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A responsabilidade civil do profissional médico obstetra e dos médicos em geral, ainda carece de uma regulamentação específica, encontrando-se principalmente amparada na legislação civil e no Código de Defesa do Consumidor. Assim, resta claro que seria necessária uma grande evolução nesse ponto, para melhor assegurar os direitos das pacientes.

Nesse contexto, em relação à responsabilidade médica, Maria Helena Diniz (2003, p. 271) afirma que:

A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, pôr não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar- lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina. Todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidentes.

Complementada por Delton Croce (2002, p. 3):

Se denomina responsabilidade médica situação jurídica que, de acordo com o Código Civil, gira tanto na orbita contratual como na extracontratual estabelecida entre o facultativo e o cliente, no qual o esculápio assume uma obrigação de meio e não de resultado, compromissando-se a tratar do enfermo com desvelo ardente, atenção e diligência adequadas, a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos da terapia ou da intervenção cirúrgica propostas e sobre a natureza de certos exames prescritos, pelo que se não conseguir curá-lo ou ele veio a falecer, isso não significa que deixou de cumprir o contrato.

As manifestações dos autores sobre o tema da responsabilidade médica em um âmbito geral, relacionando-a com um contrato, mas também com uma relação extra contrato, demonstra que o médico tem uma obrigação e essa obrigação tem uma carga de dever, de prestar cuidados, com a ajuda da medicina avançada que a cada dia progride nas mais variadas áreas. No entanto, essa evolução deveria ser mais humanizada e não tão somente uma forma de mecanismo.

Assim, os médicos se comprometem a tratar os pacientes com zelo e dedicação, utilizando-se dos melhores recursos, e claro, não se obrigando a curar o paciente. Agindo assim, tais profissionais possivelmente somente serão responsabilizados quando ficar provada atuação culposa, em qualquer de suas modalidades, seja a imprudência, negligência ou imperícia (GONÇALVES, 2017, p. 298-299).

Neste sentido, segundo o Código de Ética Médico (2009):

É vedado ao médico:

Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

Art. 2º. Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.

Art. 3º. Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.

Art. 4º. Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.

Como vimos anteriormente, a responsabilidade civil pode ser objetiva e subjetiva, sendo que o profissional médico se enquadra geralmente na segunda, a qual é chamada por alguns doutrinadores de obrigação de meio entre o médico e o paciente, já na forma objetiva se adota a chamada obrigação de resultado.

Para melhor esclarecimento, Gagliano e Pamplona Filho (2009, p. 206) elucidam a distinção entre obrigação de meio e de resultado. A primeira é descrita como:

A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender sua atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado.

[...] As obrigações do médico, em geral, assim como as do advogado, são fundamentalmente, de meio, uma vez que esses profissionais, a despeito de deverem atuar segundo as mais adequadas regras técnicas e cientificas disponíveis naquele momento, não podem garantir o resultado de sua atuação (a cura dos pacientes, êxito no processo).

Já na obrigação de resultado os autores deixam claro uma grande distinção, pois nesse momento é possível perceber que esse profissional se obriga a produzir o resultado, vejamos:

Já na obrigação de resultado, o devedor se obriga não apenas a empreender a sua atividade, mas principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor.

É o que ocorre na obrigação decorrente de um contrato de transporte, em que o devedor se obriga a levar o passageiro, com segurança, até o seu destino. Se não cumprir a obrigação, ressalvadas hipóteses de quebra do nexo causal por eventos fortuitos (um terremoto), será considerado inadimplente, devendo indenizar o outro contratante. (Ibidem, 206).

O que liga essas duas responsabilidades é a obrigação de empreender a sua atividade, ou seja, saber ministrar essa atividade, como profissional, com seus

deveres para obter o melhor resultado a saúde dos pacientes, independentemente das circunstancias que se apresentam.

Assim, o médico responderá somente quando seu agir se der de forma imprudente, negligente ou imperita.

O médico, quando atua como profissional liberal sem vínculo, presta serviço por ato próprio, sendo autônomo, sem subordinação, dessa forma a responsabilidade civil desse profissional será subjetiva, apurada mediante a culpa e não objetiva que independe de culpa.

No nosso Código do Consumidor está presente no artigo 14, § 4 º, que:

Art.14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Desta maneira, está previsto que a responsabilidade do profissional liberal, ou seja, a responsabilidade do médico como autônomo e fornecedor de serviços, é aplicada dentro das regras da responsabilidade civil subjetiva. Contudo, cumpre salientar que, mesmo o médico como profissional liberal, não deixará de responder por seus atos e os danos caudados às vítimas.

