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Da relação com a educadora e entre os/as educandos/as

4 RAZÕES DA PERMANÊNCIA

4.1 O dia a dia da sala de aula

4.1.1 Da relação com a educadora e entre os/as educandos/as

Durante o período em que permanecemos na sala de aula, pudemos notar, assim como salientam os trabalhos de Parenti (2000), Chamorro (2002), Correia, Souza e Bicalho (2003), Souza (2005), Mileto (2009), Cunha (2009), Correia (2011), a presença de vínculos de cooperação e solidariedade entre os/as educandos/as e entre a educadora e os/as educandos/as. Consideramos que essas são marcas de uma relação entre os sujeitos que permite a acolhida na diversidade.

Num primeiro episódio que recortamos para exemplificar esta solidariedade por parte da turma, ocorrido na primeira aula observada por esta pesquisadora, um aluno chegou mais tarde e a professora iria corrigir a atividade passada mais cedo, porém antes ela perguntou aos educandos/as se poderia fazê-lo. Outro aluno afirmou que não, pois o colega havia acabado de chegar. Notamos uma compreensão compartilhada acerca das razões por trás dos atrasos.

Destacamos ainda três outras situações:

No dia 15 de março de 2010, a filha de um educando, uma criança de três anos, chegou à sala de aula mais ao final do horário de término da aula. Isso porque sua avó, que cuida dela e também é aluna da turma, não havia ido à escola. A

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Outros educadores do Projeto EJA/BH também não aderiram à greve por considerarem que esse ato poderia prejudicar/desmotivar os educandos.

criança, assim como sua avó, foi recebida com as boas vindas da educadora e dos outros educandos/as e permaneceu, junto ao pai, na sala. Este acontecimento demonstra a compreensão da turma e da educadora.

Um outro episódio, no dia 25 de março, ocorreu durante a visita a um espaço turístico da cidade de BH – a Feira do Mineirinho – onde os educandos/as puderam se relacionar com alunos/as e educadores de outras escolas. Muitos alunos/as declararam que não conheciam o local, estavam muito animados e andaram à vontade por ele. Nesse dia uma aluna estava triste e chorosa. Tinha voltado à escola na semana anterior e descoberto que estava grávida. Possuía 36 anos de idade e tinha um filho de 18 anos. Na ocasião, a professora comprou um sapatinho de bebê e presenteou a educanda. Na semana seguinte, demonstrando preocupação com a situação da aluna, Rosimeire levou algumas roupas para a aluna usar durante a gestação. Neste sentido, evidenciamos uma relação de solidariedade da educadora com a educanda.

Num terceiro episódio, as educadoras da escola, Gildete e Rosimeire, prepararam uma celebração para comemorar a Páscoa. No dia seguinte à comemoração, 04 de abril, alguns estudantes declararam a esta pesquisadora que não gostaram. Em uma conversa informal, a aluna Ondina afirmou que “a aula anda muito devagar” e que “ontem não teve aula”. Quando perguntei o motivo dessas afirmações, ela explicou que no dia anterior havia ocorrido essa celebração da Páscoa, citando, inclusive, um jogo de bingo que aconteceu. Entretanto, nesse mesmo dia, no início da aula, outro aluno, o Sr. Frederico, trouxe um jogo de bingo de presente para a professora, pois no dia anterior, para finalizar a celebração, eles haviam improvisado cartelas e feito o jogo com palavras. Revela-se, desse modo, que a atividade pode ter ganhado um caráter significativo para ele. Destacamos, assim, essa relação de solidariedade, por parte do aluno, à educadora.

No primeiro mês de observação (março), apenas um grupo de 13 educandos frequentava as aulas. Entretanto, do mês de abril em diante alguns alunos/as, até então desconhecidos/as por esta pesquisadora, “começaram a comparecer”. No dia 13 de abril, a chegada da aluna Mariana chamou nossa atenção. Desde o mês anterior estávamos acompanhando a turma e não a conhecíamos, não havia registro de presença da educanda nesse período. Ela chegou à sala de aula e foi recepcionada com muita alegria pela professora Rosimeire. A aluna declarou que não esperava que a educadora a aceitasse de volta na escola. Mariana relatou que

não estava frequentando a aula porque estava trabalhando até mais tarde. Chegava em casa e tinha de preparar o jantar, de modo que ficava muito tarde para ir à escola. A situação vivenciada por Mariana ilustra a constatação de Alves (2006), que afirma que, ao ingressarem num curso de EJA, as mulheres se deparam com o desafio de frequentarem as aulas regularmente, pois têm de conciliar o tempo entre o “trabalho fora de casa, as tarefas domésticas e os cuidados com seu grupo familiar” (ALVES, 2006, p. 125).

