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Da tecedura metodológica e das fontes: algumas questões pertinentes

Os percursos metodológicos são fundamentais à pesquisa: além de informarem como e o quê será pesquisado, detalhando as fontes, fornecendo pistas do que virá, também caracterizam de onde eu falo e o que me leva a falar. Dito isso, pontuo que a identidade desse estudo não se atém tão somente ao recorte temporal, à escolha das fontes ou ao tema propriamente dito, e sim, a todos os seus elementos estruturais: das linhas e entrelinhas, das falas e silêncios, das tramas e interpretações daquilo que foi, em algum fragmento temporal, vivido por sujeitos que não o pesquisador. Assim, no universo compreendido entre aquilo que alguém guardou com esmero (e que acabou perdendo-se por ação do acaso), e aquilo que foi algum dia pensado para ser esquecido (e que por obra do mesmo acaso apresenta-se ao pesquisador), habita a matéria que é seiva para a historiografia.

Mas, sobre os percursos metodológicos, dizer o quê? Bricolagem de dados e experiências, ir e vir entre o tempo presente do pesquisador e as páginas viradas de outrem, sobre as quais ele ora se debruça, a história se reconstrói de forma permanente, porque sempre vinculada à interpretação de quem a narra. É, portanto, uma arte que exige o aprendizado de uma determinada experiência pessoal e também porque, se é transmissível, o mesmo não pode ser dito quanto à capacidade de ser formulável, cabendo assim, a cada historiador em seu ofício, dela retirar suas lições, à sua maneira. (VEYNE, 2008)

Faço então a escolha de um olhar arqueológico aos estudos históricos, conforme ensinado por Michel Foucault em “A arqueologia do saber”, como norte do percurso. Entretanto, é importante ressaltar que, apesar de ter o método arqueológico como guia, a pesquisa aqui descrita, diferentemente das incursões de Foucault, não objetiva ou tem como diretriz a análise dos discursos. Apesar de, e justo por isso, acredito ser válido incorporar alguns dos princípios metodológicos da arqueologia foucaultiana ao mesmo tempo em que abdicarei de outros, sem ferir a

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estrutura conceitual desse método. Assim, não me privarei de apropriações, releituras, desvios e mesmo desalinhos àquilo que é metodologicamente próprio à arqueologia foucaultiana como método, ao mesmo tempo em que serei fiel à sua lógica, provocando uma constante tensão na tessitura da pesquisa.

Retomando a proposta metodológica de Foucault2, duas serão balizadoras do presente estudo:

a) Em relação à obra, pensada como objeto de pesquisa, a arqueologia “não é ordenada pela figura soberana da obra: não busca compreender o momento em que esta se destacou do horizonte anônimo” (FOUCAULT, 2010, p. 158).

b) Sobre o discurso, a arqueologia, longe de visar uma reconstrução exata daquilo que em algum momento foi “pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso”, tem a clareza de que é tão somente uma “reescrita” e que por isto, é, “uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto” (FOUCAULT, 2010 p. 158).

A perspectiva inaugurada por Foucault faz da arqueologia um método que, segundo Roberto Machado,

[...] estabelece interrelações conceituais ao nível do saber, [e que], nem privilegia a questão normativa da verdade nem estabelece uma ordem temporal de recorrência a partir da racionalidade científica atual. Abandonando a questão da cientificidade – que define propriamente o projeto epistemológico – a arqueologia realiza uma história dos saberes onde desaparece qualquer traço de uma história do progresso da razão (MACHADO, 1982, p. 11).

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Para Machado, considerar a arqueologia como um método da história não significa que a mesma possibilite uma “série de análises empíricas”, por meio de seus princípios básicos aplicados a objetos de pesquisa diversificados. Mais ainda, Machado diz que se a arqueologia pode ser considerada um método, o será justo por caracterizar-se por uma constante variação de seus princípios e por redefinir constantemente os seus objetivos, ao mesmo tempo em que acarreta uma mudança no sistema argumentativo que a faz legitima ou no qual encontra justificativa. (MACHADO, 1982). Além disso, a arqueologia “não está à procura das invenções e permanece insensível ao momento [emocionante, admito] em que, pela primeira vez, alguém esteve certo de uma verdade (...)” (FOUCAULT, 2010, p. 163). Ou ainda, a pesquisa em história, quando orientada pela perspectiva foucaultiana não procura

[...] em uma ‘descoberta’ inicial, ou na originalidade de uma formulação, o princípio de onde podemos tudo deduzir ou derivar; não procurar, em um princípio geral, a lei das regularidades enunciativas ou das invenções individuais; não pedir à derivação arqueológica que reproduza a ordem do tempo ou que revele um esquema dedutivo. (FOUCAULT, 2010, p. 167).

