de seus encargos. (Decreto Lei, nº 9.853, de 13 de setembro 1946)

[...]§ 2 - A arrecadação da contribuição prevista no parágrafo anterior será feita pelas instituições de previdência social a que estiverem vinculados os empregados, juntamente com as contribuições que lhes forem devidas. (Decreto Lei, nº 9.853/46)

Depreende-se com isso que embora o Decreto de criação do SESC abrisse um vasto campo de atuação para a Instituição, expressões como “bem-estar social” e “melhoria

do padrão de vida”, além de “serviço social”, deixavam a desejar, pois o país não possuía qualquer experiência no campo do desenvolvimento social. Como não existia um “modelo” brasileiro para organizações que se dedicassem a um sistema diversificado de serviços e bem-estar social, tanto no campo da iniciativa privada como no campo da iniciativa estatal, coube às próprias instituições o delineamento dos caminhos a serem seguidos.

Efetivamente, embora o SESC estivesse imbuído do propósito de promover o bem-estar social do comerciário e de suas famílias, sua estrutura administrativa seria normatizada vinte anos depois da criação, com a publicação do Decreto nº 61.836, em 05 de dezembro de 67, que aprovou o Regulamento do SESC:

Parágrafo Único – A Instituição desempenhará suas atribuições em cooperação com os órgãos afins existentes no Ministério do Trabalho e Previdência Social, e quaisquer outras entidades públicas ou privadas de serviço social. (Decreto nº 61.836/67)