Por outro lado, D. Idalina, sempre frequente desde o início das observações, não estava indo às aulas nessa mesma semana, pois havia adoecido.

A partir deste episódio, e de outros momentos acompanhados, notamos que há um movimento por parte da turma e da educadora de reconhecimento das dificuldades em relação à frequência desses estudantes, que vão ao encontro do que está registrado no PPP da escola, na Proposta Político-Pedagógica do Projeto EJA/BH e nos documentos analisados no capítulo anterior. Muitos educandos/as dessa turma se ausentam, sim, durante o ano letivo, devido a situações relacionadas ao trabalho, à família, à vida cotidiana, conforme salienta Da Cruz (2011). Entretanto, voltam e são acolhidos, incentivados a permanecer pela educadora, como no caso de Mariana, Rosane (a educanda que estava grávida) e D. Idalina, que também retornou na semana seguinte.

Os estudantes da turma da professora Rosimeire são oriundos de classes populares, em sua grande maioria negros, a maior parte com filhos de idades variadas e têm de trabalhar para garantir o sustento da família. Neste sentido, essa educadora parece se pautar numa prática educativa que exige dela ser “companheira dos educandos, em suas relações com estes” (FREIRE, 2005, p. 71).

Diante do exposto, podemos dizer que verificamos um cuidado em relação às especificidades da educação de pessoas jovens, adultas e idosas, como assinalado na pesquisa de Soares e Vieira (2009). Para explicar essa especificidade, os autores se baseiam no estudo de Giovanetti (2005):

Giovanetti assinala que o campo da EJA atende jovens e adultos que, não tendo tido o acesso e/ou permanência na escola, em idade que lhes era de direito, retornam hoje, buscando o resgate desse direito. Nessa perspectiva, lida com sujeitos portadores de trajetórias escolares truncadas e que se encontram enredados em teias mais amplas de vulnerabilidade social. Esses sujeitos, ao mesmo tempo em que vivenciam processos de exclusão social, materializados em processos de segregação cultural, espacial, étnica e econômica,

experimentam, cotidianamente, o abalo de seu sentimento de pertença social e o bloqueio de perspectivas de futuro social. As propostas de educação de jovens e adultos sob influência do ideário da educação popular, ao enfocarem esse conflito, assumem uma atitude no sentido de superar esse quadro de desigualdade social, que se faz presente nos processos escolares e não escolares (SOARES; VIEIRA, 2009, p. 158).

Dessa forma, segundo Soares e Vieira (2009), as práticas de EJA são caracterizadas por duas marcas identitárias: a primeira se refere à origem social dos educandos e a segunda diz respeito à concepção que estes têm acerca da educação, que traz consigo o legado da educação popular.

Reafirmamos, portanto, o aspecto relacional, que caracterizamos como possível fator interno ao ato educativo, de cunho subjetivo. As palavras de Freire (2005) refletem a relação dialógica à qual nos referimos:

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos da autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 2005, p. 79).

Encontramos, assim, nuances deste aspecto relacional nas pesquisas levantadas na revisão de literatura,45 como as de: Maranhão (1998), que cita a reconstituição da identidade de sujeitos no processo de alfabetização; Parenti (2000), que trata dos laços de solidariedade entre os sujeitos envolvidos na prática educativa; Chamorro (2002), que aborda a relação de amizade entre os colegas; Correia, Souza e Bicalho (2003), acerca das relações que se estabelecem entre os sujeitos educandos e educador; Campos (2003), que versa sobre a formação significativa para o educando; Souza (2005), que considera as relações de afetividade; Mileto (2009), que analisa as redes de sociabilidade e os vínculos de solidariedade e cooperação estabelecidos; Cunha (2009), que avalia a relação com o outro e com o conhecimento na escola; e Bastos (2011), que faz referência à socialização na escola.

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