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Capítulo II Alaripu: O desabrochar da dança hindu no Brasil

II.3 A importação da dança hindu pelo Brasil

A divulgação da dança hindu no Brasil acontece de modo mais efetivo somente a partir da iniciativa de artistas brasileiros que foram à Índia para aprofundar seus conhecimentos e tiveram uma formação dentro do sistema tradicional indiano. Antes de partir para a Índia, eles pesquisaram a dança hindu em livros, revistas, documentários e filmes indianos. Alguns participaram das oficinas ministradas por dançarinos indianos em São Paulo. Outro fator importante que os influenciou foi o contato com as manifestações religiosas e culturais indianas que já se faziam presentes no Brasil.

II.3.1 Contextualização

Enquanto a introdução da dança hindu no Brasil, como verificamos acima, deve-se à imigração indiana, seu estabelecimento e divulgação só foram possíveis porque havia um contexto propício. Esse ambiente receptivo à cultura indiana havia sido criado por dois fatores. O primeiro são as manifestações de chamada Contracultura, durante a década de 1960. O segundo, fortemente condicionado e

inter-relacionado com o anterior, é a entrada de diversas manifestações religiosas e culturais indianas.

II.3.1.1 Contracultura

O termo “Contracultura” foi inventado pela imprensa norte-americana nos anos 60 para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram nos Estados Unidos e em várias partes do mundo: “é um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades do Ocidente” (PEREIRA, 1984, p. 13).

A Contracultura está relacionada a movimentos contestatórios formados basicamente por jovens das classes médias urbanas que buscavam modos alternativos de vida. Como afirma Carlos Alberto Messeder Pereira,

(...) corriam os anos 60 e um novo estilo de mobilização e contestação social, bastante diferente da prática política da esquerda tradicional, firmava-se cada vez com mais força, pegando a crítica e o próprio sistema de surpresa e transformando a juventude, enquanto grupo, num novo foco de contestação radical (PEREIRA, 1984, p. 7).

Percebe-se que o efeito da Contracultura refletiu-se nas esferas religiosa e cultural. Na esfera religiosa, uma transfiguração da velha ordem que até então era sustentada pela tradição religiosa do Ocidente. Cria-se então uma situação de mercado na qual os fiéis encontram sempre várias opções religiosas. Dentro desse leque de ofertas existe sempre a possibilidade de uma ruptura mais radical com a realidade vivida. Precisamente nesta época as manifestações de espiritualidade oriental aparecem e atraem uma significativa camada da população, o que determina, de certo modo, uma ruptura com as religiões tradicionais.

No plano cultural, a Contracultura foi um fenômeno mundial, cujos focos de manifestação foram grandes centros urbanos como Londres, São Francisco, Paris, e Amsterdã. Vale lembrar aqui que dois músicos brasileiros muito influentes,

Gilberto Gil e Caetano Veloso, viviam nessa época em Londres, onde entraram em contato com o movimento em uma fase bastante madura. Percebemos que, quando esses artistas retornaram ao Brasil, promoveram a adaptação das propostas da Contracultura à realidade brasileira. Em muitas músicas percebemos a presença, embora sutil, de elementos orientais, seja no aspecto puramente musical (uso de cítara indiana – sitar -, por exemplo), seja nos textos das canções.

No Brasil na década de 1960 encontramos dois movimentos que se dirigem para direções opostas. Por um lado, a sociedade brasileira - fortemente conduzida pelas iniciativas governamentais - concentrou-se no progresso, desenvolvimento e modernização. A concretização destes ideais é a construção de Brasília.

