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Em agosto de 2008 quando ingressei no Programa de Pós-Graduação da Unicamp, não havia dúvidas em relação ao campo de investigação, desta pesquisa, ou seja, a cidade de Angra dos Reis. Contudo, somente em agosto de 2009 optei por um local específico, que tivesse uma profunda relação com as questões-problema deste estudo, para então, eu iniciar as interações com o campo. Naquela época, eu estava convencida de que o bairro Frade era o local que representava um microcosmo dos dilemas que delinearam a problemática desta pesquisa.

cidade e com uma população aproximada de 20.000 habitantes, o bairro abarca o primeiro e o maior condomínio de residência secundária da região. Na década de 1970, o bairro se firmou como um dos maiores pólos de concentração de trabalhadores que se deslocaram de outras regiões do Brasil, para tentar iniciar a vida em um local que lhes propiciasse condições econômicas de renda atrativa. No entanto, ao findar o fluxo das faraônicas obras realizadas na região (rodovias e usinas nucleares), o Condomínio Porto Frade, foi colocado como foco dos moradores locais (principalmente do bairro Frade) em termos de trabalho, no ramo da construção civil e serviços no setor privado do lazer, para atender aos residentes secundários. Diante desse novo quadro de ofertas, que aparentemente configurava-se pelo trabalho, inúmeras obras foram realizadas para atender a uma “estrutura de lazer” específica (das práticas náuticas) voltada para a expansão da residência secundária, mas, que em contra partida afetaram o meio ambiente (praias e mangues) e restringiram o acesso dos moradores locais aos espaços naturais do entorno.

Esta realidade me instigava a enxergar uma oportunidade ímpar para vivenciar situações que, de certa forma, guardavam nuances com outras áreas da região de Angra dos Reis, ou seja, a entrada do setor de turismo - predatório ao meio ambiente - que provocou assim, a segregação dos espaços, também refletiu-se nos bairros Bracuí, PraiaVermelha e Mombaça. Em outras palavras, esse modelo segregacionista dos espaços implantado no Frade, pode ser expresso em uma frase que certa vez, ouvi em minhas interações com o campo: “os condomínios têm uma característica; todos foram instalados de frente para o mar e com as costas para as favelas” (Diário de Campo, 15/04/2012).

Tendo em vista o exposto, havia um fator extremamente relevante que me aproximava do Frade, qual seja: a oportunidade de obter acesso a lugares e a informações que favoreceriam as interações com o campo. Da mesma forma que eu encarava esta situação como uma vantagem, considerando o aspecto operacional da pesquisa, eu também tinha inúmeras dúvidas quanto à forma de administrar o meu envolvimento pregresso com o campo. Todavia, refletindo a respeito de questões de cunho dinâmico, como por exemplo, o cronograma que eu tinha que cumprir para finalizar a pesquisa, assumi então, o desafio de aprender a lidar com a escolha intencional de um campo de pesquisa (RITCHIE; LEWIS; ELAN, 2011). Esse tipo de opção requer do pesquisador a percepção dos possíveis usos que ele pode fazer não só do conhecimento pregresso daquela realidade, como também das redes de relações que ele constituiu anteriormente. A partir daí é necessário que o pesquisador esteja atento a respeito das mediações

que ele precisa fazer entre, as vantagens, adquiridas por ter pertencido a uma rede de relações em uma determinada época, e as situações inesperadas surgidas naquele contexto, que na verdade, se configuram para ele como uma nova experiência. Em suma, trata-se das interações experimentadas com um lugar já explorado anteriormente, agora no papel de pesquisador.

Uma vez conformada a opção pelo bairro Frade, questões relativas a reflexividade vieram a tona: como os pesquisados me enxergavam? Quais os aspectos favoráveis e desfavoráveis da identidade que construí em termos de acesso às informações? Como interagir com minha biografia pessoal? Obviamente tais questões perpassaram todas as etapas da pesquisa, mas para ilustrar, quero comunicar duas, essenciais, que serviram como vetor inicial para a aplicação das técnicas de observação e entrevistas, opções que fiz para adquiri os dados primários.

O primeiro fato ocorreu anterior a minha presença física no campo, quando contactei por telefone o dono de uma pousada situada no Frade. Minha pretensão era permanecer naquele local por todo o período de observações. Após uma conversa agradável, versando sobre minha adaptação de vida em outro Estado, o dono me concedeu um desconto que suplantou minhas expectativas. Nesse dia, logo ouvi a mensagem mais significante: “Paulinha, eu vou negociar este valor porque é para você. Eu sei que você está precisando, isso é para os seus estudos e eu nunca esquecerei que você foi professora das minhas filhas” (Diário de Campo, 23/10/2009).

