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urbanização e águas de uma Belém rumando à modernidade.

Poder-se-ia pensar em uma manhã qualquer de 1856. Belém despertara do flagelo da cólera, mas seus habitantes, marcados pelo horror e mortandade da doença, pareciam desesperançados. Os efeitos da cólera não se restringiam aos mortos ou ao reforço de Belém ser uma cidade insalubre: a economia e o próprio progresso da cidade foram diretamente atingidos. Afinal, a segunda metade dos anos de 1850 foi marcada pelo crescimento da produção e comercialização de borracha sobre as demais formas de comércio e sobre a agricultura, até então os principais modos de produção e renda citadinos, de forma tal que

[a] influência absorvente, aniquiladora, da matéria-prima, os adjetivos são do historiador Manoel Barata, principiou a manifestar-se em 1853-1854, por efeito das ótimas cotações internacionais [de forma tal que a] miragem do lucro espetacular dominava psicologicamente as populações, miragem que foi uma constante na história economia da borracha. No ano de 1855, a exportação da matéria-prima atingiu a cifra de 178.000 arrobas, cotada ao preço elevadíssimo de 36$000 por arroba (TOCANTINS, 1960, p.157-158).

Diante de um mercado crescente, os meses de surto impactaram negativamente sobre as transações econômicas em torno da borracha, já que durante aquele período sequer fora possível “[...] effectuar á dinheiro as vendas da pouca borracha que veio ao mercado” (TREZE DE MAIO, 28.04.1856, p.1). Além disso, a presença de uma natureza indomável, simbolizada pelas chuvas torrenciais que atingiam Belém nos idos de 1856, aparecia como justificativa para os tempos de penúria pelo qual passava a cidade, e, em especial, o comércio da borracha. Assim, dizia-se que

[...] copiosas e continuadas chuvas, que tem cahido sobre o nosso solo desde Janeiro até hoje, como não acontece ha muitos anos [tem] impossibilitado o fabrico da borracha em

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todo este tempo, como ainda hão-de impossibilitar até Setembro ou Outubro, porque, tendo reduzido á lagôas as Ilhas em que abundam as seringueiras, tem privado os fabricantes de entrar nessas Ilhas antes d’aquelles mezes [impedindo] um futuro mais prospero na colheita da gomma elastica (TREZE DE MAIO, 28.04.1856, p.2).

Sob a forma de águas indomadas –quer fossem as chuvas torrenciais, que transformavam as ruas em verdadeiros lamaçais, ou os igarapés e pântanos, ditos miasmáticos e nascedouros de mosquitos e doenças – a natureza parecia impor à cidade um permanente estado de insalubridade, atraso e penúria. Porque erguida em meio à floresta, cercada e entrecortada por rios, seria esse o preço a ser pago? Mas o quadro que parecia condenar Belém ao atraso não parava por aí: para o jornal Treze de Maio, havia questões ligadas à higiene pública que impediam o crescimento belenense e colocavam a cidade sob o constante risco de epidemias. Mais uma vez a cólera era destacada, agora, não apenas para reforçar a imagem destruidora do surto, mas, sobretudo, para criticar um aparente descaso com as medidas capazes de impedir o retorno daquela. Ainda fazendo referência ao poder e graça divinos, ao mesmo tempo em que destaca o papel da comissão de higiene, uma crônica é bastante elucidativa:

[...] Deos permita que o terrível hospede que elle afugentou d’entre nós, não queira tornar a visitar-nos. Está próxima a épocha em que o anno passado nos apareceo elle; ainda sangram as feridas que fez na nossa população, no commercio, na lavoura, na industria, e em quasi todas as fortunas, e parece que já ninguem se lembra de tudo isso [...] fez-se muita bulha, escreveu-se, brigou-se na Commissão de Hygiene, e até por fim foram aconselhadas ao povo algumas medidas hygienicas; porem, passada ella, ninguem mais se lembrou de Santa Barbara67[de forma que] tudo se acha disposto para que tenha elle [cólera] uma entrada triunfante, se por ventura tiver de voltar para entre nós! Deos nos preserve disso (TREZE DE MAIO, 28.04.1856, p.2).

