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Das ações fundadas no art 4º da Lei 2.040/

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5. O CONTEÚDO DAS DECISÕES JURÍDICAS

5.2. Das ações fundadas no art 4º da Lei 2.040/

Afora os casos de Theodora e Veríssimo já abordados neste trabalho, que também versavam sobre o depósito por liberdade, passemos a analisar outros casos, com o mesmo objeto que foram julgados no mesmo período.

Disse José40, escravo de Urbano Alves de Souza Pereira, em 08 de novembro de 1883, que, tendo realizado algumas economias até aquela data para livrar-se do cativeiro, requereu e efetuou um depósito de 200$000 réis, valor este que entendia devido para sua libertação.

Todas as demandas ajuizadas após a Lei do Ventre Livre tinham de ser processadas no rito sumário, previsto no art. 80, § 1º, do Decreto n.º 5.135, de 13 de novembro de 1872. Além disso, toda vez que as decisões fossem desfavoráveis à liberdade, haveria o órgão julgador de apelar de ofício ao Tribunal da Relação, conforme determinava o §2º do mesmo dispositivo legal, o que de certa forma já estava expresso no art. 7º e seus parágrafos da Lei do Ventre Livre.

Destaca-se que, das 35 ações pesquisadas, não houve um caso sequer do desfecho ter sido desfavorável a liberdade em primeira instância sem que o juízo não apelasse de ofício ao Tribunal da Relação, o que demonstra a aplicação da lei em seu sentido estrito.

No caso analisado, após o depósito e realizados todos os procedimentos iniciais, foi José avaliado em 500$000 réis pelos avaliadores nomeados pelas partes. Com a homologação por sentença foi o curador intimado a complementar a diferença do valor já depositado para a extração da carta de liberdade.

Em tais desfechos, como a decisão que homologou o valor do escravo foi maior do que o ofertado, cabia ao curador, ou depositar a diferença, ou apelar para tentar reduzir o referido valor. Mesmo nas situações em que não apelasse ou não efetuasse o complemento do valor, o órgão julgador apelava de ofício ao Tribunal da Relação.

Percebeu-se, neste caso, que o curador de José apelou para o Tribunal da Relação mais no intuito de procrastinar o feito, afim de permitir com o tempo do recurso, que José conseguisse o restante da quantia arbitrada na sentença.

Tanto é que consta nos autos uma petição do senhor requerendo a remoção do escravo do depositário nomeado inicialmente, para outro por ele nomeado, sob o argumento de que o fruto do trabalho do escravo durante o tempo em que tramitou o processo, já havia superado 400$000 réis, ou seja, valor maior do que ainda restava ao escravo indenizar. E por que?

Toda vez que uma sentença fosse prolatada em favor da liberdade e o senhor apelava, o recurso só era recebido no seu efeito devolutivo. Quer dizer, os efeitos da decisão prolatada iniciariam a partir da sentença, ao passo que, quando em desfavor da liberdade, o recurso era recebido em ambos os efeitos. Isto é, os efeitos só iniciariam quando da prolação do acórdão pelo Tribunal da Relação, o que prolongava o tempo em que o escravo estaria fora das mãos do seu senhor.

E quanto à prática do depositário de locar os serviços do escravo depositado estava amparada pelo parágrafo 2º, do art. 81 do Decreto n.º 5135, de 13 de novembro de 1872, porém aquele deveria ser o fiel depositário também do produto do trabalho do escravo em benefício daquele que ganhasse o pleito, daí ter o senhor insurgido acerca da confiabilidade do depositário.

Não é difícil supor que tal alegação de insurgência quanto ao depositário tenha um liame de veracidade, tanto que não houve um desfecho do recurso interposto, uma vez que o senhor aceitou um acordo proposto pelo curador em receber a diferença

apontada pela decisão de primeira instância, acrescida de 100$000 réis, antes que o recurso fosse julgado.

Como já dito em páginas anteriores, a questão do arbitramento do valor do escravo suscitava infindáveis discussões no Tribunal da Relação da Corte.

Foi o que aconteceu com o escravo Afonso41, que ajuizou uma ação de liberdade para se ver livre do cativeiro na Comarca de Magé, em 11 de julho de 1881. Tratou-se de mais um daqueles processos analisados em que figurou como curador no Tribunal da Relação da Corte, o Dr. Felizardo Pinheiro de Campos, que, diante de tantas atuações em ações de liberdade mereceria uma análise mais profunda por parte da historiografia.

Em suas razões recursais alegou que o arbitramento homologado na ação de depósito por liberdade intentada por seu curatelado era totalmente nulo. Isto porque mesmo intervindo três peritos como determinava o art. 39 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872, o processamento da avaliação deixou de obedecer o previsto nos artigos 192, 193, 195, 196, 197, 201 e 202 do Regulamento n.º 737, de 23 de novembro de 1830.

Isto porque no caso do escravo Afonso não havia ocorrido divergência entre os dois árbitros nomeados pelas partes e, mesmo assim, funcionou o terceiro árbitro como escrivão, quando era sabido que os outros dois sabiam escrever. Isto é, insurgia-se quanto à intervenção do terceiro árbitro que atuou como escrivão quando não poderia. O outro ponto levantado foi com relação ao valor final do arbitramento.

O laudo entendeu que o valor do escravo seria de 900$000 réis, porém o curador trouxe importante ressalva quanto ao excessivo valor, pois constava nos autos um documento da matrícula realizada em 1872, havia quase dez anos, em que o curatelado teria 56 anos de idade, era de serviço de roça e sendo “quebrado” de ambas as virilhas.

Seria evidente que, nestas condições, a avaliação não pudesse ter apontado para um valor exagerado e ilegal, por isso suplicou para o laudo do juízo do bom varão, em conformidade com o previsto nas Ordenações Filipinas, Livro Terceiro, Título XVII.

Faz-se necessário a transcrição da mencionada ordenação portuguesa para melhor ilustrar o requerimento do curador:

TÍTULO XVII

Entre os Juízes árbitros e o arbitradores há differença; porque os Juizes árbitros não sómente conhecem das cousas e razões, que

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