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Capítulo II Alaripu: O desabrochar da dança hindu no Brasil

II. 3.2.1.3 “A Dança da Mohini” (2002)

A Dança da Mohini é, sem dúvida, uma montagem atraente, seja pela graça e suavidade dos movimentos, seja pela expressividade e virtuosismo de dançarina Aglaia Azevedo. A bailarina expressa o desejo por seu amado e diversas emoções de forma muito nítida através da expressão facial e corporal. O cenário, com diversos desenhos de flores, imagens de divindades e diversos tecidos indianos coloridos, evoca fortemente o universo indiano. A trilha musical também colabora para a evocação deste ambiente indiano. O espetáculo também estabelece um diálogo entre os estilos Kathakali e Mohini Attam, com o predomínio deste último.

Na realização dos espetáculos, Almir e Aglaia são cautelosos na escolha dos locais de apresentação. Nunca pensaram em realizar apresentações em restaurantes ou ambientes que não ofereçam condições para a concentração (segundo Almir, uma das condições fundamentais para apresentações de dança hindu). Para ele, seja o espetáculo apresentado em um teatro ou em um shopping

center, o palco deve ser preparado e organizado conforme as prescrições do Natya Shastra.

II.3.2.2 Apresentando Silvana Duarte

Silvana Duarte (Fig. 6) é diretora artística do Instituto Padma – Arte e Cultura. Esse instituto promove workshops, cursos, seminários, palestras e eventos para a compreensão e apreciação das artes performáticas tradicionais e contemporâneas da Índia e também produz espetáculos de dança clássica hindu. Silvana Duarte leciona e apresenta a dança Odissi há 12 anos. Concluiu sua formação em balé clássico pela Royal Academy of Dance na cidade de Campinas (SP). Na Índia, recebeu treinamento inicial em dança Odissi na cidade de Bangalore (sul do país), com as professoras Protima Bedi, Surupa Sen e Bijayini Satpathi. Mais tarde, transferiu-se para Nova Délhi, onde continuou seus estudos com o Guru Oryia Shri Ramani R. Jena e Sharon Lowen.

No Brasil, promove o intercâmbio cultural com a Índia coordenando a visita de artistas indianos da dança Odissi. Realiza apresentações solo, workshops, palestra-demonstração e cursos, e também coordena um grupo amador de dança Odissi na cidade de São Paulo. Seu trabalho estende-se também à criação da primeira revista especializada em dança indiana publicada no Brasil.56

A trajetória de Silvana na dança indiana teve início em uma viagem a Índia motivada por uma busca espiritual. Buscou a realização pessoal em diversas correntes religiosas no Brasil, como ela mesma resume: “procurei Deus em todas

56 É notável a pequena produção literária e acadêmica dos profissionais de dança hindu no Brasil. Além da

as religiões”.57 Casada, teve seu filho aos 19 anos de idade, mas não se conformava em levar uma vida simplesmente dedicada ao lar. Estudou balé clássico e moderno e ministrou aulas de balé. Depois de 10 anos, perdeu o interesse pelo balé e optou pelo Yoga. Fechou sua academia de balé em 1992, pois o balé não oferecia para sua inquietação existencial. Decidiu viajar à Índia para conhecer o mestre Sathya Sai Baba.

Quando estava no ashram de Sai Baba, Silvana teve a oportunidade de assistir a uma apresentação da dança estilo Kuchipudi, que a impressionou profundamente. Naquela apresentação, a expressão de tamanha alegria, devoção e fé da bailarina indiana a impressionaram muitíssimo. Silvana percebeu assim que a dança era uma arte que também poderia ser vivenciada de forma espiritual, na qual o ser humano poderia se expressar plenamente.

Ao retornar da Índia, começou a pesquisar as danças clássicas indianas. Certo dia, em sua casa, assistiu a um videoclipe de Michael Jackson, no qual havia algumas inserções de dança Odissi realizadas no templo indiano do Estado de Orissa. Pesquisou sobre este estilo e depois de algumas semanas, matriculou- se em uma academia de dança Odissi “Nrityagram – aldeia da dança”,58 situada na região de Bangalore. Sem receber qualquer resposta, arriscou e viajou para a Índia e foi aceita como aluna de dança Odissi nessa academia.