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A quem o Treze de Maio procurava atingir ao inferir um “esquecimento” das mazelas provocadas pela cólera recém-superada? Tal esquecimento resultaria de imprudência e desleixo das camadas populares em relação aos seus hábitos higiênicos, e também da própria comissão de higiene no que diz respeito à vigilância e à implementação de estratégias eficazes para coibir tais hábitos? Findo o surto, a recusa da população pobre em adotar as preconizações médicas referentes aos usos d’água não teria ocorrido porque as mesmas, por diferirem dos hábitos populares, soavam como impositivas? Apenas a camada pobre da população era avessa a tais preceitos, ou havia também resistência por parte das elites belenenses? Tal panorama possibilita entender o jornal Treze de Maio como veículo que alertava o poder público (mesmo quando o questionava) e a população sobre a necessidade de que os hábitos ditos higiênicos fossem mantidos. Também parece pertinente supor que o referido jornal foi partícipe, assim como outros de sua época, nesse sentido, do mecanismo que instalou e reforçou o papel e a importância do poder médico para o processo de reordenação da vida social. Com efeito, os jornais contribuíram, por intermédio de propagandas, imagens e discursos, para a difusão de pedagogias que, voltadas ao corpo, inscreveriam na carne marcas da modernidade e do processo civilizador ao longo do entre séculos.

Em meio à incerteza e à desconfiança em um futuro promissor, cabia reerguer a cidade e, para isso, as riquezas da borracha, que ora se anunciavam, foram fundamentais. Por outro lado, a nova e moderna Belém, naquele momento esboçada, deve ser pensada a partir e considerando o avanço capitalista sobre a cidade. Com efeito, já nas primeiras décadas do século XIX Belém se caracterizava pelo atrelamento da economia local à Europa, pautada na exploração das chamadas “drogas do sertão”, bem como na exportação de cacau, algodão e tabaco, entre outros. Dependente das exportações, a economia belenense estava sujeita às variações do mercado internacional e das crises do mesmo (SARGES, 2010). Acrecente-se a esse quadro, até meados do século XIX, atividades comerciais e de criação de gado, ambas dependentes da mão-de-obra escrava, que era distribuída entre indígenas e africanos e chegaremos a uma Belém que, além

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da dependência do trabalho escravo, possuía um quê de marasmo a imobilizar sua economia. Senão, vejamos:

A lavoura da província váe canjando sua vida rotineira. Os nossos cultivadores naõ reconhecem outros processos, e outros instrumentos no fabrico de seos produtos, senaõ os seculares, legados pelos nossos avós.

Estudo da sciencia agraria, o uso das maquinas e o emprego desses modernos instrumentos, que facilitaõ, augmentaõ e a aperfeiçoaõ a producçaõ, tudo existe ainda em embriaõ (A EPOCHA, 03.01.1859, p2).

Se ao final do século XVIII o quantitativo de escravos africanos em Belém representava 35% da população, esse percentual diminuiu a partir do momento em que houve “[...] o crescimento demográfico do segmento livre da população citadina da capital paraense, em muito favorecido pelo processo de entrada dos imigrantes nordestinos desde os anos de 1870 [...]” (BEZERRA NETO, 2012, p.137). A diminuição do número de escravos se evidencia na segunda metade do século XIX, muito em função do

“[...] crescimento demográfico da população livre [bem como do] aumento da migração de portugueses, madeirenses, alemães e, posteriormente, de nordestinos, para a capital da província. A esses fatores devem ser acrescentadas as recorrentes fugas, o aumento do número de libertos e a venda de escravos para outras províncias” (CANCELA, 2011, p.30). Esse quadro é fundamental para a compreensão do mecanismo que sustentou a fase áurea da borracha em Belém, fundamentalmente no que diz respeito à mão de obra. Desse modo, Cancela (2011), baseada em estudos de João Pacheco de Oliveira (1979), diz que nos primórdios da extração da borracha, o modelo de produção dependia da mão-de-obra indígena, bem como dos mamelucos e caboclos, sendo que entre esses não havia a preocupação com a posse legal das terras. Para os referidos autores, os seringueiros, além da extração da borracha, exerciam atividades básicas de lavoura para garantir sua alimentação

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e independência em relação aos comerciantes fornecedores de tais produtos. Por outro lado, a família do seringueiro se fazia presente nas áreas exploradas ao longo dos anos iniciais da extração, mantendo assim o núcleo familiar, com as mulheres, inclusive, exercendo funções domésticas e de lavoura (REIS, 1953).

