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Anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988 não havia consenso sobre a possibilidade de ressarcimento dos danos morais no Brasil.

As Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas estabeleciam:

E se o ganhador deseja ter não apenas o valor real do objeto, mas também o montante referente ao afeto que ele tinha pela coisa, neste caso, ele irá jurar a alegação de afeição; e após o juramento o juiz deve determinar o montante, e pedir o ressarcimento, e a execução se efetivará no seu patrimônio (...).77

Observamos daí que os referidos conjuntos de leis permitiam uma espécie de dano moral bem específica, quando o dano moral era associado a um dano material, quando o bem

77 BERNARDI, Raquel Grellet Pereira. Danos punitivos: eficácia isonômica do direito fundamental de

reparação integral dos danos. São Paulo, SP, 2012. Tese (doutorado em direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. f.58.

material tinha um valor sentimental ao dono. Repare a que a compensação pelo dano moral seria processada de maneira semelhante à já mencionada actio ijuriarum aestimatoria romana, pois a vítima deveria prestar um juramento, assim como no instituto processual dos romanos.

Algumas legislações que vigoraram simultaneamente às Ordenações do Reino e anteriormente ao Código Civil de Beviláqua merecem destaque.

Vejamos os artigos 22, 23 e 25 do Código Criminal do Império do Brazil, de 16 de dezembro de 1830:

Art. 22. A satisfação será sempre a mais completa, que fôr possivel, sendo no caso de duvida á favor do offendido.

Para este fim o mal, que resultar á pessoa, e bens do offendido, será avaliado em todas as suas partes, e consequencias.

Art. 23. No caso de restituição, far-se-ha esta da propria cousa, com indemnização dos deterioramentos, e da falta della, do seu equivalente.

(...)

Art. 25. Para se restituir o equivalente, quando não existira propria cousa, será esta avaliada pelo seu preço ordinario, e pelo de affeição, com tanto que este não exceda á somma daquelle.

O artigo 22 nos diz que a satisfação será a mais completa, e no artigo 25 temos que na avaliação do preço do bem será levado em consideração a afeição pelo bem. Desta forma, cotejando esses dispositivos podemos inferir uma reparação por danos morais, pois a afeição está sendo quantificada em dinheiro para que se tenha uma satisfação mais completa da indenização.

Raquel Grellet Pereira Bernardi afirma que o jurista Teixeira de Freitas, na sua consolidação das Leis Civis, inseriu o supracitado artigo 22 do Código Penal de 1830 em seu artigo 800, e dispondo no artigo 801: “para este fim, o mal que resultar à pessoa e aos bens do ofendido, será avaliado por árbitros, em todas as suas partes e conseqüências” 78. O dispositivo poderia sugerir que os danos morais fossem passíveis de ressarcimento. No entanto, o Código de Teixeira de Freitas não entrou em vigor.

78 FREITAS, Augusto Teixeira de apud BERNARDI, Raquel Grellet Pereira. Danos punitivos: eficácia

isonômica do direito fundamental de reparação integral dos danos. São Paulo, SP, 2012. Tese (doutorado em direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. f.59.

Podemos afirmar que o Decreto nº 2.681, publicado em 7 de dezembro de 1912, que regulamentou a responsabilidade das estradas de ferro, trazia uma indenização por danos morais no seu artigo 21:

Art. 21 – No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente.

No que concerne ao supramencionado artigo, Wilson Melo da Silva faz notório comentário, in litteris:

Ora, essa “indenização conveniente”, arbitrável pelo juiz, “além das despesas com o tratamento, e os lucros cessantes” da vítima, só pode dizer respeito, insofismavelmente, ao pretium doloris.

Com efeito: Pagas pelo réu as despesas do tratamento da vítima, seus lucros cessantes e, naturalmente, pelas leis do processo, também as custas e honorários advocatícios, a que título mais (falamos dos danos patrimoniais) seria ainda devida outra parcela de indenização?

