• Nenhum resultado encontrado

DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE 109.

No documento Download/Open (páginas 110-114)

3. O FAZER AOS PEQUENOS 98.

3.3. DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE 109.

“Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade

inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições económicas para prover de água limpa e saneamento as populações

mais pobres”

(BERGOGLIO, 2015, p. 25).

O ato de beber é uma ação cotidiana na vida humana, seja água que ajuda matar a sede, ou até mesmo as bebidas alcoólicas que marcam momentos diversos de celebração. Diferente do ato de comer, o ato de beber pode ser sim realizado na solidão com tranquilidade.

Na atualidade, esse fazer, que é dar de beber ao sedento, parece sem sentido, porque na maioria dos lares urbanos tem água encanada com abundância. Percebe a realidade dessa maneira, quem tem o privilégio de viver longe da seca, e dos desafios de andar, em pleno século XXI, muitos quilômetros para buscar água em açudes, poços ou em carros pipas, num Brasil de graves contrastes sociais que clama aos Céus igualdade de direitos.

Parece difícil realizar esse fazer ao sedento, longe das regiões do Brasil que sofrem o flagelo da seca. Seria um olhar reducionista pensar que esse fazer está restrito somente a esses sedentos. Assim, por meio do uso correto, consciente e sem desperdício da água já poderia ser um desmembrar deste fazer ao mais pequenos, no cuidado com a água.

Na atualidade, a crise da água está ligada a múltiplos fatores (aumento da população mundial, aumento das necessidades de água para usos industriais, civis e agrícolas, poluição dos cursos de água e aquíferos, mudanças climáticas ...), é preciso políticas inspiradas aos valores culturais e humanos da solidariedade, não meramente econômicos. A passagem da água do direito para a mercadoria é uma das principais razões da injustiça.

Como foi destacado pelo Papa Francisco:

O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, por que determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não tem acesso à água potável, por que isso é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável (BERGOGLIO, 2015, p. 25).

Água é algo essencial para a vida humana, como meio de preservar o mínimo de dignidade. Os mais pobres são os que mais sofrem, tanto pela qualidade, quanto pela dificuldade. Esse primeiro aspecto desse fazer não pode ser ignorado, visto que mesmo com tanta abundancia, desenvolvimento e tecnologia na contemporaneidade, existem pessoas as quais sofrem e até perecem nessa escassez.

A água é vida, a médio, ou a longo prazo, e tende a ser um „tesouro‟ que se extingue. Assim, como o comer e o beber estão associados a realidade social de exclusão e marginalização que marcam a existências de muitos seres humanos, não só no Brasil, mas no mundo.

Diante do exposto, percebe-se que presença da “„sede‟ é o sintoma que adverte da sua falta, e uma desidratação prolongada por muito tempo e incompatível com a saúde” (COSMACINI, 2012, p. 35). A carência é algo que marca a desigualdade de oportunidade e meios de preservar a dignidade e bem-estar dos mais pequeninos. Não obstante, Jesus mateano, nas bem-aventuranças, fala de sede, porém de uma „sede de justiça‟ (Mt 5,6). Para ele, a sede de justiça não seria a sede real de água, de dignidade e de solidariedade?

A palavra grega δηςάσ (sede) aparece em “16 ocorrências no Novo Testamento, 9 se encontram nos escritos de João: Evangelho e Apocalipse” (BAUDER, 2004, p. 846). Ademais, o seu significado “estar com sede, ter sede e simplesmente sede, pode ser usado literalmente para significar a necessidade do corpo e, de certo modo, figurativo para designar algo que está faltando” (MINDE, 2005, p. 1022). Essa sede a ser saciedade aponta para algo mais, que simplesmente uma sede do corpo somente, com outra conotação.

Na cena do Julgamento Escatológico (Mt 25,31-46), a sede torna-se, um “ato de caridade (seu objeto: o mais insignificante) e ao mesmo tempo torna-se precisamente o critério para determinar o comportamento em relação a Jesus” (MINDE, 2005, p. 1022). Questionando o que foi feito para estar na presença ou não dos salvos. Por isso, é uma ação determinante a ser realizada ou não por todos.