O modelo de produção que predominou ao longo do apogeu da borracha diferiu sobremaneira daquele dos anos iniciais: alargamento territorial das áreas exploradas, predomínio dos migrantes nordestinos como mão-de-obra, imposição de marcos e títulos de terras, isolamento do seringueiro no trabalho (agora, sem a participação da família), dependência do seringueiro em relação aos comerciantes de produtos alimentícios (pois o seringueiro passa a concentrar sua produção tão somente na exploração do látex) e, por fim, a posse das terras exploradas, agora oficializada em nome de comerciantes influentes e mesmo casas de comércio (CANCELA, 2011). O migrante nordestino, maioria absoluta da mão-de-obra desse período, se caracterizava por ser

“[...] o último elo da cadeia econômica. Aparentemente, era livre, mas a estrutura econômica o colocava em situação de trabalho semelhante à relação de servidão. Comprava os suprimentos necessários a preço altíssimo no armazém mantido pelo seringalista, por isso, sempre ‘estava em débito’ na contabilidade do seringalista e endividado, não conseguia mais escapar da exploração do patrão (SARGES, 2010, p.103).

Dizia um jornal da época sobre a situação de penúria imposta aos seringueiros: “[...] os seringueiros vivem na miséria; suas companheiras, magras, amarellas parecem cães pirocas; seus filhos barrigudinhos fazem chorar de piedade” (O LIBERAL DO PARÁ, 29.07.1873, p.2). Em uma relação de produção que beirava àquela entre o senhor de engenho e o escravo, o seringalista explorava o seringueiro, extenuando-o e, da miséria desse, erguia suas riquezas. Portanto, importa afirmar o comércio da borracha como motor da inserção da capital do Grão- Pará na economia mundial. Destarte, em uma Belém cada vez menos escravocrata

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e cada vez mais enriquecida, a produção gomífera começava a sobrepor-se aos demais

[...] desde o ano de 1850. A flutuação de sua cotação foi marcada pela alta de 1860, seguida de queda em 1870, para finalmente firmar-se no final daquela década, embora sempre acompanhada por anos de maior ou menor cotação. Juntamente com a borracha, outros produtos mantinham-se na pauta de exportação, embora em volume menor de arrecadação (CANCELA, 2011, p.31).

Considerando a demografia belenense a partir do quartel final dos anos de 1800, percebe-se um crescimento evidente: se em 1788 havia dez mil seiscentos e vinte habitantes, o ano de 1884 registrava um total de setenta mil, alcançando cento e vinte mil habitantes em 1900, quantitativo que salta para cento e noventa e dois mil duzentos e trinta habitantes no ano de 1907, segundo os dados apresentados pelo “Album do Estado do Pará”, que foi organizado por Augusto Montenegro, então Governador do Estado, pra relatar seus oito anos de governo (de 1901 a 1909)68. Esse crescimento, acelerado, guarda relação com o grande afluxo de estrangeiros e também de paraenses advindos do interior do estado, que migraram para Belém movidos por sonhos de prosperidade, o mesmo podendo ser dito sobre os retirantes que abandonavam o Nordeste brasileiro, fugindo dos longos períodos de estiagem e miséria (CANCELA, 2011). Os nordestinos que chegavam ao Pará, logo eram deslocados às colônias agrícolas que, margeadas pela estrada de ferro de Bragança69, foram, criadas com o propósito de

[...] povoar o vasto território da província, garantir o abastecimento interno com produtos de lavoura e fixar o homem ao solo, buscando o desenvolvimento da região [porém apenas uma parcela] das colônias agrícolas conseguiu manter-se por algum tempo [fazendo com que significativa] parte dos migrantes [se deslocasse] para a área urbana de Belém (CANCELA, 2011, p.74).

68 Para mais detalhes, inclusive um quadro que apresenta o crescimento populacional de Belém

entre os anos de 1749 a 1907, ver “O Estado do Pará: oito annos do governo (1901 A 1909), p. 56.

69 Atualmente, Avenida Almirante Barroso. Era denominada estrade de Bragança “[...] por ser o

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Além desse tipo de colônia, havia também a chamada “hospedaria de emigrantes”, algumas nos arrabaldes de Belém, como a hospedaria de Outeiro (ver figura 11), outras, em municípios distantes da capital, quase sempre ribeirinhos (ver figura 12).

Figura 11- Hospedaria de emigrantes em Outeiro. Álbum do Pará, governo de José Paes de Carvalho. 1899.

Figura 12- Hospedaria de emigrantes em Monte Alegre. Álbum do Pará, governo de José Paes de Carvalho. 1899.