Escava, o historiador, desejando encontrar aquilo que se esconde sob a profundidade, é fato. Mas também, e não menos, desejando encontrar aquilo que, a cada golpe de sua enxada, chega à luz da superfície, misturado quase que propositadamente pelas mãos da ventura que o é, e porque assim, potencialmente fadado ao desaperceber. É preciso estar atento ao que vem a cada enxadada. Por isso, o historiador garimpa. Porque quer desembaraçar o que investiga. Mas, tão importante quanto olhar ao que foi desembaraçado é saber perceber aquilo que escapou à garimpagem, aquilo que não veio, ou ainda, aquilo que ficou escondido na superfície ou na profundidade do que foi escavado.

Mas, o que fazer agora que estou frente a frente com o momento no qual terei que escolher o recorte temporal, as fontes, o próprio tema e o problema central

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da pesquisa? Quais recursos e estratégias adotarei para ir e vir ao e do passado? E, de que forma o farei? À martelada, como quer Nietzsche? Como arqueólogo, seguindo as trilhas de Foucault? Buscando possíveis alternativas, apóio-me em Veyne quando esse diz que a historiografia depende da problemática por si formulada e dos documentos, das fontes que tem a seu dispor. Mais ainda,

[...] se uma historiografia encontra-se bloqueada, isto se deve às vezes à falta de documentos, às vezes a uma problemática esclerosada. Ora, a experiência prova que a esclerose da problemática sobrevém sempre muito mais cedo que o

esgotamento dos documentos: mesmo quando a

documentação é pobre, há sempre problemas que não pensamos formular (VEYNE,1983, p. 11).

Para uma pesquisa de cunho historiográfico, delimitar o universo a ser estudado é vital. Atento a esta premissa, a delimitação aqui adotada tem como eixo central a educação corporal em meio à lida com as águas em Belém do Pará a partir do surto de cólera que vitimou a cidade em 1855, até o aporte e consolidação dos esportes náuticos na cidade, entre os anos de 1910 e 1920.

Longínquo ano 1855: ano em que a cólera vitimizou em apenas dez meses o quantitativo de 1.443 pessoas, equivalente a quase 10 % dos belenenses, segundo números oficiais encontrados no livro de óbitos do cemitério de Nossa Senhora da Soledade, o único existente até então. Anos de 1910: Belém é ocupada por clubes e federações náuticas, que iniciam o processo de esportivização das práticas aquáticas, processo que se consolida ao longo da década de 1920, simbolizado pelos “sportmen” e seus corpos apolíneos, celebrando uma verdadeira festa do músculo.

Em meio às riquezas e misérias de uma cidade que se modernizava a partir da exploração e comércio da borracha, naquilo que ficou conhecido como belle époque amazônica, cidade e citadino, juntos, forjavam uma relação espetacular com as águas que banhavam Belém, fundamental à modernização então emergente. Noutros termos, lanço a perspectiva de que por meio do estudo das

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lidas com as águas em Belém será possível abordar aspectos da educação corporal, do processo de modernização da cidade (com suas contradições e exclusões), das transformações referentes ao espaço público, aos modos de vida, ao surgimento de novos preceitos morais e cívicos e à estrutura urbana então emergente. Esse amálgama, pontuo novamente, será estudado por intermédio da relação homem-cidade-águas.