O segundo movimento encontra-se vinculado ao plano religioso, no qual as religiões tradicionais brasileiras, especialmente o Catolicismo, experimentaram um estágio de estagnação e já não conseguiam fornecer respostas para a inquietação espiritual de uma camada da população. Por exemplo, os jovens impelidos pelo progresso e modernidade procuravam uma espiritualidade que viesse ao encontro de seus anseios. Além disso, o modo de ser moderno os privou de uma vivência religiosa mais profunda dentro do ambiente familiar. Citando Eliade, Silas GUERREIRO aponta para o fato de que a renovação do interesse pelo ocultismo e pelas novas religiões surge no interior das camadas urbanas e que "a maior parte dos membros dos novos cultos ignora quase completamente sua herança religiosa, mas sente-se insatisfeita com o que viu, ouviu ou leu sobre o Cristianismo" (GUERREIRO, 2001, p. 46)

Dentro desse contexto, e na tentativa de buscar o novo sentido para a vida, a camada insatisfeita começou a construir “comunidades ecológicas”, principalmente rurais. Esse "reencantamento" representava uma tentativa de encontrar uma vida plenamente significativa, contrastando com o aparente mundo “acelerado” e sem sentido da sociedade industrial. Podemos afirmar que a Contracultura contribuiu para uma mudança no paradigma cultural ou uma mudança na atitude religiosa sustentada através de uma prática de muitos séculos. Durante esse período, o Brasil experimentou a penetração de alguns movimentos orientais, principalmente do Hinduísmo e o do Budismo (este, em seu molde de religião de conversão).

Assim, como resume Theodore Roszak referindo-se ao Ocidente, notava-se na sociedade brasileira que “...a cultura ocidental começa a se assemelhar profundamente com o prostíbulo religioso do período helenístico, onde toda espécie de mistério e impostura ritual e rito misturavam-se com espantosa indiscriminação” (ROSZAK, 1972, p. 147). Vale lembrar que a religiosidade oriental é apenas um dos elementos dentro do grande mosaico que é a Contracultura, do qual também fazem parte esoterismo, práticas oraculares, misticismos das mais variadas matrizes, uso de drogas, terapias naturais, medicina alternativa, macrobiótica, valorização da vida no campo, vegetarianismo, "retorno" à natureza e muitas outras manifestações. Jane Russo, em sua análise dos terapeutas corporais, aponta que “o grupo é constituído de uma experiência básica comum a um conjunto de pessoas: uma escolha profissional pioneira e pouco usual, que acabou por aproximá-las em determinada época da vida mesmo que tenha sido para afastá-las mais tarde” (RUSSO, 1993, p. 167). Os efeitos de Contracultura apareceram no acolhimento de diversas manifestações orientais no Brasil.

II.3.1.2 Cultura indiana no Brasil

Como vimos, a Contracultura contribuiu para a difusão de alguns aspectos da cultura oriental no Brasil. A seguir, apresentaremos um breve panorama das manifestações visíveis da cultura indiana.

O período de 1960 inicia-se a introdução dos elementos indianos no Brasil, desde as mercadorias materiais (temperos, iogurtes e seda), práticas relacionadas à saúde (Yoga, meditação Ayurveda e vegetarianismo), movimentos religiosos ou literatura filosófica.

O mapeamento dessas manifestações não é uma tarefa muito fácil. A prática do Yoga, por exemplo, é difundida em quase todo Brasil, talvez a mais popular das manifestações indianas na atualidade. Essa prática poderia ser analisada sob um viés estético, religioso ou filosófico. Mas percebe-se que no Brasil o Yoga é visto mais como uma prática estética e corporal. Portanto, o enquadraremos dentro

dessas manifestações. O Movimento Hare Krishna, ainda que viva um momento de estagnação, mantém templos em cidades do Brasil como Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.25 A Missão Vedanta ou Filosofia de Ramakrishna parece ter uma renovação com a vinda constante de missionários indianos e está em uma fase de crescimento numérico.26 Também os ensinamentos de Bhagwan Shree Rajneesh/Osho estão difundidos em diversas cidades brasileiras. Outro movimento que conta com diversos centros espalhados pelo país é o Brahma Kumaris.27 Recentemente, registra-se um elevado número de brasileiros que estão aderindo aos ensinamentos do místico Sai Baba.28 Infelizmente, porém, até o momento há poucas pesquisas acadêmicas sobre essas manifestações indianas no Brasil.

A seguir, apresentaremos sucintamente as mais visíveis dessas manifestações, dividindo-as em três subáreas: 1. Práticas estéticas e culturais; 2. Práticas relacionadas à saúde e 3. Manifestações religiosas. Todas essas manifestações contribuíram, de alguma forma, para “preparar o terreno” que viria a receber a dança hindu no Brasil.