A palavra grega πνηίδσ (Beber) é utilizada por “Hipócrates em diante tem significado: „capacitar alguém a beber, deixar de beber, dar a beber, dessedentar (de animais)” (BRAUMANN,2004, p. 855). Essa ação é direcionada a quem está sedento, para proporcionar alívio.

Algo paradoxal é que na atualidade existem pessoas que devem viver „sedentas‟ para preservar a dignidade da existência. Como foi destacado no inìcio desse tópico, as bebidas alcoólicas são também meio de saciar a sede, até porque proporcionam de relaxamento e inteiração social.

Os antioxidantes que o vinho contém destroem os radicais livres, reduzem o colesterol, protegem os ossos contra a osteoporose; as bebidas alcoólicas são uma espécie de lubrificante social, quando mantém a sociedade moderna o seu papel irreprimível (COSMACINI, 2012, p. 48).

Nota-se que beber está incluído também as bebidas alcóolicas, que fazem parte da existência humana. Elas proporcionam entrosamento social e geram desinibição33. Porém, o álcool ainda é uma droga, com um agravante: a mais difundida. “Sua relevância social é vasta. É capaz de induzir essa necessidade imperativa de recrutamento, com aumentos crescentes na dose para alcançar o mesmo feito, que é chamado de „dependência de droga‟, tentando progressivamente à „overdose‟” (COSMACINI, 2012, p. 43). Quando se chega e esse limite, em algumas circunstâncias, leva a pessoa ao óbito, mas, na maioria dos casos, drenam a existências humana, tanto da pessoa, como de seus familiares, não são poucos os relatos de pessoas viciadas que chegam em casa alteradas pelos efeitos do álcool e agridem mulheres e crianças.

Essa sede de álcool não pode ser saciada, pois a pessoas estão imersas no “alcoolismo, que pode ser definido como uma perda sistemática de liberdade para se abster de álcool” (COSMACINI, 2012, p. 43). Essa sede aprisiona, por isso, essa pessoa que sofre também pode ser alguém digno do fazer do julgamento escatológico, pois também é um pequeno do Reino do Céus.

O paradoxo da atualização desse fazer, ou seja, dar de beber ao sedento, ou não dar de beber ao alcoólatra. Aquele que quer entra no Reino do Céus, deve está disposto a amparar este pequeno marginalizado, que necessita de atenção. O sedento de água é aquele que está ao nosso lado e espera sempre um olhar atento a suas necessidades vitais, pois água é vida e sua preservação e utilização consciente preserva a vida em toda sua dinamicidade.

33 “O álcool, segundo os médicos de hoje influencia diretamente a transmissão dos estìmulos

neurológicos, liberando mediadores químicos que, na área cerebral que regula as emoções e as ações, impulsionam a complacência, a desinibição aos comportamentos sexuais, transgressões incentivadas por onipotência” (COSMACINI, 2012, p. 42).

A sede do alcoólatra pode evidenciar um aspecto danoso do consumismo descontrolado e incentivado na sociedade atual, que envolvem a existência dos alcoólatras em um torpor, que obscurece a realidade de exploração que estão inseridos. Portanto, um fazer a esse „apequenado pelo álcool‟, por meio de um impedir, para reprimir e proporcionar um redimir.

A falta de solidariedade e comprometimento com o outro insere a pessoa humana em um espiral de prazer, por meio do beber, que o impede de ver quem sente sede e, às vezes, de perceber a própria sede existencial, que não pode ser saciada com álcool.

Por isso, na atualidade, esse fazer ao sedento e ao alcoólatra são meios de proporcionar amparo aos pequeninos e pobres. Esse é o modo cristológico do texto “mateano de dar de beber: na pessoa do pobre a quem se dá de beber (πνηίδσ), encontramos o próprio Cristo (Mt 25, 37,42)” (BRAUMANN, 857). Esse dá de beber com intuito de amparar e saciar não como meio para alcançar algo, mas como meio de experiência do Reino do Céus.

No documento Download/Open (páginas 110-114)