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Danças Terapêuticas: Biodança e Dança Circular Sagrada

2 DANÇA E MOVIMENTO COMO ALTERNATIVA DE TRATAMENTO:

2.2 Panorama das práticas e possibilidades de trabalho terapêutico com dança

2.2.3 Danças Terapêuticas: Biodança e Dança Circular Sagrada

O termo “danças terapêuticas” refere-se a todos os trabalhos que envolvem o uso de dança e movimento com propósito terapêutico e que não estão inscritas como psicoterapias, não exigindo, assim, profissionais habilitados como psicoterapeutas. A diferença, como vimos, é delimitada pela “American Dance Therapy Association” (ADTA, 2015). Neste rol, podemos citar, por exemplo, os grupos de dança contemporânea alinhada aos princípios da Educação Somática, com finalidade terapêutica, as Danças Circulares Sagradas e a Biodança que, desde sua constituição, posiciona-se como uma prática não pertencente ao campo psicoterapêutico. Mesmo não sendo uma psicoterapia, Reis (2012) observa que, para os participantes, a Biodança tem um sentido e um efeito terapêutico, e as pessoas são capazes de relatar mudanças concretas vividas ao longo do tempo no grupo. Tal prática desenvolve-se na América Latina, inicialmente com Rolando Toro, no Chile da década de 1970, no mesmo contexto histórico do desenvolvimento das escolas de Educação Somática na Europa e Estados Unidos. Trata-se de:

Uma abordagem de desenvolvimento humano baseada em uma determinada visão de vida – visão biocêntrica – e que parte da possibilidade de o ser humano vivenciar e se orientar por princípios que surgem da própria vida, que se encontram em sua estrutura somato-psíquica natural, bem antes de qualquer construção histórica, porém necessitando da cultura para manifestarem-se como realidade humana (GÓIS, 2002, p. 11).

Rolando Toro, assim como Chace, criou sua disciplina a partir de sua experiência pessoal com trabalhos de dança em hospital psiquiátrico no Chile. Para Góis (2002), a

Biodança busca aproximar o homem da potente e criativa sensação de sentir-se vivo, através do movimento dito “primordial”, isto é, nossos gestos ancestrais que nos aproximam da vida instintiva animal: “Ao retornar ao movimento primordial, à vida instintiva, nos conectamos a uma verdadeira conspiração pelo ato de viver, pelo despertar de nossas potencialidades” (p. 52). A Biodança, portanto, configura-se como uma proposta de transformação por via do movimento, da vivência, do encontro e do afeto, por meio da integração entre nossa percepção, motricidade, afetividade e funções viscerais. Tal conexão com próprio ritmo e com o grupo é capaz de gerar uma renovação orgânica que nos leva a uma regulação das funções biológicas, propiciando uma reaprendizagem das funções originárias da vida e fortalecendo a identidade.

Góis (2002) identifica quatro vivências básicas que partem da vida instintiva e remetem às primeiras experiências do ser humano, do útero aos dois anos, sendo vivências em torno das quais os organismos se regulam. Estas são chamadas de protovivências: movimento, contato, expressão e harmonia. Elas estão relacionadas, respectivamente, aos instintos de conservação, instinto sexual, exploratório e gregário. São vivências fundantes que assinalam as necessidades que o adulto continuará a ter por toda a vida, mas, que muitas vezes, podem ser bloqueadas. O objetivo da Biodança, assim, é “resgatar a vida instintiva como fluxo propulsor e orientador do viver” (GÓIS, 2002, p. 24). Para isso, a progressividade e o vínculo são os grandes aliados na construção dessa caminhada de volta à nossa espontaneidade.

Com a modelação cultural e a convivência em sociedade, as protovivências de movimento, contato, expressão e harmonia tornam-se mais complexas, em vivências de vitalidade, sexualidade, criatividade e afetividade, respectivamente. Estas são as linhas de vivência dos grupos de Biodança, que dão origem aos exercícios propostos, em que cada linha trabalha uma dimensão específica do humano. Observa-se que originalmente, Rolando Toro propôs cinco linhas: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência. Góis (2002) considera, no entanto, as quatro primeiras, sendo a transcendência “uma dimensão da pulsação da identidade” (p. 88). É importante notar, ainda, que a transformação das protovivências em vivências está circunscrita às contingências dos ambientes sócio-históricos e culturais em que a pessoa se encontra. A expressão demanda o processo de socialização para tornar-se criatividade, assim como o contato para tornar-se sexualidade, por exemplo.

