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Da teorização da percepção às práticas de representação

No século XVII, a preocupação com os fenómenos da visão e da percepção visual levou vários autores a escreverem tratados (científicos) que os teorizaram. Esta teorização da visão e da percepção acompanhou toda uma revolução científica inspirada pelas metáforas da visão e auxiliada pela transformação perceptiva do mundo observável. Esta transformação favoreceu uma nova relação simbólica com a natureza e a instauração de uma ordem representativa no discurso e na prática científicas, mas também na teoria e nos métodos das artes, designadamente, nas visuais e, em especial, na pintura, que nos interessa particularmente no âmbito desta tese. Neste capítulo veremos, à vol d’oiseau, num voo rápido e rasante, como, numa época em que a ciência e a arte não tinham distinções assim tão claras, os modos de entender a percepção visual modelaram as práticas de representação partilhadas pelos agentes de uma e de outra, os quais, muitas vezes e sem surpresa, se encontraram na mesma pessoa.

Secção 1.

Óptica, dióptrica e catóptrica

A luz, a visão e a razão

A luz e a visão como metáforas da razão e do conhecimento fazem já parte de uma longa tradição, ainda hoje enraizada na nossa linguagem corrente, mas que no século XVII assumiu particular importância, informando não só a retórica dos discursos religiosos e os da filosofia – incluindo nesta também as diferentes ciências (já que a sua exclusão revelaria apenas o nosso anacronismo) - mas também as próprias práticas científicas, artesanais e artísticas. Aliás, a luz e a visão ocuparam, de facto, e não apenas num sentido metafórico ou analógico, um lugar de destaque na epistemologia e na ciência da época, nomeadamente, pela

98 pena do próprio Descartes251 que ergueu a evidência e a intuição a princípios metódicos, instituídos desde as Regras para a Direcção do Espírito (1628) mas atravessando o tratado O

Mundo ou Tratado da Luz (1632-33), o Discurso do Método (1637) e os respectivos Ensaios,

as Meditações de Filosofia Primeira (1641) e ainda os Princípios de Filosofia (1644). Dizia ele na Regra III: “É preciso procurar nos objectos da nossa investigação, não aquilo que outros possam perceber ou aquilo que nós próprios suspeitamos, mas o que podemos intuir [ver] de forma clara e evidente ou o que podemos certamente deduzir; não há na verdade outro modo de adquirir a ciência.”252 E, mais adiante, explicava o que entendia por essa

intuição: “o conceito da mente pura e atenta, tão fácil e tão distinto (…) que nasce da mera luz

da razão”253. Para além disso, também os célebres princípios de clareza e distinção da filosofia cartesiana tinham uma matriz semântica que os ligava a uma experiência visual originária, como mostra a explicação do próprio filósofo nos seus Principia Philosophiae: “Chamo clara aquela percepção que está presente e patente a uma mente atenta; tal como dizemos ver claramente as coisas que, estando na presença do olho que as vê, o movem com força e claridade suficientes. Chamo, porém, distinta àquela que, sendo clara, o é de tal modo determinada e separada de todas as outras que nada mais contém em si senão aquilo que é claro.”254 Mas foi sobretudo no Le Monde ou Traité de la Lumière, que Descartes escrevera

251

Leonel Ribeiro dos Santos, num artigo dedicado precisamente às “Metamorfoses da Luz” na retórica cartesiana, afirma: «Duas coisas envolvem a filosofia cartesiana, conferindo-lhe feição e tonalidades muito peculiares: a intuição originária da luz e a experiência privilegiada da visão.

A primeira difunde-se, como originário princípio cósmico, pela física e biologia (…), insinua-se como princípio de toda uma estética e engenharia ilusionista, e dá-se, enquanto metáfora recorrente, como o analogon privilegiado da própria verdade. Descartes revela-se assim como um destacado representante moderno da riquíssima tradição especulativa dos pensadores da luz (…).

A segunda rege toda a concepção cartesiana do conhecimento. Como teórico da técnica de fabricação de lentes e telescópios, Descartes sabia bem o privilégio de que goza a visão e a vista, ‘o mais universal e o mais nobre’ dos sentidos. (pp. 17-18)», cf. Ribeiro dos Santos, Leonel, “Metamorfoses da Luz, ou a Retórica da Evidência na Filosofia Cartesiana”, in Philosophica: Descartes e o Círculo Cartesiano, nº8, Departamento de Filosofia – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Edições Colibri, 1996, pp. 17-36. As mesmas afirmações haveriam de ser retomadas pelo mesmo autor na obra Retórica da Evidência ou Descartes segundo a Ordem das Imagens, Colecção «Caminhos» nº3, Quarteto Editora, Coimbra, 2001, pp. 73-74.