Nesse sentido, podemos afirmar que, a relação do médico como fornecedor de serviços gera uma relação de consumo com o paciente, pois esse ao fornecer os seus serviços particulares ao público, recebe uma prestação pecuniária pelo seu trabalho prestado.

O Código de Defesa do Consumidor diferencia o fornecedor do consumidor e resguarda os direitos básicos provenientes de uma relação consumerista.

Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou

privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.

Também, é de suma importância ressaltar que é responsabilidade do médico prestar informação ao paciente sobre a necessidade de tratamentos, possíveis riscos e efeitos da medicação prescrita, intervenções, bem como, consequências que poderão advir durante alguns procedimentos. Esse dever de informar é um dos principais pré-requisitos para o consentimento do paciente, sendo vedado ao profissional, conforme o Código de Ética Médico (2009):

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Assim, resta comprovado que é direito dos pacientes ter acesso à informação que lhe é devida acerca dos tratamentos necessários e seus possíveis riscos, salvo quando a comunicação possa provocar algum dano a estes, como descrito na regulamentação acima referida, o que poderá ser comunicado ao seu representante legal.

O artigo 5º da Constituição Federal, no seu inciso II expressa que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, ou seja, sem o consentimento do paciente o médico não poderá realizar intervenções de risco, tendo em vista que é uma garantia fundamental resguardada na carta magna.

No que diz respeito ao erro médico, podemos analisar algumas situações para uma melhor compreensão no presente estudo, o erro profissional, o erro de diagnóstico e a “iatrogenia”.

Para Gonçalves, não se tem considerado como culpável o erro profissional que advém da incerteza da arte médica, mas que ainda é objeto de controvérsias científicas. Também, nas palavras de Gonçalves:

[...] não acarreta a responsabilidade civil do médico a “iatrogenia”, expressão usada para indicar o dano que é causado pelo médico, ou seja, o prejuízo provocado por ato médico em pessoas sadias ou doentes, cujos transtornos são imprevisíveis e inesperados. Aproxima-se de uma simples imperfeição de conhecimentos científicos, escudada na chamada falibilidade médica, sendo por isso escusável”. (GONÇALVES, 2017, p.304).

Outrossim, o erro de diagnóstico, caracterizado como o erro na determinação da doença do paciente e de suas causas, só não vai gerar uma responsabilidade quando não provocar danos ao paciente, em face do estado atual da ciência médica. (GONÇALVES, 2017, p.305).

Demonstrado essas situações, resta claro a diferença de quando o profissional erra e de quando este se mostra imperito, negligente ou imprudente, causando danos irreparáveis aos pacientes, por falta de cuidados e não observância dos seus deveres e obrigações frente às vidas que estão sob seus cuidados.

Nesse caso, o profissional não se exime da responsabilidade civil, pois demonstrado os fatores que violam os direitos dos pacientes, este deverá arcar com as consequências, reparando os danos causados e cumprindo com as obrigações previstas na nossa legislação.

CONCLUSÃO

Por meio dessa pesquisa, nota-se que a violência obstétrica ainda está muito presente no cotidiano das instituições de saúde, envolvendo práticas violentas que abrangem as agressões físicas, verbais e psíquicas contra as mulheres gestantes. Isso acontece antes, durante e depois do trabalho de parto e são cometidas por profissionais da saúde e suas equipes, o que vem gerando danos irreparáveis às vítimas, o que também abrange o nascituro.

O estudo envolve um período de vulnerabilidade, pouca informação e pouco amparo na vida das mulheres gestantes, que vivenciam a brutalidade em seu próprio corpo, mente e alma. E as dificuldades que estas têm em uma suposta recuperação, e a falta de profissionalismo da parte dos médicos e suas equipes, que agem de maneira repugnante.

É importante que esse trabalho sirva de amparo e conhecimento dos direitos dessas mulheres, para que sejam expostas tais práticas, em uma tentativa de diminuição de casos que, por falta de informação, acabam se concretizando no nosso dia a dia.

Dessa forma, o estudo busca aprofundar sobre a responsabilidade civil voltada para a responsabilidade médica, o qual traz as práticas que por esses profissionais são cometidas, e assim, de qual forma poderá ser responsabilizado esse profissional.

A questão, todavia, carece atualmente de lei especifica para que seja assegurado com mais cuidado os direitos das vítimas.

E, nesse contexto, salienta-se a importância da mudança nas atitudes das equipes médicas, para aceitar as escolhas das pacientes, não as forçando as suas práticas abusivas, respeitando a liberdade e o desejo dessas mulheres nesse período mais vulneráveis de suas vidas, para que não haja risco as suas vidas.

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