A água será elemento imprescindível à construção do tema proposto, de forma tal que, se em certos momentos desejar-se-á superfície, será para noutros ser talvegue. Desse modo, entre o ir e vir da superfície ao fundo, animado por águas ora turvas, ora calmas, singrarei pesquisa adentro qual fluxo poético que, percorrendo memórias, desvela histórias e faz de si nascente e foz. Este fluxo será alimentado pelo que Gaston Bachelard denominou de metapoética da água, que seria a

[...] passagem de um plural para um singular. Para tal metapoética, a água já não é apenas um grupo de imagens conhecidas numa contemplação errante, numa seqüência de devaneios interrompidos, instantâneos; é um suporte de imagens e logo depois um aporte de imagens, um princípio que fundamenta as imagens. A água torna-se assim, pouco a pouco, uma contemplação que se aprofunda, um elemento da imaginação materializante (BACHELARD, 2002, p. 12).

A “imaginação materializante” proposta por Bachelard implica compreender a água qual matéria que podemos ver nascendo, crescendo e espalhando-se por todos os lados, carregando consigo histórias de uma Belém que era várias. Presença constante e mesmo vital, deixa de ser apenas “[...] o vão destino das imagens fugazes, o vão destino de um sonho que não se acaba, [tormando-se] um destino essencial que metamorfoseia incessantemente a substância do ser. (BACHELARD, 2002, p. 6). Dessa maneira, propõe o autor o estabelecimento de uma

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[...] lei dos quatro elementos, que classifica as diversas imaginações materiais conforme elas se associem ao fogo, ao ar, à água ou à terra. E, se é verdade, como acreditamos, que toda poética deve receber componentes – por fracos que sejam – de essência material, é ainda essa classificação pelos elementos materiais fundamentais que deve aliar mais fortemente as almas poéticas. Para que um devaneio tenha prosseguimento com bastante constância para resultar em uma obra escrita, para que não seja simplesmente a disponibilidade de uma hora fugaz, é preciso que ele encontre sua matéria, é preciso que um elemento material lhe dê sua própria substância, sua própria regra, sua poética específica (BACHELARD, 2002, p.4).

Olhar historicamente à cidade de Belém associada aos seus rios e fontes é compreender a pesquisa proposta como geradora de saberes materializantes, fonte de uma linguagem metapoética, portanto. É também opção por mergulhar orientado pela linguagem destas, cujas vozes falam em sentido próprio. É, em devaneio, sem deixar de ser acadêmico, permitir, ou ainda, compreender aquilo que de água flui nas palavras que tocam, tramam e narram a pesquisa histórica, ao mesmo tempo em que por ela são tocadas e escritas. Pois, nas palavras de Bachelard, é preciso saber que

[...] as vozes da água quase não são metafóricas, que a linguagem das águas é uma realidade poética direta, que os regatos e os rios sonorizam com estranha fidelidade as paisagens mudas, que as águas ruidosas ensinam os pássaros e os homens a cantar, a falar, a repetir, e que há, em suma, uma continuidade entre a palavra da água e a palavra humana. Inversamente, insistiremos no fato [...] de que organicamente a linguagem humana tem uma liquidez, um caudal no conjunto, uma água nas consoantes [...] (BACHELARD, 2002, p. 17).

Paul Valéry, refletindo sobre o mar (o que, penso, se aplica aos rios), afirma que a água reúne

[...] os ingredientes sensíveis, os elementos [ou os alimentos] do estado da alma, no interior do qual vai germinar o

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pensamento mais geral, a questão mais abrangente: luz e espaço, diversão e ritmo, transparência e profundidade [...] todos os atributos do conhecimento: clareza, profundidade, amplitude, medida! (VALÉRY, 1999. p.125).

Optar por escutar investigativamente o que as águas de Belém sonorizam é permitir-me aprender com os rios e com a chuva. É buscar a materialização da pesquisa através do elemento água com aquilo que esta tem de revelador e misterioso. Para que as palavras não careçam de vida. Para que as palavras sejam húmus, enfim. Por outro lado, é importante destacar que a presente pesquisa tem a clareza de ser de cunho científico, embora por diversos momentos estruture sua narrativa pelo viés literário. Desse modo, a pesquisa não perderá de vista que a

[...] interpretação em história é a imaginação de uma intriga, de um enredo para os fragmentos de passado que se têm na mão. Esta intriga para ser narrada requer o uso de recursos literários como as metáforas, as alegorias, os diálogos, etc. Embora a narrativa histórica não possa ter jamais a liberdade de uma narrativa ficcional, ela nunca poderá se distanciar do fato de que é narrativa e, portanto, guarda uma relação de proximidade com o fazer artístico, quando recorta seus objetos e constrói, em torno deles, uma intriga (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 63).