252 Cf. Regulae ad Directionem Ingenii, « REGULA III. Circa objecta proposita, non quid alij senserint, vel quid

ipsi suspicemur, sed quid clarè & evidenter possimus intueri, vel certò deducere, quaerendum est; non aliter enim scientia acquiritur.», in Oeuvres de Descartes. Tome X – Physico-Mathematica, Compendium Musicae, Regulae ad Directionem Ingenii, Recherche de la Vérité, Supplément à la Correspondance, op. cit., p. 366.

253 «Per intuitum intelligo (…) mentis purae & attentae tam facilem distinctumque conceptum (…) qui à solâ

rationis luce nascitur», cf. op. cit., p. 368. 254

Cf. «Claram voco illam, quae menti attendenti praesens & aperta est : sicut ea clarè à nobis videri dicimus, quae, óculo intuenti prasentia, satis fortiter & aperte illum movent. Distinctam autem illam, quae, cum clara sit, ab omnibus aliis ita sejuncta est & praecisa, ut nihil plane aliudm quam quod clarum est, in se contineat.», in Oeuvres de Descartes – Tomo VIII – Principia Philosophiae etc, op. cit., p. 22; mas também a versão francesa desta explicação: «45. Ce que c'est qu'vne perception claire & distincte. Il y a mesmes des personnes qui, en toute leur vie, n'apperçoiuent rien comme il faut pour en bien juger. Car la connoissance sur laquelle on veut establir vn jugement... indubitable, doit estre non seulement claire, mais aussi distincte. J'appelle claire celle qui est presente & manifeste à vn esprit attentif: de mesme que nous disons voir clairement les objets, lors qu'estant presents ils agissent assez fort..., & que nos yeux sont disposés à les regarder. Et distincte, celle qui. . . est

99 no início dos anos 30 do século XVII, e que apenas seria publicado depois da sua morte, em 1664255, e na Dioptrique, um dos ensaios de aplicação prática do Discours de la Méthode, que o interesse científico pela própria luz e pelo fenómeno da visão, e não apenas o interesse retórico pelo seu valor metafórico, se revelou de forma inquestionável256. Logo no título do tratado, a disjunção inclusiva é reveladora da importância cosmológica da luz, pois falar do mundo e das suas leis – da constituição da matéria, das leis do movimento e da explicação do mundo celeste - é o mesmo que falar do mundo visível, ou seja, da luz, da sua natureza, dos seus efeitos e do modo como a sentimos e percebemos – já que a segunda parte deste tratado é constituída pelo Tratado do Homem, onde a visão é paradigmática no que diz respeito à exposição cartesiana do funcionamento da sensação e da percepção257. Na 5ª parte do

Discurso do Método, referindo-se ao conteúdo desse tratado, disse o seguinte:

“Eu tive a intenção de aí incluir tudo aquilo que pensava saber, antes de o escrever, acerca da Natureza das coisas Materiais. Mas, tal como os pintores, que não podendo representar ao mesmo tempo num quadro plano todas as faces de um corpo sólido, escolhem uma das principais, a qual unicamente põem à luz do dia, enquanto ombreiam as outras [faces], e assim as fazem aparecer na mesma medida em que as poderíamos ver olhando para ela: desse modo também, temendo não poder pôr no meu discurso tudo o que tenho no meu pensamento, propus-me apenas expor de modo amplo aquilo que concebia acerca da Luz; depois, a esse propósito, acrescentei alguma coisa sobre o Sol e sobre as Estrelas fixas, pois delas procede quase toda [a luz]; sobre os Céus, porque estes a transmitem; sobre os Planetas, os Cometas e a Terra, porque tellement precise & différente de toutes les autres, qu'elle ne comprend en soy que ce qui paroit manifestement à celuy qui la considere comme il faut.», cf. Oeuvres de Descartes – Tomo IX-2 – Príncipes de la Philosophie (traduction française), op. cit., p. 44.

