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Das críticas ao antigo modelo de Extensão Rural até a PNATER

CAPÍTULO I Um resgate histórico da Extensão Rural no Brasil

1.1 Das críticas ao antigo modelo de Extensão Rural até a PNATER

Até agora foram discutidas as diferentes fases e propostas do modelo de extensão rural empregado no Brasil desde sua origem até a sua disseminação para o território brasileiro, assim como do papel do Estado através de suas instituições criadas com vistas a consolidar um modelo de agricultura que ficou marcado como processo de

modernização do campo. Agora resta tecer e discutir as críticas a este modelo de extensão que foram sendo construídas ainda no período em que o Brasil vivia sob a ditadura militar. Cabe identificar basicamente dois tipos de críticas ao modelo de extensão difundido no país, um que se restringe à forma pelo qual o processo de extensão rural foi sendo empregado no campo, com destaque para a relação extensionista e agricultor; e outro tipo que se atém às consequências para o campo da difusão e assimilação de técnicas e insumos industriais com vistas ao aumento da produtividade agrícola. Serão analisadas primeiramente as críticas ao modelo difusionista-inovador como prática corrente no meio rural, com ênfase na forma como os produtores rurais eram atendidos pelos extensionistas.

Freire (2011) ao analisar o problema da comunicação entre o extensionista e o produtor perpassa por diferentes áreas do saber humano, adentrando o domínio da Linguística, Filosofia, Comunicação, Educação e Política. Serão frisados os pontos de maior relevância mencionados pelo autor, com destaque para os diferentes aspectos semânticos incutidos na palavra extensão e o sentido equivocado com que o termo é utilizado pela teoria filosófica do conhecimento (Gnosiologia), como um ato mecânico. Para o autor não há troca, não há transformação já que o produtor é ―coisificado‖:

Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá ou lhe impõe. O conhecimento pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e reinvenção (FREIRE, 2011, p. 27).

Freire (2011) discorre que qualquer metodologia ou técnica não pode ser focalizada, numa perspectiva humanista e científica, desprovida do contexto da realidade cultural do produtor, já que as atitudes do homem rural têm relação direta com suas atitudes diante à natureza, com as suas tradições, costumes e valores, em outras palavras, com suas relações sociais diárias.

O autor cita também o conceito de extensão como ―invasão cultural‖, numa atitude contrária ao diálogo, o que contradiz a essência do termo educação, já que o extensionista é visto na maioria das vezes como aquele ser que sabe tudo e não tem nada a aprender com a experiência de vida dos produtores. Em suma, não há troca de saberes, já que a comunicação é unidirecional. ―A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados‖ (FREIRE, 2011, p. 69).

Por fim, Paulo Freire (2011) pontua a relação ambígua entre desenvolvimento e modernização, destacando que embora todo desenvolvimento seja modernização, nem toda modernização é desenvolvimento. Aqui cabe questionar as reais vantagens em termos de desenvolvimento para o produtor rural com que uma determinada inovação tecnológica pode trazer que não seja simplesmente uma educação para o capital.

Analisadas as críticas ao modelo de extensão rural com ênfase na relação extensionista-homem do campo, tendo como seu crítico mais ferrenho o educador Paulo Freire, pode-se discutir os impactos oriundos do modelo de extensão rural adotado no Brasil. Nota-se que as críticas quanto aos impactos ambientais decorrentes do modelo antigo de extensão rural ao mesmo tempo em que confirmam uma acentuada preponderância do caráter econômico, pautado na exigência da produtividade e nos controlados índices técnicos, desvelam a necessidade que o país tinha de transpor o limiar de uma agricultura tradicional predatória, oriunda do período colonial e mencionada sob duras críticas por Caio Prado Júnior, para uma agricultura moderna que o projetasse diante das demais nações agroexportadoras.

Segundo Balsan (2006), o modelo de extensão rural empregado no Brasil trouxe diversas consequências socioeconômicas e ambientais. Uma delas foi decorrente dos impactos ambientais – destruição das florestas e da biodiversidade genética, erosão dos solos e contaminação dos recursos naturais e dos alimentos – ocasionados pela ―especialização da agricultura em escala nacional‖ gerando o crescimento das monoculturas. Outra consequência está relacionada aos impactos socioeconômicos que geraram o aumento da pobreza no campo, com o consequente êxodo rural, assim como a expropriação acentuada do trabalhador rural, uma vez que com a crescente expansão da grande propriedade detentora de maquinários e insumos agrícolas, a necessidade de mão de obra permanente se vê reduzida, fazendo com que aqueles produtores que insistem em permanecer na propriedade, se sujeitem a regimes de trabalho cada vez mais extenuantes. O aumento da concentração fundiária é outro fator decorrente da modernização da agricultura que será mais explorado adiante, assim como mudanças de hábitos e costumes genuinamente rurais por padrões citadinos. A dependência dos produtores de baixa renda ao crédito, disseminação de pragas e doenças também foram impactos gerados pelo modelo de agricultura empregado no país (TEIXEIRA, 2005, BALSAN, 2006; BORGES FILHO, 2007) e seu posterior endividamento são consequências também do impacto das inovações no campo oriundas do modelo de extensão rural empregado no país.

