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A reflexão do que se passa com as formadoras vai indicando o que percebem, o que sentem, e nesse sentido, cada uma vai se colocando. Sá (2008) diz que as vivências promovidas em processos de formação atingem o status de experiências quando se faz um certo trabalho reflexivo sobre o que passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido.

Nesse contexto, fica clara a noção de experiência em Larrosa Bondia (2002) como o que nos passa, mas também como nos colocamos em jogo, no que se passa conosco. Embora tenha havido a concordância de todas as professoras envolvidas em fazer a proposta curricular de forma coletiva, através da Ação Educativa, a experiência adquire uma dinâmica própria que foge ao controle e às expectativas das professoras formadoras.

As dinâmicas da Ação Educativa, as diferenças de cargas horárias entre os membros da DEI, as diferentes formas de inserção das professoras formadoras na Ação Educativa e a minha presença no grupo, acentuaram os conflitos internos. Nestes vêm à tona as questões que envolveram como cada uma se colocou no percurso da Ação Educativa e também as relacionais no grupo.

Das seis professoras formadoras apenas três participaram do trabalho. A noção de participação é aqui entendida como vivência participativa, ou seja, co-responsabilidade pela elaboração da proposta curricular e produção de um conhecimento que se partilha com sentimento de pertencimento. Participação “na integralidade de nossa vida emocional, sensorial imaginativa, racional” (BARBIER, 2004, p. 71).

As três professoras que não participaram na Ação Educativa (Maria, Tainá e Aila) se colocaram em jogo na experiência e agiram a partir de seus posicionamentos.

No relato abaixo nota-se a escolha da professora Maria de não participar da Ação Educativa. Justifica a sua não participação pelo fato de trabalhar apenas 20 horas na DEI e já estar envolvida em outra ação de formação, embora mais adiante declare o seu medo de sentir-se incompetente “se não der conta das tarefas”.

Estou e não estou na Ação. Fisicamente estou. Emocionalmente não me sinto parte deste trabalho. Foi uma escolha. Meu tempo não me permite

assumir mais do que me é possível. Estou envolvida em outra ação. Quando

a gente escolhe se empenha. Se assumisse esta Ação (O Curso Currículo

Formação) precisava abrir mão de outras coisas. Tenho medo de me sentir

Ao dizer “foi uma escolha” [...] e “quando a gente escolhe se empenha”, a professora deixa claro não querer participar. O estar e não estar na Ação, que aparece no início do seu relato, se refere à sua condição de dar alguns apoios à Ação Educativa, inclusive integrando- se aos encontros com as professoras cursistas, mas sem estudar os textos do Curso.

No que segue aparece a preocupação da professora Elis com o fato da professora Maria não se envolver com o estudo, o que poderia gerar diferentes entendimentos nas discussões com as professoras cursistas.

Essa participação de Maria não por inteiro tem feito falta nos momentos de estudos, é como se a mesma apenas participasse da execução de uma forma muito solitária, ou seja, o grupo tem criado subgrupos neste momento de preparação, e isso faz com que o mesmo não se fortifique, não tendo um “perfil único de discussão”, podendo gerar muitos perfis: o entendimento

de Elis, o entendimento de Nilza, o entendimento de cada uma de nós (Elis).

Nota-se que a professora Elis retoma a defesa pelo estudo coletivo no Grupo da DEI, já mencionada no início deste capítulo, com a preocupação pela criação de “um perfil único de discussão”, de uma coerência no entendimento dos textos, o que é pertinente. Contudo, é importante lembrar a ausência de tempo para o estudo no horário de trabalho na DEI, o que não deixa dúvida da necessidade das professoras equacionarem alguma autonomia intelectual com a criação de tempos para reflexões conceituais e práticas na formação profissional em serviço.

Embora fazendo parte da equipe de formadoras e com 40 horas de trabalho na DEI, a professora Tainá não se sente participando, não se coloca como sujeito de decisão, não se sente integrante na construção da proposta curricular e “não gostaria de participar dessa construção do currículo nesse momento”.

Ao expressar “porque o grupo aceitou uma proposta grande sem conhecer o que ia acontecer” a professora não se sente integrante desse grupo ao se isentar da própria decisão, e revela como vai se posicionando na experiência.

O currículo foi tão esperado na DEI e no momento que ele está sendo construído não me sinto participando. Ficava incomodada com as minhas faltas aos encontros nas segundas feiras. Não gostaria de participar dessa

construção do currículo nesse momento. Esse momento está sendo corrido (se

refere ao último ano do governo municipal). Porque o grupo aceitou uma

proposta grande sem conhecer o que ia acontecer? Devíamos conhecer

previamente os textos e a dimensão do trabalho. Daí a gente via se dava para fazer (Tainá).

É evidente, no discurso desta professora, o receio, a insatisfação, a discordância no processo e a crise que se traduz na pouca colaboração. Momento marcante que produz ruptura, experiência dolorosa que provém da essência da própria experiência (GADAMER, 2007, p.465).

A professora Tainá ainda revela outros conflitos no percurso de formação. Elementos relacionais do seu contexto de vida e de trabalho se evidenciaram na experiência em curso e ratificam o seu processo de autoexclusão, como pode ser visto aqui.

Fico arrasada porque não sei mexer com o computador. Há momentos que sinto não fazer parte da DEI. Talvez precise dar uma parada, sair. Quando penso em ir para a secretaria fico angustiada. Não quero ficar junto com o grupo, tenho fugido [...] (Tainá).