Já o segundo fato surgiu de um diálogo face a face com um morador local na praia, em pleno verão, na primeira etapa da pesquisa. Ao observar o morador local jogando frescobol com um grupo, aguardei o término do jogo e dirigi-me a ele dizendo estar interessada no lazer do dia a dia dos moradores locais. Ele mostrou extrema atenção, o que me encorajou para falar do tempo que eu estava hospedada no Frade, e do meu intuito em desenvolver uma pesquisa. Naquele momento, a resposta do morador local me impactou, mas, para além disso, me fez perceber o outro viés da identidade que construí com o campo ao longo dos anos, quando ele disse:

Vem cá, você não é uma professora de Educação Física que trabalhava no Condomínio do Frade só pros ricos [interpreta-se ricos como residentes secundários]? Você não era moradora do Condomínio Bracuhy? Eu lembro de você, você está muito diferente, você mudou muito, eu achava você muito sebosa, metida (Diário de Campo, 09/01/2010).

Os acontecimentos transcritos deram-me elementos para eu interagir com o campo considerando três vertentes. Uma da professora de Educação de Física de uma Escola Estadual

situada na região, que se mudou da cidade com o objetivo de investir na carreira. Outra, da professora de Educação Física coordenadora de lazer do Condomínio Porto Frade, que desempenhou um trabalho para um grupo privilegiado economicamente, e que possivelmente ligava a minha imagem a uma atitude pedante. E por último, a moradora local que também residia num outro condomínio, não do porte do Condomínio Porto Frade, mas que também situava-me numa posição social diferenciada dos moradores locais dos bairros de Angra dos Reis. Outro ponto importante, a ser ressaltado, é o fato de que o meu não reconhecimento de pessoas ou grupos em campo, não significa que eu não fosse reconhecida pelos mesmos. Enxerguei estas e outras variações, com as observações de possíveis grupos envolvidos com a pesquisa.

Em minhas análises, passei a lidar com dois feedbacks, um que me remetia à condição de pesquisadora-observadora ‘bem vinda ao bairro’ e outro que me colocava numa posição de quem está sendo‘observada`,‘analisada’. Essa reflexão foi decisória para eu entender, que apesar da minha intenção de pesquisa ter com partida o morador local e os residentes secundários, por meio das práticas de lazer, as primeiras observações em campo deveriam partir do local em que eu tinha menos interações (a Vila do Frade) para sítio de maiores interações (Condomínio).

Durante as observações, também me deparei com habilidades necessárias para o trato com esta pesquisa, em especial. A minha facilidade de me relacionar socialmente com grupos num primeiro relance, foi das habilidades afirmadas. Sem me ater a questões relativas à personalidade, (já que não é este o caso) o fato é que, a comunicação espontânea, despojada, aliada a uma total entrega do que se pretende pesquisar tornou-se chave durante minha estada no campo.

Dessa forma, eu tinha conhecimento da importância dessa habilidade, mas só alcancei uma reflexão mais apurada após a terceira etapa da pesquisa. Uma leitura em particular, aproximou-se de diversas situações que experimentei em campo. Davies (2008) aborda exatamente essa questão. Para a autora, a pesquisa etnográfica depende da interação social.

Algumas interações ocorrem com indivíduos que detém conhecimentos específicos, que precisam ser interpretados num geral coletivo ou em termos de estrutura. A maior parte das interações entre etnógrafos e outros indivíduos serão verbais ou em conversas informais por meio de questões e entrevistas. Os informantes são de central importância no estudo, porém a interação construída entre o pesquisador com estes indivíduos, influenciará o acesso a outras portas de

aproximação com outros informantes-chave, e, além disso, firmarão a aproximação com os outros (DAVIES, 2008).

Foi com base nessa forma própria de agir, que compartilhei momentos particulares do lazer com os moradores locais e residentes secundários, possível somente a quem estes grupos permitem penetrar em seu ambiente. Davies (2008) deixa bem claro em seu texto, “você escolhe o informante, mas você também é escolhido”39. Neste ponto, o exercício de reflexão e autointerrogação no tocante às minhas preconcepções serviu não só pra eu observar, mas também interagir com as ambiguidades expressas no lazer do morador local, do residente secundário e de instituições envolvidas. A exemplo disso, cito o convite que recebi dos moradores locais para acompanhar um torneio de golfe organizado por eles e patrocinado por residentes secundários nas dependências internas do Condômínio Porto Frade. Em contrapartida, também fui introduzida à logística que os moradores locais desenvolveram para fruir seus momentos de lazer na praia devido às restrições de acesso estabelecidas informalmente pelo Condomínio Porto Frade.