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“A melhor maneira de aprender o que está dentro e fora dos procedimentos de pesquisa é tentando por você mesmo” (FIELDING, THOMAS, 2001, p. 131)48. Esta frase reflete o que de fato, procurei cultivar nos momentos difíceis e de dúvidas durante as interações com campo, ou seja, só se aprende a fazer pesquisa pesquisando. Nesse sentido, leituras, reflexões, ajustes e reajustes, foram necessários para eu entender que a entrevista nada mais era que um instrumento delineado inteiramente a partir do contexto do campo. Isso significa dizer que, as temáticas formuladas pré-campo (inseridas no projeto de pesquisa), ganharam outra dimensão e foram reformuladas a partir das circunstâncias reais do cotidiano.

Dessa forma, do planejamento inicial, mantive apenas o tipo de entrevista pelo qual eu havia optado: “entrevistas abertas”, delineadas sob uma temática ou tópicos, cuja função era nortear o diálogo. Ao operacionalizá-las, observei que dois fatores influenciavam o ato de entrevistar: a percepção do entrevistador do tempo em que o entrevistado necessita para expressar suas ideias, e ao mesmo tempo, a manutenção do diálogo dentro do tema em questão.

Os Temas abordados e interlocutores – A princípio, os entrevistados previstos

eram moradores locais, residentes secundários e instituições privadas e públicas; já a temática versava sobre os momentos em que estes grupos compartilhavam o lazer (práticas de lazer), e os tópicos variavam entre o tipo de prática de lazer e o local onde essas práticas de lazer ocorriam. Para isso, eu me baseava em uma realidade da qual de fato eu tinha detinha conhecimento, ainda que me fosse desconhecida sua profundidade. Conforme as interações com o campo aconteciam, eu passei a estreitar relações com lugares e grupos específicos (por exemplo, praia e praça, moradores locais, moradores locais barqueiros e moradores locais comerciantes), o que fez com que eu percebesse a existência de duas dimensões do lazer no bairro. Uma baseada na restrição de acesso aos espaços naturais e n a extinção de determinadas práticas de lazer (como o caiaque e windsurfe na praia do Frade). Outra, que concedia o acesso a práticas de lazer, baseado na relação social construída entre residente secundário e morador local (golfe e pesca). Tal percepção contribuiu para eu enxergar um tipo de subdivisão, ou de desmembramento da categoria ‘moradores locais’, que funcionou como ponte, levando-me a novos temas, tópicos e grupos e mostrou-se parte de um cotidiano do                                                                                                                                        

lazer no bairro Frade, regido por um mecanismo de ajustes, restrições, controle e acesso (ou proibição dele) de um espaço com base em leis constituídas (que apenas eles reconhecem) por estes grupos.

Um fato claro, que expressa essa situação é o surgimento da categoria de moradores locais que trabalham como barqueiros (transportando pessoas da Vila do Frade para outras praias e ilhas), que a posteriori desmembraria-se em duas categorias de morador local: pré-década de 1970, conhecedor de práticas náuticas, e pós-década de 1970, também conhecedor de práticas náuticas. Os moradores locais inseridos nessas categorias contribuíram para eu captar a dimensão do lazer na Vila do Frade, baseada na restrição do acesso dos moradores locais aos espaços naturais. Assim, um grupo de moradores locais migrantes, pós- década 1970, que trabalham com práticas náuticas, detinha informações sobre o que eles chamam de ‘intimidação’ (estratégias e regras informais impostas pelos condomínios).

Nesse caso, os moradores locais da referida categoria passaram a ocupar uma posição de interlocutores-chave neste estudo, conduzindo-me a outras duas instituições: a Capitania dos Portos (a instituição aparece no diálogo) e o Inea, que implicitamente estão envolvidos com a discussão da praia no que tange à dimensão de espaço público ou privado. Exponho aqui a passagem de uma entrevista, com a explicação de um barqueiro sobre o que comumente acontece quando grupos externos aos condomínios tentam usufruir das praias:

Começando pelo barco grande que nem o meu né, já não chega na praia do hotel (e condomínio) porque que a praia já foi projetada com banco de areia na frente, que é pra não chegar barco grande e não encostar as pessoas na praia, isso é um projeto que eles já fizeram. Tem um banco de areia e meu barco já fica agarrado ali. Agora um bote dá pra ir lá na beira da praia, só que existe esse problema que o pessoal não quer, né. Eu chego com meu barco ou com qualquer bote, numa ilha que tenha praia ou construção, aí o que os pessoal fazem, os empresários? A primeira coisa que ele faz é ligar pra capitania alegando, eu estou com um pessoal suspeito aqui na praia, até inclusive já fui assaltado aqui, da pra vocês darem uma averiguada pra mim aqui, que eu tô com medo. A capitania neste ponto são muito organizados, eles vêm na hora, se você chamou, eles vem (Entrevistado n. 10, em 07/02/2010).

