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Além das fontes bibliográficas específicas da temática desta pesquisa, identifiquei outro canal de informações que colaborou bastante para que eu dialogasse com os dados obtidos das fontes primárias: reportagens divulgadas em sites, jornais e revistas ligados as restrições e degradações dos espaços naturais em função da implantação e expansão do investimento do negócio da residência secundária; fotos do local; e documentos (publicações em diário oficial, estatuto de entidades como a TurisAngra, orçamento de projetos de lazer implantados no bairro pela Secretaria de Esporte e Lazer com investimento financeiro do Condomínio Porto Frade).

3 O BAIRRO FRADE

“Por muitos anos eu tenho estado fascinado pelo que se poderia descrever como a sociologia de um lugar. Isto se desenvolveu a partir da preocupação de como as pessoas na verdade experimentam as relações sociais, aqueles que estão próximos, e aqueles que estão muito distantes, e como estas relações se cruzam”.

(JOHN URRY, 1995, p. 1)50

O bairro do Frade, assim chamado por abrigar um famoso pico de aproximadamente 1.700 metros de altitude, é um lugar que causa impacto pela forma como foi construído, isto é, com divisas ou demarcações socioespaciais bem acentuados, mas, sobretudo, com justaposições radicais nos diferentes modos de viver” (GUPTA; FERGUSON, 2007, p. 337). Na década de 1970 recebeu grupos oriundos de Estados variados como Espírito Santo, Minas e inúmeros da região do Nordeste. Em primeira instância, sua estrutura espacial pode ser considerada a partir de três grandes áreas: a da praia, a do morro e a do Condomínio. A área da praia é composta por residências com espaços externos amplos, e comumente observa-se um ou mais carros na garagem, assim como, equipamentos náuticos (jet-skis, barcos, botes, etc.). Nestas áreas também concentram-se o comércio51 e uma escola Estadual. Os espaços de lazer mais frequentados pelos moradores são a Praça Juca Mariano e dois clubes (Associação do Frade Futebol Clube e o Clube Ox OX Night, mais conhecido como o clube do Boboi).

A área do morro, assim reconhecida pelos moradores, é composta por cinco morros, são eles: Morro da Constância, Morro da Cunhambebe, Morro da Portugal, Morro da Jaqueira e Morro da Pedreira; as casas que compõem esta área são um sinal de contraste econômico em relação aos que moram na área da praia. As residências dos morros não possuem                                                                                                                                        

50 For many years I have been fascinated by what one could describe as the sociology of place. This developed out of

a concern with how people actually experience social relations, both those which are relatively immediate and those which are much more distant, and how these intersect.

51 TIPOS DE ESTABELECIMENTOS: Bar-lanchonete (4); Restaurante self service (1); Loja de roupa (11); Casa de Ração (1); Farmácia (2); Loja de material para festas infantis (1); Consultório dentário (3); Loja de doces (1); Açougue (1); Mercado (1); Padaria (1); Hortifruti (1); Loja de brinquedos (1); Loja de equipamentos náuticos, caça e pesca (1); Loja de presentes (1); Loja de TV a cabo (1); Salão de cabeleireiro (2); Loja de louças e utilidade para o lar (1); Loja de equipamentos para informática (1); Loja de telefonia celular (1); Brechó de móveis usados (1); Autoescola (1); Estúdio de tatuagem (1); Banco (2).

espaços externos, reboco e formam um aglomerado típico de favelas localizadas nas regiões periféricas das grandes cidades. Nesta área também está localizado um posto de saúde, duas escolas Municipais e estabelecimentos comerciais. Por fim, temos a área do Condomínio, que apesar de estar situada no mesmo bairro, é separada pelo Rio do Frade, que delimita as áreas da praia e a do Condomínio Frade, de cuja área só se pode visualizar tomando por base um ponto de referência: a praia do Frade. A partir deste ponto, identificamos um muro que separa a praia dos moradores locais da praia dos residentes secundários, diversas mansões, lanchas e iates. A Figura 5 propicia uma ideia da estrutura espacial do bairro:

Figura 5: Imagem aérea do Bairro Frade: divisões socioespaciais entre Vila e Condominio. (Fonte: Google Map. Imagem modificada pela autora. Acesso em: 15 dez. 2011).