Ou ainda, como quer Marc Bloch, mais especificamente naquela que foi sua última obra, publicada postumamente e de forma inacabada, sob o título de “Apologia da história, ou, o ofício de historiador”. Ao introduzir a obra em questão, e resgatando o entendimento de Leibiniz, quando este defende como fundamental a volúpia própria do aprender coisas singulares, Bloch apresenta a seguinte argumentação:

Resguardemo-nos de retirar de nossa ciência sua parte de poesia. Resguardemo-nos, sobretudo, já surpreendi essa sensação em alguns, de enrubescer por isso. Seria uma espantosa tolice acreditar que, por exercer sobre a sensibilidade um apelo tão poderoso, ela devesse ser menos

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capaz de satisfazer também nossa inteligência (BLOCH, 2001, p. 44).

E mais: seguindo as trilhas de Paul Veyne, caberia à história, a seleção, simplificação e organização daquilo sobre o qual se debruça e, como um “romance, [fazer] com que um século caiba numa página, [em uma] síntese da narrativa [...] tão espontânea quanto a da nossa memória, quando evocamos os dez últimos anos que vivemos” (VEYNE, 2008, p. 18).

Poético, o fruto da pesquisa histórica relê as dobraduras do tempo, lançando sobre este a plasticidade dos desdobramentos que não se bastam, que não apontam a um mesmo e único sentido, como se estivessem ali, sempre a espera de serem descobertos. Qual escultor que faz do tempo já vivido a matéria de suas observações e narrativas, mãos, olhos, músculos, sentidos aguçados, quem pesquisa em história amalgama-se ao seu ofício, daí parindo não a esterilidade de uma “febre historicista” 3 e sim, um conhecimento fecundo e verdejante, um estudo historiográfico que reconheça a si como possibilidade de ler e maravilhar-se diante do novo que se encontra naquilo que já ocorreu, no que não pode ser revivido em plenitude e, mesmo assim, ou por isso mesmo, é encenado poeticamente pela escrita da história.

Variação sobre o tema ora em foco, encontro em Walter Benjamin reflexões que, partindo da articulação entre narrativa e narrador, alcançam o ofício daquele que realiza pesquisa historiográfica. Para Benjamin, embora o historiador faça do passado objeto de estudo, isto não impede que esse carregue consigo “um índice misterioso”. Debruçar-se sobre o passado exige do historiador detalhamento, precisão, acuidade, sensibilidade e esmero próprios de um artesão. Essa perspectiva faz Benjamin aproximar-se da narrativa e do narrador nos seguintes termos:

3 Ver Nietzsche, “Escritos sobre história”, mais especificamente parte II, “Consideração intempestiva

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[...] A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão – no campo, no mar e na cidade –, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (BENJAMIN, 1987, p. 205).

Artesanal, a pesquisa historiográfica tem como matéria objetos fluidos, cambiantes, oscilatórios, e que estão sepultados, inaptos a serem vividos ou revividos em sua plenitude porque são pertencentes a um tempo ido, que não o daquele que lhe tem como objeto. Para o pesquisador ser artesão, no sentido de Benjamin, penso que é necessário estetizar o estudo historiográfico, investigar, interpretar, reinterpretar a história sob o signo poético, narrativo, literal. Como? Gaston Bachelard, em “A poética do devaneio”, atribui à imagem poética um papel fundamental à construção de uma forma de linguagem dotada de maravilhamento, de beleza, de devaneio. Para Bachelard, a

[...] imagem poética, aparecendo como um novo ser da linguagem, em nada se compara, segundo o modo de uma metáfora comum, a uma válvula que se abriria para libertar instintos recalcados. A imagem poética ilumina com tal luz a consciência, que é vão procurar-lhe antecedentes inconscientes. (...) A poesia é um dos destinos da palavra. Tentando sutilizar a tomada de consciência da linguagem ao nível dos poemas, chegamos à impressão de que tocamos o homem da palavra nova, de uma palavra que não se limita a exprimir idéias ou sensações, mas que tenta ter um futuro. Dir- se-ia que a imagem poética, em sua novidade, abre um porvir da linguagem (BACHELARD, 2006, p. 3).