A circunstância que me conduziu à entrevista – Conheci o barqueiro que

relatou a situação acima, após três visitas ao cais da Vila do Frade, local em que alguns barcos encontram-se ancorados para fins profissionais e de lazer (moradores locais pescadores, e barqueiros que fazem transporte de pessoas e de carga pesada). Tendo como base as experiências de três finais de semana nos quais desloquei-me em diversos barcos disponíveis na

praia do Frade para levaram pessoas para a Prainha (ilha situada em frente à praia da Vila, embora também faça parte do bairro Frade), observei que este tipo de transporte já havia se configurado como tipo de trabalho informal, realizado por grupos de moradores, em sua maioria, e em finais de semana. Em dias comerciais da semana estes barqueiros não se prestavam a este tipo de transporte, porém, muitos deles concentravam-se no cais, fazendo reparos e manutenção nos seus barcos.

Nesse sentido, a percepção da dinâmica de trabalho deste grupo foi a porta para eu procurá-los, a fim de conversar. Ao chegar ao cais num dia de semana, de imediato, vi três barqueiros dentro de seus barcos e tentei uma aproximação, apresentando-me como pesquisadora interessada no tema do lazer dos moradores locais do bairro. Minha abordagem inicial concentrou-se na profissão da pesca: o que a pesca representava para as pessoas que moravam na vila, se esta atividade era predominante dos profissionais que trabalhava com barcos, enfim, fui extremamente bem vinda. Percebi que eles se interessaram em falar do assunto e quando iniciei o assunto sobre a questão da poluição da praia da Vila do Frade, e o fato da população ter que se deslocar para outra praia, o interesse do grupo aumentou.

Os três barqueiros, como num comum acordo, começaram a relatar a lógica da restrição de acesso à praia mencionada na citação acima, numa conversa que durou em média uma hora. Naquele momento, enxerguei neste grupo pessoas que poderiam desempenhar o papel de interlocutores centrais para esta investigação, pois eles demonstraram “autoridade sobre aspectos específicos da sociedade deles” (DAVIES, 2008, p. 89)49. Assim, foi em um ambiente propício que vi a oportunidade de perguntar ao grupo sobre a possibilidade de um deles me conceder uma entrevista a respeito dos assuntos conversados. Justifiquei a relevância disso, como parte do aprofundamento de questões relacionadas à pesquisa. Quanto a isso, todos demonstraram interesse em colaborar, mas devido à demanda de horários pessoal de cada entrevistado (compromissos pessoais), agendei uma entrevista apenas. O diálogo com os barqueiros e a decisão de propor uma entrevista reportou-me a Davies (2008, p. 89), pois enxerguei esta circunstância de interação como “uma mutua procura de entendimentos, de pontes ou mediações entre o mundo social do informante e do etnógrafo”. Elaborei o diagrama (Figura 3, adiante) com o objetivo de ilustrar este processo ao leitor.

                                                                                                                                       

Gerenciamento das entrevistas – Considerando o panorama dos contatos

originados das interações em campo, as 27 entrevistas foram realizadas em lugares variados: praias, praças, gabinetes oficiais, clubes, e gravadas em equipamento eletrônico digital. Como procedimento ético, os diálogos com todos os entrevistados precederam de esclarecimento dos seguintes pontos: o sigilo da identidade, o armazenamento das informações, a relevância do consentimento livre esclarecido e o possível uso das informações para publicações futuras. O modelo do consentimento livre esclarecido foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas e consta num dos anexos desta tese. Com o objetivo de situar o leitor em relação às falas dos entrevistados, mas também, manter sigilo em relação à identidade dos mesmos, elaborei outro diagrama (Figura 4, adiante) informando a numeração relacionada à categorização de cada entrevistado.