Para Teixeira (2005) as consequências da modernização da agricultura, a despeito dos ganhos associados ao aumento das exportações e ao crescimento da economia oriundos do aumento da produção agrícola, serviram para tornar ainda mais excludente a distância que separava os grandes produtores e os produtores de baixa renda. Para o autor, ―a modernização agrícola se concentrou basicamente nas grandes propriedades, tornando-se seletiva, disseminação de pragas e doenças também foram impactos gerados pelo modelo de agricultura empregado no país‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 36), privilegiando determinadas regiões em detrimento de outras, com destaque para a região centro-sul do país e direcionando a produção agrícola para a monocultura exportadora. Além de seletiva e excludente, a modernização da agricultura foi conservadora7 porque não atacou problemas latentes e cruciais, como a elevada concentração fundiária presente na estrutura agrária brasileira (MARTINS, 1975; FONSECA, 1985; TEIXEIRA, 2005). O desmatamento, a destruição do solo e a disseminação de pragas e doenças também foram impactos gerados pelo modelo de agricultura empregado no país (TEIXEIRA, 2005, BALSAN, 2006; BORGES FILHO, 2007).

Visando dirimir as críticas apontadas, em especial as que se referem às instituições que ainda se baseiam em modelos convencionais de ATER com ênfase no difusionismo e nos pacotes da modernização da agricultura, foi proposta a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) com o desafio de construir outros modelos de desenvolvimento rural pautados na sustentabilidade ambiental, na produção qualificada de alimentos e inserção em diferentes mercados locais e regionais; considerando a participação dos agentes institucionais, demais segmentos da sociedade civil e agricultores, com respeito à pluralidade e às diversidades sociais, econômicas, étnicas e culturais e com vistas à geração de renda e de novos postos de trabalho, que não estejam restritos às atividades agrícolas, mas estimulando também o desenvolvimento de atividades não agrícolas.

É importante registrar também que o momento político em que a política de ATER foi proposta havia um direcionamento do governo federal em articular programas

7O processo de modernização no campo foi conservadora e o papel da Extensão Rural foi extremamente

relevante para esse propósito, já que além da adoção de pacotes tecnológicos através do acesso ao crédito orientado, havia também a intenção de que a modernização ocorresse sem atacar os problemas centrais que assolavam as populações rurais, como o acesso à terra, as desigualdades sociais de renda, gênero, raça e etnia. Havia um objetivo de modernizar o campo, mas sem mexer na estrutura agrária e sem discutir de forma profunda as desigualdades sociais que imperavam no meio rural. A modernização no campo, como o próprio Paulo Freire denunciou, não significou o desenvolvimento de todos, uma vez que os problemas centrais ainda permaneciam latentes.

e ações em prol de um objetivo maior que era erradicar a fome no país mediante a implementação do programa Fome Zero. Segundo informações retiradas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o programa Fome Zero, desde o seu lançamento em 2003 até o ano de 2010, conseguiu fazer com que o Brasil avançasse no combate à fome. Amparado pelos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto Pólis e pesquisas de universidades federais, o ministério demonstra que neste período, o programa trouxe avanços importantes para que milhares de brasileiros saíssem da linha de pobreza e extrema pobreza.

Basicamente, o Fome Zero pode ser caracterizado como um conjunto de ações e programas articulados com ênfase na geração de renda, articulação, mobilização e controle social para erradicação da fome no território brasileiro. Mediante um aporte federal amplo e regular de recursos financeiros para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa Bolsa Família, todos esses programas sociais congregam com a proposta adicional do governo em firmar parcerias com os estados e municípios para a geração de renda e realização de campanhas de combate à fome e de segurança alimentar e nutricional.

A PNATER veio somar esforços a essas ações e programas para que este objetivo maior fosse atendido, principalmente no que concerne à oferta de uma ATER que proporcionasse aos produtores rurais desenvolvimento sustentável, segurança alimentar e geração de renda.

Portanto, é importante que se retome que os impactos decorrentes da modernização da agricultura quando confrontados com os resultados dos estudos realizados pela FAO-INCRA, discutidos logo abaixo, se mostrarão muito mais evidentes demonstrando qual segmento rural que mais ganhou e o que mais perdeu com os efeitos da modernização do campo. Adianta-se que o segmento rural diferenciado da agricultura familiar foi o que mais sofreu com os efeitos da agricultura modernizadora, conforme poderá ser comprovado naqueles estudos, em contrapartida mostrou-se como um dos mais importantes em termos de geração de renda, produção de gêneros alimentícios e absorção de mão de obra rural.

1.2 Políticas públicas para o meio rural: A agricultura familiar como