Relendo Bachelard, digo: a linguagem poética é um dos horizontes da pesquisa em história. Mais que destino, a poesia é motor que impulsiona a historiografia não a um mero enciclopedismo, reunião de fatos e relato de outrora, e sim, a um modo, mais um, de olhar aos “homens no tempo” a partir da reunião de fragmentos que a obra do acaso não destruiu. Sendo poética, a história é capaz de

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abrir um “porvir da linguagem”, fazendo de si narração de um passado que não sepulta a imaginação. Também devaneio, a pesquisa histórica junta e disjunta, recorta e imbrica, descreve e imagina, intui e atém-se ao factual. O que não é pouco. O que é, tão-somente, uma, entre tantas possibilidades de olhar.

Meses a fio, sentado à mesa de uma máquina de microfilmagem, ou vestindo luvas e máscara para, cuidadosamente, manusear os originais de revistas, álbuns oficiais e todos os exemplares do jornal “O Estado do Pará”, dos anos de 1921 a 1929, pertencentes ao acervo do CENTUR, mas que não estavam microfilmados: o registro, catalogação e transcrição das fontes foi trabalhoso. Registradas as fontes, transcritas as narrativas, selecionadas as fotos a serem digitalizadas, cabia então escrever a tese. Entre livros da época e os referenciais teóricos, fui movido e construí a pesquisa pelo entendimento de ser, a matéria que a animou, feita de fragmentos. Porque, em certo sentido, fragmentada é a própria vida: daqueles vivos, daqueles mortos, daqueles que virão. Há também as temporalidades que interpenetram o instante presente, este paridor que perpetua o passado. Os deslocamentos do olhar, ora ao grandioso, ora ao que se julgava destinado ao esquecimento, a ser mísero pó de uma estrada qualquer.

A pesquisa ora em preâmbulo foi banhada pela narrativa literária e, seu o corpus empírico, entendido e estudado para além de mera fonte de dados, porque concebido como manancial de saberes vivificantes. Portanto, diante do que será narrado, espero que o ofício de pesquisar em história conserve em si a objetividade, sem que precise sepultar a beleza poética. Que a escrita da história seja turva como as águas barrentas de um rio, paridor e guardador de mistérios e enredos. Que seja fluida, feito chuva que molha e embeleza ruas, tetos e praças, e que recolhe o andorinhar fazendo brincar ruidosamente uma meninada qualquer, de um tempo outro, que muitas vezes parece transmutar-se, de tão presente, de tão aqui, que o é.

No que diz respeiro ao levantamento e escolha das fontes, o tempo percorrido duros seis meses, em um ir e vir que me levou a vários acervos, alguns

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dos quais não foram utilizados, seja porque apresentaram documentos sem condições de manuseio, como foi o caso do conjunto de documentos da Comissão de Higiene do Pará, pertencentes ao Arquivo Público do Pará, ou por inexistirem documentos e/ou periódicos relativos ao recorte temporal, como foi o caso Biblioteca da Academia Paraense de Letras. Optei por não me valer do acervo da Biblioteca do Grêmio Literário Português, apesar de este possuir todos os números do Jornal Treze de Maio, do ano de 1855, principal fonte do primeiro capítulo do Tomo I dessa tese, porque os exemplares do referido jornal não se encontram microfilmados ou digitalizados, diferentemente de os exemplares da Biblioteca Pública Arthur Viannna, setor de microfilmagem, do Centro de Convenções Tancredo Neves (CENTUR), e que por isso foram escolhidos.

As fontes utilizadas na pesquisa foram constituídas nos seguintes acervos: Centro de Memória da Amazônia (CMA); Museu da Universidade Federal do Pará; Biblioteca Pública Arthur Viannna do CENTUR – setor de microfilmes, setor de Obras Raras e de Obras do Pará; Museu de Arte de Belém (MABE). As fontes são:

1- Jornais, todos pertencentes ao acervo de microfilmes do CENTUR: Treze de Maio4; Folha do Norte5; O Estado do Pará6; A Epocha7; Jornal do

4 “Fundado em 1840, foi publicado inicalmente de forma bissemanal, sendo logo após, trissemanal

e, a partir de outubro de 1855, circulou diariamente. Se autointitulava um “órgão oficial e noticioso”.