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Crescia a população e modernizava-se a cidade, assim como evidenciavam- se as riquezas e, também, as misérias: o comércio da borracha, assim, dava vida a uma Belém cambiante, que vivia em movimento contínuo, uma cidade transitória e repleta de contrastes econômicos e sociais, ou, enfim, uma Belém que se fazia capitalista. Afinal, com o crescimento surpreendente da economia do látex, a Amazônia, leia-se aqui a capital do Grão-Pará, integra-se “[...] aos mecanismos de poder do sistema capitalista internacional [e assim, a] aristocracia agrária e os comerciantes [agregam-se] aos novos projetos do Estado Nacional. A elite intelectual [belenense] produzida na Europa e o grupo dirigente incorporam noções do liberalismo econômico, no plano doutrinal [...] (SARGES, 2010, p.118). Tal dinâmica levou grupos sociais de outrora a se readaptarem

[...] à dinâmica econômica, e novos grupos consolidaram fortunas. Isso significa dizer que alguns proprietários de fazenda de criação de gado e engenho, das tradicionais famílias paraenses, incrementaram e diversificaram suas atividades, incorporando, muitas vezes, negócios ligados ao comércio da borracha [...] (CANCELA, 2011, p.61).

Por outro lado, os estrangeiros pobres e os retirantes engrossavam o quantitativo populacional de Belém, sem que houvesse uma estrutura urbana e social para tal fluxo, de forma tal que a cidade crescia em suas riquezas impondo pobreza à maioria de sua população. Esse quadro, grosso modo, se aproximava com o das grades capitais brasileiras daquele período, como o Rio de Janeiro, capital federal, que, então

[...] reunia contingentes de população em proporção superior às liitadas necessidades do setor industrial e de serviços. Essa população pobre, continuamente engrossada por migrantes internos e imigrantes estrangeiros, lutava na prática com uma dificuldade ingente em arrumar emprego e tinha de se sujeitar a receber salários baixos que deterioravam ainda mais suas condições de existência (CHALHOUB, 2008, p.61)

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Ainda considerando a cidade do Rio de Janeiro, no alvorecer da República o quadro citadino era de insalubridade, com focos endêmicos de

[...] varíola, tuberculose, malária [...] e sobretudo da terrível febre amarela [além de ser a cidade marcada pela ausência] de moradias e alojamentos, falta de condições sanitárias, moléstias [alto índice de mortalidade], carestia, fome, baixos salários, deemprego, miséria [que eram] os frutos mais acres [do] crescimento fabuloso e que cabia à parte maior e mais humilde da população provar (SEVCENKO, 1989, p.52).

Paradoxalmente, as cidades que se modernizavam ignorando e apartando a camada pobre da população, encontravam nessa mesma camada, grosso modo, sustentáculo e alicerce para a constituição, o avanço e afirmação do capitalismo, de forma tal que “[...] o crescimento e o desenvolvimento das cidades no final do século XIX também e encontrava conectado ao complexo jogo de fatores ligados ao aprofundamento da inserção do país nos fluxos do capitalismo internacional, nas suas dimensões econômica, social e cultural (SANTOS, 2011, p.107). Destarte, em Belém eram muitos, os migrantes pobres, como eram muitas as profissões que lhes cabiam: “[...] pedreiros, marceneiros, [...] estivadores, carregadores, jornaleiros [...], vendedores e marítimos. Dentre as mulheres, prevalecem as atividades associadas aos serviços domésticos como lavadeiras, engomadeiras e cozinheiras, bem como a de meretriz” (CANCELA, 2011, p.78).

A dinâmica que levou o Brasil a abolir a escravatura70 e a proclamar da República, também levou às grandes capitais transformações de caráter econômico, político, social e cultural. Destarte, nesse período houve o desdobramento mundial

[...] da cultura européia [que se impunha] no sentido de uma europeização das consciências e gozava da vantagem de ser o único padrão de pensamento compatível com a nova ordem econômica unificada, fornecendo, pois, o subsídio para as

70 O Brasil foi a última nação ocidental a abolir oficialmente o trabalho escravo. Sobre a dinâmica da

escravatura no Brasil, ver, entre outros, CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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iniciativas de modernização das sociedades tradicionais. O caso brasileiro é típico (SEVCENCO, 1989, p.82).

No Brasil de então circulavam ideias influenciadas pelo pensamento europeu, as quais, muitas vezes, foram assimiladas de forma não condizente, provocando assim “[...] confusões ideológicas. Liberalismo, positivismo, socialismo, anarquismo misturavam-se e combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das pessoas mais inesperadas” (CARVALHO, 2013, p.42). Tal circulação não ficava restrita ao meio intelectual e político, pois alcançava também a vida cotidiana. Destarte, os primeiros passos rumo à República, foram díspares e diversas as percepções e interpretações dadas, regionalmente, inclusive, ao conjunto dessas ideias. Portanto, “[...] o Brasil dos meados do século XIX não era só constituído por vários Brasis, regionalmente diversos: também por vários e diversos Brasis quanto ao tempo ou à época vivida por diferentes grupos da população brasileira” (FREYRE,2008, p.60). É possível afirmar que a lógica social orquestrada desde o século XIX pelo modo de produção capitalista tornava “[...] todos os países, mesmo os até então mais isolados [...] ao menos perifericamente, presos pelos tentáculos dessa transformação mundial [...]” (HOBSBAWM, 2002, p. 46). Desse modo, as transformações geoeconômicas atingiram todo o mundo ocidental e, tal qual “[...] a maior parte das mudanças sociais repentinas, a ‘revolução urbana’ era um fato sobre-determinado – vivenciado quase inconscientemente” (SENNETT, 2006, p.261).