Por que, então, esse arbítrio concedido ao juiz para, além de tudo isso, mandar contar, ainda em favor da vítima mais uma “indenização conveniente”, “à vista da natureza” da lesão e de “outras circunstâncias”?

Se na lei não há palavras inúteis, como entender-se essa outra “indenização conveniente”, mandada pagar à vítima já ressarcida pelos danos patrimoniais experimentados? 79

A discussão ficava restrita aos casos em que havia dano material e imaterial, visto que os danos morais exclusivos não eram sujeitos a ressarcimento.

Lafayette Rodrigues Pereira, citado por Raquel Grellet Pereira Bernardi, posicionava-se:

A lesão sofrida pode consistir em um dano físico ou moral, sem relação direta ou indireta com o patrimônio material da vítima, como um pequeno dano físico que não impede a vítima de trabalhar, ou ainda um dano à sua honra. Nesses casos, não há necessidade de uma compensação pecuniária. Entretanto, alguns doutrinadores

pretendem transformar o mero dano físico ou moral em valor pecuniário: esses pensamentos são considerados extravagâncias do espírito humano. 80

Os tribunais não se manifestavam de forma pacífica.

O Código Civil de 1916 não resolveu a controvérsia, mesmo com as seguintes palavras de seu idealizador, Clóvis Beviláqua:

Na minha opinião, o sistema do Código Civil, na sua visão geral em relação ao ponto questionado, é como segue: a) Todo e qualquer dano, patrimonial ou não, deve ser objeto de ressarcimento, exceto em casos de força maior, que em alguns casos não se aplica quando identificada junto com a negligência. Essa é a regra geral, sujeita à exceções; b) O dano causado por um ato ilícito deve ser sujeito a ressarcimento (artigos 159 e 1.518); c) Para o ressarcimento do dano moral, a vítima dispõe de ação respectiva (artigo 76, parágrafo único); d) Mas o dano moral não é sempre passível de ressarcimento, não apenas porque não pode ser aferido monetariamente, mas também porque a insuficiência dos nossos recursos dá ensejo à especulação desonesta disfarçada de (...) sentimentos de afeição. Essa é a razão de o Código Civil ter restringido as indenizações nos casos de morte e danos físicos que não causam deformidade (arigo 1.537 e 1.538); e) Por outro lado, o Código Civil levou em consideração os danos morais em relação aos danos que causam aleijão ou deformidade (artigo 1.538, parágrafos 1º e 2º); também levou em consideração o valor da afeição, evitando a discricionariedade (artigo 1.543); as ofensas à honra, à liberdade e à dignidade são outros casos que podem gerar danos morais regulados pelo Código Civil; f) Além dos casos previstos pelo Código Civil, há outros casos que o Código determina que sejam apreciados, de acordo com a previsão do artigo 1.553, que sem dúvida se refere a todo e qualquer dano, seja material ou puramente moral (...) Ao contrário do que se afirma, a proibição de ressarcimento dos danos morais é prevista no Código Civil como uma exceção, imposta por considerações éticas e mentais. O ressarcimento é a regra para os danos, sejam puramente morais ou materiais. A proibição de ressarcimento é a exceção. 81

A Constituição Federal de 1988 trouxe, então, no seu artigo 5º, inciso V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. A Carta Magna traz ainda, no inciso X do mesmo artigo, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Desta monta, quedou-se pacífico o entendimento pela possibilidade de indenização por danos morais.

80 PEREIRA, Lafayette Rodrigues apud BERNARDI, Raquel Grellet Pereira. Danos punitivos: eficácia

isonômica do direito fundamental de reparação integral dos danos. São Paulo, SP, 2012. Tese (doutorado em direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. f.61.

Na toada constitucional, o Código Civil de 2002 elencou no seu bojo o artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.

Assim, tanto pela ótica constitucional como meramente legal, ficou plasmado o entendimento favorável à indenização por danos morais.

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