A sessão de Biodança estrutura-se mediante um momento de partilha verbal e outro no qual é dada uma consigna, em que o facilitador faz um convite ao grupo, com uma demonstração e explicação sobre a dança a ser experimentada. Cada dança ou atividade obedece a uma linha de vivência específica (vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade

e transcendência), e assim, cada sessão de Biodança vai explorando diferentes áreas da vida por meio do movimento. Um grupo de Biodança, portanto, mostra-se como uma experiência terapêutica, de aprendizagem, transformação, percepção de si, olhar para o outro, afetividade e maior contato com o presente aqui e agora (REIS, 2012). Apresenta-se como uma possibilidade de expressão que privilegia a dimensão sensitiva e pré-reflexiva à dimensão racional e reflexiva.

Além da Biodança, a lista de práticas terapêuticas desenvolvidas a partir da dança e movimento é extensa. Podemos citar as danças de influência sagrada e mística, como a Dança de Tara, que tem caráter meditativo e ritualístico, inspirada no Budismo Tibetano, e ainda, a prática denominada Cinco Ritmos, criada na década de 1970 pela americana Gabrielle Roth, com influência do xamanismo, Psicologia Transpessoal e Gestalt-terapia. No elenco das danças terapêuticas, faz-se necessário mencionar, igualmente, Maria Fux que, contemporânea de Rolando Toro, desenvolve na Argentina seu próprio método denominado Dança-terapia, a partir, sobretudo, de sua experiência como professora de dança de crianças com surdez e outras deficiências. Também cabe citar as Danças Circulares Sagradas, prática criada na década de 1970, pelo coreógrafo e pedagogo alemão-polonês Bernhard Wosien, reunindo danças de roda tradicionais e ancestrais.

As Danças Circulares, ou ainda, Danças Circulares Sagradas, a segunda dança terapêutica incluída como prática integrativa do SUS, refere-se às familiares danças em roda, tão comuns na infância e nas danças folclóricas, a exemplo das cirandas. O bailarino, coreógrafo e pedagogo alemão/polonês Bernhard Wosien, na década de 50 e 60, percebeu que a dança circular sempre apareceu como um ritual na história da humanidade, atravessando diversas culturas, seja para celebrar uniões ou clamar pela chuva, e viajou o mundo inteiro aprendendo diferentes danças e resgatando antigas tradições em roda. A consolidação do termo Dança Circular Sagrada se deu em 1976, quando Bernhard Wosien visitou a Comunidade de Findhorn, no norte da Escócia e partilhou com os residentes, pela primeira vez, sua coletânea de danças circulares de diferentes povos. Ao longo dos anos, novas danças foram congregadas e o movimento se espalhou pelo mundo, chegando ao Brasil no início da década de 90 (DUBNER, 2018).

As danças circulares derivam de culturas de várias partes do mundo e foram coletadas por um bailarino alemão, Bernard Wosien (2000), que viu em suas características potencial para se trabalhar com grupos, pois são dançadas conjuntamente em roda e, por seu ritmo e coreografia simplificada, são relativamente fáceis de serem executadas em conjunto. Além disso, todas possuem simbolismos dos seus povos de origem e trazem a propriedade de evocar no grupo

que dança estas características; algumas despertam alegria, outras, introspecção, ou entrega, brincadeira, reverência, além da amizade e do contato afetivo, entre outros aspectos (ANDRADA; SOUZA, 2015, p. 360).

Nos Estados Unidos, na década de 40, como vimos, Marian Chace já observava o potencial terapêutico da formação circular, uma estrutura ancestral. As Danças Circulares promovem um senso de apoio e comunhão, convida as pessoas a olharem-se nos olhos, a sustentar as relações com mais leveza, e ao mesmo tempo firmeza. O ritmo, compasso e melodia convidam a uma maior percepção de si em movimento. A alegria do grupo transborda a dança e inspira a cada um em sua própria vida. O contato com danças de outras culturas e línguas quebra barreiras, preconceitos e limites pessoais. Aprender novos passos na roda ensina sobre a possibilidade de dar novos passos também no cotidiano. E assim, em roda, dança-se e revela-se a própria vida.

Voltemo-nos, agora, para outra modalidade de dança terapêutica que vem crescendo no Brasil: grupos que aliam os princípios da Educação Somática com a dança contemporânea.