Essa breve descrição, construída a partir de observações realizadas na primeira etapa desta pesquisa, é parte de diversos textos elaborados anteriormente com o objetivo de propiciar uma percepção da dimensão socioespacial do bairro Frade. No entanto, decidi reescrevê-lo, e ao fazer isso, percebi o quanto sua exposição no início deste capítulo seria pontual para eu abordar um meio de refletir a respeito da etapa de produção do texto.

Abrangendo estágios que vão desde as interações com o lócus até o formato ou estilo de comunicação do texto (RABINOW, 2007, p. 450), tal reflexividade foi desencadeada por duas razões. Uma, porque a descrição exposta apesar de me remeter a outros bairros situados em Angra dos Reis (Praia Vermelha, Bracuí, Mombaça, entre outros), retratando uma fatia do padrão espacial da cidade, não deixava claro os acentuados traços das peculiaridades daquela localidade. Outra, o estilo da escrita assemelhava-se ao de outras produções científicas já realizadas no local (SANTOS, 2009; CARDOSO, 2005), ou seja, embora o texto contemplasse dados válidos e relevantes, eu enxergava uma lacuna na comunicação de aspectos “latentes ou mascarados” no locus (CRAPANZANO, 1986, p. 51), captados por mim. Essa situação me levou a repensar não somente a forma de escrever, como também os critérios de seleção das informações registradas em diário de campo e das entrevistas incorporadas ao texto.

Nesse ínterim, algumas leituras voltadas para a produção textual (EMERSON; FRETZ; SHAW, 1995; MAANEN, 2011; ROBBEN, 2007; CLIFFORD; MARCUS, (1986), vieram ao encontro de um questionamento, direcionado a mim numa conferência, por um pesquisador interessado no locus desta investigação: “Ana, em sua apresentação gostaria de saber como é caminhar pelas ruas do Frade? Como é um condomínio composto de residências secundárias?”52

Após esse episódio, passei semanas digerindo a pergunta e notei que a lacuna na maneira de expressar ou comunicar a pesquisa (de forma verbal e escrita) vista pelo pesquisador, possivelmente era fruto de uma tentativa de distanciamento dos afetos ou dos efeitos gerados em mim durante as minhas interações com o campo (registrado em diário). Este tipo de reação que influencia o resultado final do texto é o que Davies (2008, p. 7) chama de “reatividade”, e tem sido alvo de debates centrados em um fator, qual seja a subjetividade do pesquisador. De uma maneira geral, observa-se em pessoas envolvidas com pesquisa um esforço em reduzir ao máximo sua presença no campo, fato este, que justifica a produção de textos com ênfase numa retórica objetiva, valorizando em demasia a apresentação de dados (como o texto apresentado no início deste capítulo).

Neste sentido, cabe assinalar que a construção de realidades explorando os encontros do pesquisador com o campo e a incorporação dessas circunstâncias ao texto, ainda é um fator de difícil trato, ou nas palavras de Robben (2007, p. 385), ainda é visto como “um                                                                                                                                        

preconceito de escrita”, e assim, relegado ao segundo plano. Foi com base nestas reflexões e observando atentamente os diversos textos previamente elaborados, vistos e revistos nas orientações desta pesquisa, que resolvi dar voz ao que em essência diferencia a minha descrição do bairro Frade.

Expressando-me metaforicamente, em vez de apresentar uma visão do bairro por meio de um sobrevôo, pretendo me valer de uma caminhada em seus entremeios, enxergando os detalhes e acontecimentos com mais proximidade. Em outras palavras, a análise sistemática dos dados cedeu lugar à “invenção ad hoc” (CLIFFORD, 2007, p. 477), ou seja, formulada a partir de uma intenção particular diante da minha presença no locus.