255 O facto de Galileu ter sido anteriormente condenado pelas suas posições cosmológicas heliocêntricas e de

Descartes ter facilmente aderido a elas no seu Le Monde, levou o ex-aluno de La Flèche a decidir não publicar o seu tratado, para evitar as consequências funestas de um diferendo com as autoridades eclesiásticas. No próprio Discurso do Método (5ª parte), ele alude à existência desse tratado e ao facto de que “algumas considerações o impedem de [o] publicar”, fazendo depois um sumário do seu conteúdo. Cf. Oeuvres de Descartes – Tomo VI – Discours de la Méthode & Essais, op. cit., pp. 41-42.

256

Em abono da verdade, é preciso dizer que desde a juventude Descartes se havia interessado pelos problemas ópticos, como se pode ver nas suas Cogitationes Privatae, escritas entre 1619 e 1621, e que esse foi um interesse que permaneceu nos seus trabalhos, não só até à Dioptrique, que apesar de publicada apenas em 1637, teria tido já uma primeira versão no início dos anos 30, mas também na sua obra posterior. Aliás a pertença de Descartes a um círculo de pensadores, onde se incluíam Marin Mersenne e Claude Mydorge, para quem os problemas da Óptica e da Perspectiva eram muito importantes, terá sido determinante na investigação desses temas. Cf. a este respeito Ribe, Neil, “Cartesian Optics and the Mastery of Nature” in Isis, Vol. 88, No. 1 (Mar., 1997), pp. 42-61.

257 Ver, a este propósito, o artigo de Osler, Margaret J., “Descarte’s Optics: Light, the Eye and Visual

Perception” in Broughton, J. & Carriero, J. (Eds) A Companion to Descartes, Blackwell Publishing, Malden – Oxford – Victoria, 2008, pp. 124-141.

100 estes a reflectem; & em particular sobre todos os Corpos que existem na terra, porque eles são ou coloridos, ou transparentes, ou luminosos; & finalmente sobre o homem, porque ele é o seu espectador.” (Discours de la Méthode, AT VI, 41-42)258

Para além da indesmentível importância do lugar da luz na cosmologia cartesiana que aqui aparece de modo claro, não deixa de ser notável que, neste excerto, o autor do Discurso do

Método para bem conduzir a (sua) razão e procurar a verdade nas ciências tenha optado pela

analogia entre o seu trabalho científico e o do pintor, cuja arte é, por excelência, a arte da luz (da cor) e da visão. Porém, mais expressivo ainda da determinante e estreita relação entre os fenómenos da luz e o da visão humana é o facto de as primeiras palavras d’O Mundo de René

Descartes serem dedicadas, precisamente, a alertar os seus leitores para a diferença que há

entre as nossas sensações – nomeadamente, as visuais - e as coisas que as produzem:

“Propondo-me aqui tratar da Luz, a primeira coisa de que vos quero advertir é que pode haver uma diferença entre a sensação que dela temos, isto é a ideia que se forma na nossa imaginação por intermédio dos nossos olhos e aquilo que existe nos objectos que produz em nós essa sensação, ou seja, o que está na chama ou no Sol, e que denominamos de Luz.”259

É evidente que se começa a desenhar logo aqui a desconfiança epistémica em relação aos dados dos sentidos, que marcará toda a metafísica cartesiana com um cepticismo metódico e com um dualismo antropológico bem conhecidos, mas não deixa de ser verdade que existe uma conexão íntima entre a luz que ilumina os objectos do mundo e os olhos que vêem o mundo através dessa luz que conseguem captar. Pelo que não será de estranhar que

258

«I'ay eu dessein d'y comprendre tout ce que ie pensois sçauoir, auant que de l'escrire, touchant la Nature

des choses Matérielles. Mais, tout de mesme que les peintres, ne pouuant esgalement bien representer dans vn tableau plat toutes les diuerses faces d'vn cors solide, en choisissent vne des principales qu'ils mettent seule vers le iour, & ombrageant les autres, ne les font paroistre, qu'en tant qu'on les peut voir en la regardant: ainsi, craignant de ne pouuoir mettre en mon discours tout ce que i'auois en la pensée, i'entrepris seulement d'y exposer bien amplement ce que ie conceuois de la Lumière; puis, a son occasion, d'y adiouster quelque chose du Soleil & des Estoiles fixes, a cause qu'elle en procède presque toute ; des Cieux, a cause qu'ils la transmettent; des Planètes, des Comètes, & de la Terre, a cause qu'elles la font refleschir; & en particulier de tous les Cors qui sont sur la terre, a cause qu'ils sont ou colorez, ou transparens, ou lumineux; & enfin de l'Homme, a cause qu'il en est le spectateur.», cf. Œuvres de Descartes – VI, op. cit., pp. 41-42.

