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Como visto no decorrer desse trabalho, o proprietário de um bem tombado possui a obrigação de mantê-lo em bom estado de conservação, sendo também competência do poder público promover sua proteção através, dentre outras formas, da fiscalização.

A não obediência às exigências legais para manutenção do patrimônio submete o proprietário a diversas sanções, tanto administrativas, quanto judiciais.

O Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937), bem como o Decreto n. 6.514/2008 (BRASIL, 2008), prescrevem que a Administração Pública tem o dever de punir qualquer ato ilícito que venha a prejudicar um bem tombado, utilizando como penas administrativas, como descreve Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 890), a multa, a demolição e a restauração obrigatória, esta não prevista pelo Decreto Lei 25/37, mas sim em algumas normas municipais, como a Lei 10.032 do Município de São Paulo5.

A multa, como destaca Édis Milaré (2011, p. 334), “[...] além do caráter punitivo, tem evidente papel preventivo e desestimulante às agressões ao patrimônio cultural”. Dão azo à aplicação de multa, com base no Decreto n. 6.514 (BRASIL, 2008):

Art. 72. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; ou

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Art. 34 - Sem prejuízo das sanções estabelecidas nos artigos anteriores, o proprietário também ficará obrigado a reconstruir ou restaurar o bem tombado às suas custas, de conformidade com as diretrizes traçadas pelo órgão técnico de apoio.

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Art. 73. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Art. 74. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Art.75. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação alheia ou monumento urbano:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada, a multa é aplicada em dobro. (grifo nosso)

As situações previstas nos dispositivos transcritos acabaram por derrogar as multas previstas nos artigos 17 e 18 do Decreto Lei n. 25/37. Contudo, esse decreto ainda prevê outros casos em que cabe aplicação de multa, como nas seguintes hipóteses:

Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.

§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata êste [sic] artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de

multa de dez por cento sôbre [sic] o respectivo valor, fazê-la constar do

registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.

§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.

§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.

Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do país, da coisa tombada, será esta sequestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.

§ 1º Apurada a responsábilidade [sic] do proprietário, ser-lhe-á imposta a

multa de cincoenta [sic] por cento do valor da coisa, que permanecerá

sequestrada em garantia do pagamento, e até que êste [sic] se faça. § 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dôbro [sic].

Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto [sic] tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto [sic] ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob

pena de multa de dez por cento sôbre [sic] o valor da coisa.

Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa

correspondente ao dobro da importância em que fôr [sic] avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.

Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná- los sempre que fôr [sic] julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de

multa de cem mil réis, elevada ao dôbro [sic] em caso de reincidência.

Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessôas [sic] naturais ou a pessôas [sic] jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.

[...]

§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a sequestrar a coisa e a impôr [sic] a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.

Art. 28. Nenhum objéto [sic] de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido préviamente [sic] autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cincoenta [sic] por cento sôbre [sic] o valor

atribuído ao objéto [sic]. (grifo nosso)

As multas acima propostas, como bem ressalva Édis Milaré (2011, p. 336) possuem certa dificuldade de aplicação, “Isto porque as sanções originalmente previstas no Dec.-Lei 25/1937 foram definidas com base em percentagem do valor do dano sofrido, ou no valor da coisa tombada, que são de difícil determinação”. Para o autor, o dano ao patrimônio atinge toda a sociedade e não pode resumir-se a um dano material. Ele segue defendendo que

A derrubada de uma igreja colonial, por exemplo, constitui dano irreparável. Um novo templo, mesmo que de aparência semelhante, não passará de réplica, pois o patrimônio cultural autêntico já estará definitivamente perdido. Do mesmo modo, se valorarmos imóveis tombados por seu valor de mercado, provavelmente chegaremos a montantes irrisórios, tendo em vista a idade do bem, seu estado, a ausência de equipamentos modernos como os das moradias atuais, etc. Para uma avaliação mais justa do valor de um bem cultural, ou do dano por ele sofrido, seria necessária a realização de,

no mínimo, uma perícia complexa e onerosa, que ainda assim seria passível de intermináveis questionamentos judiciais.