Contrariamente ao primeiro relato, quando diz “não gostaria de participar dessa construção do currículo nesse momento”, afirma no segundo, a seguir, querer participar, mas não dessa forma porque “nossos estudos não eram por esse caminho”, “já dávamos pronto para os professores”, com “textos mais fáceis”.

Estou assustada, sentindo a responsabilidade do peso deste currículo. O que pretendo? Até que ponto colaboro?. Sinto que colaboro pouco. O nosso maternalismo é forte, é histórico, é cultural. Levamos as coisas mastigadas para os professores. Temos que fazer as coisas nessa dimensão. [...] O que fiz que não me permiti ‘vestir a camisa do currículo’, como nas outras formações.

Quero continuar participando disso. Nossos estudos não eram por esse caminho. Já dávamos pronto para os professores. Falta ao grupo estudar e mergulhar. Talvez outros textos mais fáceis que pudessem trabalhar com o professor” (Tainá).

Note-se, ainda, que ao mesmo tempo em que indica a necessidade do grupo de estudar e pelo fato de não se assumir grupo, também não assume a sua própria necessidade de estudar. Dominicé (1988b p. 80) mostra que as relações marcantes que ficam na memória, seja na família, na escola, nos grupos profissionais, são dominadas por uma polaridade de rejeição e de adesão e que a formação passa pelas contrariedades às quais foi preciso ultrapassar pelas aberturas oferecidas.

É evidente no discurso da professora Tainá essa polaridade entre rejeição e adesão à Ação Educativa, que se traduziu na sua não participação, como mencionado, e também no processo de autoexclusão, de fuga, mantendo-se “constrangida” na condição de professora

formadora. Desse modo, tanto a professora Maria quanto a professora Tainá se colocaram na Ação Educativa com essa polaridade entre rejeição e adesão.

A insatisfação com o trabalho é compartilhada no mesmo grupo de formação da professora Tainá, pela professora Aila, que declina da sua participação, apresentando algumas ambiguidades na sua justificativa. Traz no início do seu relato: não acreditar no trabalho (embora ao final se contradiga; “Estou na Ação porque acredito”); não sentir a concretude da coisa, o resultado do trabalho; não estar no controle e não reconhecer o trabalho como seu.

Não vou me sacrificar nem por aquilo que acredito. O ritmo do grupo não

me incomoda, como antes. Tento caminhar. Se estou rápida espero o outro, não recuo. Outra hora estou mais cansada e quero que o outro me espere. Quero dar um tempo para ver como as coisas caminham. Não sinto a

concretude da coisa. Não sei o resultado desse trabalho. [...]. Nós

começamos um trabalho que não era para ser agora. Não nessa estrutura, no contexto de final de gestão. Teria que ser com melhores condições financeiras. Preocupo-me muito quando não estou no controle [...].Meu trabalho não é mais importante que a minha vida familiar e pessoal. [...]. Não vou priorizar trabalho. Se a minha presença começa a incomodar, não tenho problema de deixar a Ação. Não vou me estragar por uma coisa que

não é minha. Estou na Ação porque acredito, mas não vou me sacrificar por

nada (Aila).

O trabalho como atividade humana também constitui uma das formas pelas quais o homem pensa e age e marca uma identidade que é social e profissional. Vemos no relato da professora Aila que a relação que ela estabelece com o trabalho é de centralidade, de controle, de poder e, portanto, essa relação marca a sua identidade.

A professora mostra, ainda, a sua dificuldade em ter uma experiência coletiva, discutida e assumida por todas, onde o poder se revelou mais distribuído. Expressa, claramente, que não está no controle e que a “coisa” não lhe pertence, indicando a dificuldade em manter relações mais simétricas. Some-se a isto o fato da Ação Educativa ter se realizado em um contexto organizacional marcado fortemente por uma centralidade administrativa e por relações verticalizadas e práticas nem sempre democráticas.

Waschauer (2001) lembra que para se criar um contexto participativo, democrático e tecido por redes de cooperação, é necessário ter uma perspectiva diferente com relação à estrutura e às relações de poder e implica, em termos organizacionais, que as responsabilidades sejam repartidas na construção da obra coletiva. “Trata-se de reverter, também no nível institucional, o sujeito da ação, atribuindo poder aos diferentes atores que,

em vez de executores de ações parceladas, pensam em termos estratégicos e globais, enquanto agem localmente” (WARSCHAUER, 2001, p. 176).

Assim, o que inicialmente foi justificado como insatisfação no grupo das professoras Tainá e Aila, tais como a dificuldade com os textos e a não aceitação da natureza da Ação Educativa, vai se desvelando no percurso da própria Ação, na não aceitação da natureza do trabalho pelas próprias professoras formadoras e consequentemente a não aceitação da pesquisadora no grupo.

Honoré (1980, p. 26), é chamado ao diálogo para lembrar que a interexperiência do entorno humano constitui a centralidade de toda e qualquer formação. Isso significa que reconhecer a relação com o outro e tê-la em conta na formação, é perguntar-se em que bases se sustentam essa relação, seja a relação de aluno-professor, formador-formado. Em autoridade de direito? Em autoridade fundada no saber? Segundo o autor, tudo começa com problemas de reconhecimento recíproco de poder, de influência e de autoridade. Isso me fez pensar em que bases se sustentaram a minha relação com a Ação Educativa e com o Grupo da DEI e também a relação do Grupo da DEI comigo e com as professoras cursistas.