259 «Me proposant de traiter icy de la Lumiere, la premiere chose dont je veux vous avertir, est, qu’il peut y avoir

de la difference entre le sentiment que nous en avons, c'est-à-dire l’idée qui s’en forme par l’entremise de nos yeux, & ce qui est dans les objets qui produit en nous ce sentiment, c'est-à-dire ce qui est dans la flâme ou dans le Soleil, qui s’appelle du nom de Lumiere.», cf. Œuvres de Descartes – Tomo XI – Le Monde. Description du corps humain. Passions de l’âme. Anatomica. Varia, op. cit., p. 3. Veja-se também o que dissemos já na secção 3 do primeiro capítulo desta tese.

101 urgisse a Descartes e a tantos outros investigadores da sua época estudar o fenómeno da visão ligado com o da luz, numa disciplina própria que teve então desenvolvimentos notáveis, a

Óptica. Sendo certo, porém, que o mundo visível que interessava aos homens de ciência era

não apenas o mundo quotidiano à sua volta, mas o mundo distante das estrelas e dos planetas, que a revolução astronómica em curso (a de Copérnico, de Brahe, Galileu e Kepler) tornava ainda mais fascinante, e também um “novo mundo”260 (que seria explorado por Hooke e potenciado por Leeuwenhoek), muito próximo mas invisível à vista nua, por ser demasiado ínfimo, era preciso estudar a tecnologia que permitisse ampliar as capacidades da visão humana de modo a alcançar essas novas dimensões macro e microcósmicas. Os interesses da óptica passavam então pelo estudo das lentes, com as quais se poderiam construir telescópios e microscópios eficazes, mas também pelo estudo dos espelhos, relevantes nomeadamente para a óptica geométrica e a perspectiva artificial. Por esse motivo, proliferaram a partir do dealbar do século XVII os tratados de óptica, sobre a propagação dos raios luminosos e a sua captação pela retina, de dióptrica, sobre o fenómeno da refracção da luz, nomeadamente, através de lentes, e de catóptrica, onde se estudava a reflexão da luz e a formação das imagens através de espelhos.

A tradição óptica e os perspectivistas

É preciso, no entanto, dizer que os estudos de óptica existiam já desde a antiguidade, tendo sido famosos e muito comentados os tópicos da Óptica de Euclides (ca. 280 a.c.) e de Ptolomeu (ca. 100-170) durante a época medieval, desde logo pelos autores árabes Al-Kindi (ca. 801-873), Ibn Sahl (940-1000) e Alhazen (965-1040)261 e pelos autores latinos Roger

260 A historiadora Svetlana Alpers cita e traduz o relato de Constantijn Huygens (o pai do célebre matemático,

físico e óptico Christiaan), incluído na sua Autobiografia (1629-31), sobre a experiência de olhar através de um microscópio e aí descobrir um Novus Orbis, o qual mereceria ser pintado por um grande artista como Jacques de Gheyn II, pintor e gravador holandês, que desenhara com grande minúcia e detalhe vários espécies da fauna e flora e que foi o autor do (alegadamente) mais antigo quadro do género vanitas : «Indeed, material objects that till now were classified among atoms, since they far elude all human eyesight, presented themselves so clearly to the observer’s eye that when even completely inexperienced people look at things which they never seen, they complain at first that they see nothing, but soon they cry out that they perceive marvelous objects with their eyes. For in fact this concerns a new theatre of nature, another world, and if our revered predecessor De Gheyn had been allotted a longer lifespan, I believe he would have advanced to the point to which I have begun to push people (not against their will): namely, to portray the most minute objects and insects with a finer pencil, and then to compile these drawings into a book to be given the title of the New World, from which examples could incised in metal» (sublinhado nosso). Cf. Alpers, S., The Art of Describing – Dutch art in the seventeenth century, The University of Chicago Press, Chicago, 1984, pp. 6-7.