É palpável, portanto, a necessidade de se atualizar as legislações que regem nosso patrimônio. Além das dificuldades levantadas pelo autor, a aplicação de regimentos antigos, com mais de 76 anos, impossibilita, até mesmo sua utilização, como é o caso da multa de cem mil réis prevista pelo artigo 20 do Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937), inaplicável hodiernamente em razão da desvalorização monetária.

Por estas razões, posiciona-se Paulo Affonso Leme Machado (2001, p.891) no sentido de que para a aplicação das multas

[...] deverá levar-se em conta não somente o valor comercial ou de compra e venda do mercado, mas devem-se ponderar os valores que são protegidos na coisa tombada, onde há uma estimativa para o futuro da necessidade de sua conservação. Portanto, um prédio em ruinas ou uma mata em decadência não podem ser avaliados simplesmente pelos seus valores atuais (às vezes reduzidos), mas pelo significado cultural e natural da continuidade desses valores.

Dadas as dificuldades para aplicação de sanção pecuniária, outras são as possibilidades dispostas à Administração Pública, como instrumento de defesa do patrimônio cultural brasileiro. Entre elas estão o embargo de obra e a demolição ou retirada de obra que prejudique o bem tombado.

A possibilidade de embargo de obra e demolição administrativa está prevista, respectivamente, nos incisos VII e VIII, do artigo 3º, do Decreto n. 6.514 (BRASIL, 2008): “Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes

sanções: [...] VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; VIII - demolição de obra”.

Já o Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937), apenas prescreve a possibilidade de demolição, omitindo-se em relação ao embargo:

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade [sic], nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objéto [sic], impondo-se nêste [sic] caso a multa de cincoenta [sic] por cento do valor do mesmo objéto [sic].

Exauridas as formas de sanções administrativas, existem ainda sanções judiciais em casos de ocorrência dos crimes previstos pela Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998).

A Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente (BRASIL, 1998) elenca em seus artigos 62 a 65, os crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural.

Conforme versa o artigo 62, é crime destruir, inutilizar ou deteriorar qualquer bem protegido por lei, e a pena aplicada é de detenção, de um a três anos e multa, reduzida em caso de crime culposo para seis meses a um ano de detenção e multa. Importante ressalva faz Édis Milaré (2011, p. 340), ao afirmar que o bem especialmente protegido por lei não necessita ser tombado.

Outro ponto, destacado por José Eduardo Ramos Rodrigues (2010, p. 275), diz respeito à criação do tipo culposo para o delito, tendo em vista que em muitos casos, os danos causados aos imóveis decorrem de negligência de seu proprietário.

O artigo 63 da Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998), também tipificando um crime contra o patrimônio, assim determina:

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Sobre este dispositivo, destaca Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 896), que “A alteração pode até ser para melhorar a edificação ou o local, mas o crime fica materializado se não houver autorização da autoridade ou se a modificação não obedecer aos limites da autorização”.

Tanto Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 896), quanto Marcos Paulo de Souza Miranda (2006, p. 222), criticam o fato de a lei não prever a forma culposa para o delito, visto que em muitos casos o dano é causado por imprudência, negligência ou imperícia.

Já o artigo 64 da mesma Lei (BRASIL, 1998) prevê como crime “promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno”, com pena de seis meses a um ano de detenção e multa. Édis Milará (2011, p. 341) aponta falha no dispositivo

por não mencionar que a proibição de edificar deve decorrer de lei, ato administrativo ou decisão judicial.

Por último, o artigo 65 da Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente (BRASIL, 1998) tipifica como crime “Pichar, ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. O § 1º do dispositivo aponta aumento de pena, para seis meses a um ano de detenção e multa, em casos de monumento tombado.

Tal dispositivo foi modificado pela Lei 12.408/2011 (BRASIL, 2011), que retirou do caput do artigo o verbo “grafitar”, declarando então, no § 2º que “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística”, sendo sempre necessário o consentimento do proprietário e a observância das normas de preservação e conservação do patrimônio cultural nacional.

Verifica-se, portanto, que a legislação, ressalvados os problemas de aplicação por sua desatualização, prevê diversas formas para proteção do patrimônio cultural nacional. Contudo, como ensina Édis Milaré (2011, p. 342), as leis pressupõem-se eficazes, mas devem ser auxiliadas por outros instrumentos, como, no caso estudado, a cooperação da sociedade e a disponibilidade de recursos do poder público para que alcancem seu objetivo.

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