Entre 1994 e 1996, estudou em Nrityagram e, de 1997 a 1998, no Triveni Kala Sangam Theatre, em Nova Délhi, sob a orientação do renomado guru de Odissi, Ramani Ranjan Jena. Entre 1994 e 2001 visitou a Índia anualmente, permanecendo de dois a três meses a cada viagem, aperfeiçoando-se e aprendendo novas coreografias com seus mestres.

No Brasil, Silvana fundou um centro cultural, Padma – Arte e Cultura, onde ministra aulas de dança e também realiza apresentações. Ela possui vasto

57 Entrevista realizada em dezembro de 2002.

58 Existem hoje dois modelos de academias de dança na Índia. Um é como a Nrityagram, onde Silvana

estudou o Odissi. Nesse modelo os alunos são retirados da sociedade aos 18 anos de idade, com o consentimento e apoio dos pais. Os alunos permanecem nesse centro até se formar. Esse modelo remete à idéia de ashram, a antiga escola tradicional da Índia. Esse modelo está quase extinto, pois não permite a realização de trabalhos ou estudos paralelos. Outro modelo, hoje mais difundido e praticado, é o de escola moderna. Os alunos vão para o centro de estudos duas ou três vezes por semana, tendo os horários da aula definidos. Esse modelo oferece a possibilidade de realizar outras atividades.

conhecimento da origem e desenvolvimento da dança hindu, principalmente do estilo Odissi. Ecoa nas suas palavras o desejo de continuar a tradição da dança hindu no Brasil:

Tenho 39 anos, portanto uso a dança no contexto justo. Ela não é um entretenimento, ela é sagrada e merece respeito da nossa parte. Não permito que meus alunos dancem em lugares inadequados: bares, hotéis ou os ambientes de bebidas alcoólicas.59

Ela passou por uma experiência de constrangimento quando foi convidada para uma celebração de grande importância. Enquanto realizava a oração inicial a Ganesh, como exige a tradição da dança, encontrou um copo de uísque perto da imagem da deidade. Além disso, percebeu que no lugar da apresentação as pessoas caminhavam com os pés calçados. Durante a apresentação, os convidados comiam e bebiam e não tinha a menor noção do que estava acontecendo. “Eu me senti muito mal por ter aceitado aquele convite. Nunca mais farei isso”.60

Um elemento muito importante a ser percebido no trabalho de Silvana Duarte é o repertório. Um espetáculo de Silvana é composto de apenas quatro danças, diferente de uma apresentação tradicional hindu, que inclui sete danças. Essa modificação se deve às diferenças de ambiente cultural e de público. No Brasil, a platéia é mais impaciente e exige que tudo seja mais rápido. Outra modificação introduzida por Silvana é a inclusão de uma pequena palestra sobre a dança: do que se compõe, sua estrutura, os mudrás, etc., para colocar o público à par da tradição. Muitas vezes, durante o intervalo da apresentação, é exibido um pequeno vídeo sobre o Estado de Orissa, local de origem do estilo Odissi.

As coreografias de Silvana são elaboradas exclusivamente sobre músicas clássicas indianas. Em seu repertório, não utiliza nem músicas brasileiras nem estão presentes temas da cultura brasileira. Hoje, ela considera a dança como sua religião e a realiza com muito amor e carinho: “Cada gesto da dança carrega o

foco para dentro de si. Portanto, os gestos devem acontecer de verdade”.61 Ela

59 Entrevista realizada em 2002. 60 Idem.

afirma que encontrou sua verdadeira identidade durante a aprendizagem da dança Odissi, e sua identidade social por meio das apresentações: “Eu compreendo primeiro o meu interior, depois quero transmitir isso aos outros através da

performance.”62

Silvana Duarte tem apresentado a dança Odissi no Brasil, na Índia e na Argentina. Em 1997 e 98 recebeu homenagem do Consulado Geral da Índia em reconhecimento pelo seu talento e contribuição em promover a dança clássica indiana no Brasil. Em março de 2006 foi premiada pelo Indian Council for Cultural Relations (ICCR), que organizou duas apresentações em Nova Délhi. Sua performance-solo foi gravada e apresentada pela rede nacional de televisão da Índia – a Doordashan. Silvana já produziu seis espetáculos. A seguir, discorreremos acerca de dois deles.

II.3.2.2.1 “Mahadevi Upasana, seguido de Moksha, através do divino