261 O seu Kitab al-Manazir (Livro de Óptica) foi traduzido para latim nos finais do século XII ou inícios do

século XIII, como De Aspectibus ou Perspectiva, e muito influente nas épocas subsequentes. Sobre as teorias ópticas de Alhazen, em particular a sua nova teoria da intromissão da visão veja-se Lindberg, David C., Theories of Vision from Al-Kindi to Kepler, The University of Chicago Press, Chicago, 1976, pp. 58-86.

102 Bacon (ca. 1219-1292), John Pecham (ca. 1230-1292) e Witelo (ca. 1230-1275), os quais não se limitaram apenas a glosar mas fizeram importantes avanços nos seus respectivos tratados262. Aliás, da óptica dos antigos gregos para a da tradição medieval árabe e latina houve um importante salto, marcado pela ausência, entre os gregos, de uma concepção do olho enquanto instrumento óptico apto à formação de imagens e, por conseguinte, pelo aparecimento, com os medievais – sobretudo a partir de Alhazen -, de uma análise geométrica da função dióptrica do olho263. A partir do Renascimento, os problemas de óptica e as teorias da visão e da percepção ganharam também um novo fôlego com o envolvimento de arquitectos, escultores e pintores (nomeadamente, Brunelleschi e Alberti) na invenção da teoria da projecção em perspectiva – sobre a qual nos debruçaremos na próxima secção – que contribuiu com um novo modelo perceptivo do espaço visual e, sobretudo, com a possibilidade de representar com exactidão num plano bidimensional os objectos de estudo do mundo visível. No século XVI, destacar-se-iam ainda os trabalhos do abade siciliano Francesco Maurolico (1494-1575), sobre a interacção das luzes e das sombras projectadas nos e pelos objectos (Photismi de lumine et umbra) e sobre problemas de refracção em meios transparentes (Diaphaneon), e os do mago naturalista e polímato napolitano Giambattista della Porta (1535-1615), dedicados à análise dos raios luminosos refrangidos por lentes convexas (De Refractione) e ao aperfeiçoamento da câmara escura (Magiae Naturalis), os quais contribuíram para a divulgação desse instrumento e para a compreensão da analogia entre o seu funcionamento e o do olho humano264. Mas apenas no século XVII, a partir dos estudos de Johannes Kepler (1571-1630) relacionados com a astronomia (Ad Vitellionem

262 Sobre as teorias de Bacon, Pecham e Witelo e a sua contribuição para a síntese óptica do século XIII,

Lindberg, op. cit., pp. 104-121. As obras De Aspectibus de Alhazen e Perspectiva de Witelo foram compiladas, entre outras, em 1572, por Friedrich Risner, no Opticae Thesaurus, que foi a principal fonte sobre óptica “clássica” nos séculos XVI e XVII. Cf. Mancosu, Paolo, “Acoustics and Optics” in The Cambridge History of Science – volume 3 Early Modern Science, ed. by Katharine Park & Lorraine Daston, Cambridge University Press, Cambridge - New York – Melbourne, 2006, pp. 596-631, mas em particular p. 612, n. 41.

Ainda sobre a história da óptica na época medieval e depois na passagem do século XVI para o XVII, ver

Crombie, A. C., “Expectation, Modelling and Assent in the History of Optics: i Alhazen and the Medieval

Tradition; ii Kepler and Descartes”, in Science, Art and Nature in Medieval and Modern Thought, The Hambledon Press, London & Rio Grande, 1996, pp. 301-355.

263 Cf. Crombie, op. cit., p. 304: «The explanation of perception by the Stoic visual flux emitted from the eye, or

by the entry into it of the ready-made Epicurean images, or by some incorporeal process, made any geometrical analysis of the formation of images irrelevant. The technical capacity was there, but conceptually attention was directed elsewhere.»; mas também, Idem, ibidem, p. 316: « Historically most important of all was the adoption by Roger Bacon, especially in the Opus maius (completed by 1267), followed by John Pecham and Witelo, of Alhazen's geometrical model of the eye as an image-forming device. Witelo wrote his Perspectiva or Opticae libri decem (in 1270 or soon afterwards) as a compendium of Alhazen's Optica and provided jointly with the latter the essential account of the subject (eventually to be published by Risner in 1572 in one integrated volume) until the 17th century.».

264

A qual haveria de ser aceite e recuperada por Kepler. Cf. Mancosu, P., op. cit., pp. 612-613 e Crombie, A. C.,

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