Inscrevendo sobre o tecido urbano não apenas as marcas da modernidade e dos ideais civilizadores, mas, sobretudo, da lógica capitalista, configurou-se um “[...] único movimento convulsivo e irresistível, [que] podia ser entrevisto com pequenas diferenças temporais e variações regionais, por exemplo, em Paris ou em Buenos Aires, [...] São Paulo, Manaus ou Belém [...]” (SEVCENKO,1989, p. 42). Criou-se então

[...] todo tipo de utopia e projeção. A República surgiu alardeando promessas de igualdade e de cidadania – uma modernidade que se impunha menos como opção e mais

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como etapa obrigatória e incontornável. O grande modelo civilizatório seria a França, com seus circuitos literários, cafés, teatros e uma sociabilidade urbana almejada em outras sociedades (SCHWARCZ, 2012, p.19).

Pode-se dizer que os intelectuais brasileiros do entre séculos arrojaram-se em um processo que tinha a transformação social (que levaria à República) como motor, e o assim fizeram voltados

“[...] para o fluxo cultural europeu como a verdadeira, única e definitiva tábua de salvação, capaz de selar de uma vez a sorte de um passado obscuro e vazio de possibilidades, e de abrir um mundo novo, liberal, democrático, progressista, abundante e de perspectivas ilimitadas, como ele se prometia” (SEVCENKO, 1989, p.78).

Defendia-se à época que o Brasil precisava, para alcançar o progresso que se acenava, atualizar sua sociedade em relação ao modo de vida europeu, modernizar sobremaneira as estruturas do País, integrando-o ao que se impunha como “unidade internacional” e, não menos, alavancar o padrão cultural e material da população brasileira (SEVCENKO, 1989). Esses ares utópicos foram respirados em Belém (e também Manaus) durante o período que ficou conhecido como belle époque amazônica, iniciada nos anos de 1880 e perdurado até os anos iniciais da década de 1910, período esse, no caso belenense, marcado pela administração do intendente municipal Antonio José de Lemos, entre 1897 e 191171. Afinal, não sonhara aquela Belém tornar-se uma cidade europeizada, a “Petit Paris”, como orgulhosamente não se cansava de repetir o “Velho Intendente”? Sobre o tema, por ora, é importante destacar que em 1856, mesmo com todo o discurso pessimista, um tempo de riquezas se apresentava, e as margens da Baía de Guajará, outrora

71 Antonio José de Lemos, maranhense, nasceu no Maranhão, em 1843, vindo a falecer no Rio de

Janeiro, em 1913. Iniciou sua careira política em Belém, como um dos vogaes do município. Na figura de intendente, governa o município entre os anos de 1897 e 1911, período de máximo crescimento econômico da cidade, movido pelo comércio da borracha, naquilo que ficou conhecido, posteriormente, como belle époque.

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palco da chegada da cólera, começavam a ser, ainda que por meio de simples trapiches, o local de escoamento da borracha.

O processo de reurbanização iniciado após o surto incluiu como um de seus alvos a dominação das águas, primeiramente, no sentido de purificá-las72, para, em seguida, torná-las lugar de recreio, refrigério e recomposição das forças e da saúde. Por outro lado, parece claro o privilegio dispensado às elites de Belém em detrimento do restante da população. Tal processo deve ser pensado como característico do avanço capitalista sobre a cidade, bem como motor da inserção de Belém na economia mundial. Assim, a partir da segunda metade do século XIX a economia da borracha modificou a estrutura social belenense: a cidade viu surgir retirantes e estrangeiros em busca de emprego, bem como foi palco para a formação de uma nova elite, composta por seringalistas, comerciantes e homens do setor financeiro (CANCELA, 2011. SARGES, 2010).

Atenta à necessidade de substituir a antiga burocracia administrativa, considerada obsoleta pelo emergente regime republicano, a elite que então se formava enviou seus filhos para estudarem na Europa, e esses, ao retornarem,