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2. OS PRINCÍPIOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO E OS CONCEITOS

4.2. Improbidade Administrativa

4.2.3. Improbidade, gravidade da violação a princípios e espécies de dano

4.2.3.3. Dano moral

Entender o dano moral como consequência de atos de improbidade pressupõe uma revisitação do conceito de patrimônio público.

Decomain (2007, p. 29) aponta que a própria titularidade do patrimônio público não pode ser observada sob perspectiva do Direito Privado, mas sim de sua finalidade ou destinação, sob perspectiva comunitária, coletiva, típica do Direito Público, portanto. Tal patrimônio detém titular, mas se destina ao atendimento de finalidades públicas, de interesse de toda uma coletividade.

Nesse sentido, insta esclarecer que a probidade é verdadeiro valor cultural fundamental a uma sociedade e à vida social. Sua concretização ultrapassa qualquer interesse individual: trata-se de “bem jurídico meta-individual” (OLIVEIRA, 2009, p. 246-247). A probidade está entre os “bens jurídicos da coletividade, bens jurídicos universais e difusos” (OSÓRIO, 2007, p. 305). Com efeito, a probidade e a atuação (dos agentes) conforme a probidade apresentam elementos característicos dos direitos difusos (DECOMAIN, 2007, p. 27); trata-se, por assim dizer, de direito público subjetivo (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 102).

Garcia e Alves (2006, p. 265) elaboram o alerta de que os conceitos de Erário e de patrimônio público não foram aplicados com rigor técnico pelo legislador. Tratando- se com inconsistência terminológica, os termos merecem ser interpretados por meio da análise da mens legis, tomando-se mão de critérios “teleológico-sistemáticos de integração da norma”. Com isso, definem que:

Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei nº 4.727/65 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público [...].

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 170.768 (BRASIL, 1999) entende que a moralidade, da forma como se inscreve no art.

5º, LXXIII da Constituição (BRASIL, 1988), depara não só o patrimônio caracteristicamente material do Poder Público, mas também o patrimônio moral, o cultural e o histórico.

O artigo 11 da Lei de Improbidade se dirige à tutela de bases axiológicas da Administração, realçando os “valores imateriais integrantes de seu acervo com a censura do dano moral”128. Nesse caso, constrói-se até mesmo a imagem do “dano moral presumido” (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 280; 358).

As pessoas jurídicas também detêm conceito social baseado em sua confiança129, reputação, imagem e preservação de suas marcas e símbolos, aspectos da chamada honra objetiva130 (FONTELLA, 2008, p. 16-17). Além disso, deve-se perquirir também da ocorrência de dano moral de natureza subjetiva (dor física e moral), do que se extrai que, mesmo sendo evidente que a pessoa jurídica não o pode experimentar, o prisma da análise deve-se volver para a coletividade, que sofre com o dano aos seus bens jurídicos de natureza não-econômica (GARCIA; ALVES, 2006, p. 448).

Poder-se-ia dimensionar aqui, portanto, uma ideia de dano moral público131 : independente do dano material (ao erário), o ato de improbidade que viole unicamente princípios pode ocasionar tantos danos sociais (e culturais, econômicos132

etc.) que, por si mesmo, mereça severas punições. Afasta-se, com isso, a necessidade da verificação de um dano material imediato e, ao mesmo tempo, adianta-se a defesa da ideia de que atos culposos por violação a princípios também merecem a reprimenda equivalente à improbidade administrativa.

128 A esse respeito Freitas (1996, p. 67) escreve que “a figura do dano moral precisa ter os seus contornos

melhor definidos e objetivados, sendo, no entanto, indubitavelmente, dela que se cogita nas hipóteses ilustrativas do art. 11.”

129 Nesse mesmo sentido, Gomes (2002, p. 265) admoesta que “Assim, temos que o ato de improbidade

administrativa pode ferir também um interesse moral do ente público, traduzido na sua honra objetiva, na confiança e respeito que as pessoas devem devotar-lhe, não havendo motivo plausível para a recusa do ressarcimento”.

130 Sobre o assunto escrevem Garcia e Alves (2006, p. 447, grifo dos autores): “É indiscutível que

determinados atos podem diminuir o conceito da pessoa jurídica junto à comunidade, ainda que não haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano moral, deverá ser implementado o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais”.

131

Garcia e Alves (2006, p. 448.) utilizam a expressão “Dano moral coletivo, o qual encontra previsão expressa no art. 1º da Lei nº 7.347/85, com a redação determinada pela Lei nº 8.884/94.”.

132 Figueiredo (2008, p. 254, grifo do autor) revela que o entendimento do assunto deve passar por recorte

epistemológico: o fenômeno pode ser estudado sob a ótica da sociologia, da psicologia, da economia etc., mas, no caso, o enfoque deve ser jurídico.

Ribeiro (apud FARIAS, 2002, p. 93) faz alerta para a falta de verdade em associar improbidade exclusivamente a dano material, com visão empobrecedora, reduzindo o fenômeno a uma questão de propriedade, de direito real, ideais intrínsecos à lógica capitalista. Com isso, ensina que:

[...] não é apenas um bem, no sentido usual – e restrito – que o capitalismo atribui a esse termo. Ele é bem num sentido também, ou sobretudo, moral, ético: não apenas uma propriedade, mas algo positivo, que se contrapõe ao que é visto como mal ou, pelo menos, como mau. Por isso, se é bom ter, como bem comum, a coisa pública, então o investimento nela não é apenas econômico.

Torna-se necessário não pensar a sociedade pelo primado da economia. A vida social é mais do que a econômica.

[...] O problema é que entendemos a corrupção como furto: deslocamos um problema de direito constitucional, de relações sociais no que elas têm de mais constitutivo, para uma questão penal de atentado ao patrimônio. Privatizamos, de novo, o público.

Não obstante sua independência, o dano moral pode acarretar também baixas patrimoniais (GOMES, 2002, p. 264).