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PARTE I DENTRO

2. CAPÍTULO II CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA PRAXEOLÓGICA:

2.8. DAS PROBABILIDADES

No estudo da praxeologia são tecidas amplas críticas ao uso das probabilidades. O próprio John Stuart Mill aponta que o cálculo de probabilidades se tornou verdadeira vergonha para a matemática107.

Mises aponta que os problemas das inferências feitas a partir das probabilidades são muito mais complexos que os problemas tratados pelo cálculo probabilístico. Probabilidade não

107 MILL, John Stuart. A System of Logic Ratiocinative and Inductive. 7th ed. Oxford: Benediction Classics, 2012,

significaria frequência108 . O maior erro é a indução das ciências naturais sobre dados probabilísticos, que resultou, inclusive, em uma tentativa falha de substituição da causalidade pela probabilidade na filosofia. A afirmação provável diz respeito à insuficiência e impossibilidade de esgotar seu conteúdo, quando não é possível separar completamente o verdadeiro do falso.

Existiriam dois grandes grupos de probabilidade, cada qual com suas implicações e usos próprios. O primeiro seria relativo à probabilidade de classe (de frequência) e o segundo seria relativo à probabilidade de caso (ação humana). As primeiras (de classe) seriam utilizadas para o estudo da causalidade (ciências naturais), as segundas seriam utilizadas para estudar a teleologia da ação humana.

As probabilidades de classe presumem o comportamento de uma classe de eventos ou fenômenos, mas sobre os eventos singulares em si pouco ou nada se sabe, tão apenas a possibilidade de classificá-los nesta classe109. A simbologia matemática das probabilidades não acrescenta nada novo sobre os eventos singulares, tão apenas sistematiza (ou facilita) o entendimento do que já se sabia sobre o comportamento de classe.

Para o jogador ou especulador, o cálculo de probabilidade é inútil, a característica dos jogadores (jogos de sorte, principalmente) e dos traders é lidar com a sorte, que pode ser entendida como a miríade de eventos que não têm controle, mas que lhes afetam diretamente e que suas ações também afetam110. Em resumo: O vendedor de frutas sabe, por exemplo, que uma em cada

108 MISES, op. cit., p.141.

109 Sabemos, por exemplo, que existem noventa bilhetes numa loteria, dos quais cinco serão sorteados. Portanto,

sabemos tudo sobre o comportamento de toda a classe de bilhetes. Mas, em relação aos bilhetes que serão premiados, só sabemos que integram a classe de bilhetes. Suponhamos uma estatística sobre mortalidade registrada em uma determinada área, num certo período de tempo. Se considerarmos que não haverá variação em relação à mortalidade, podemos dizer que sabemos tudo em relação à mortalidade da população em questão. Mas, quanto à expectativa de vida de um determinado indivíduo, nada podemos afirmar, a não ser que este indivíduo faz parte daquele grupo de pessoas. Ver: MISES, Ludwig von. Ação Humana: um tratado de economia. Trad. Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p.142.

110 Se alguém promete pagar uma determinada importância, em caso de morte de uma terceira pessoa, e cobra por essa

promessa uma quantia adequadamente calculada de acordo com a expectativa de vida, não estará procedendo como um segurador, mas como um jogador. Uma operação de seguro implica necessariamente segurar uma classe inteira ou aquilo que possa razoavelmente ser considerado como tal. O conceito básico da operação de seguros é formar um pool e distribuir os riscos e não o cálculo de probabilidade. O cálculo matemático necessário pode ser feito com as quatro operações elementares da aritmética. O cálculo de probabilidade é inteiramente desnecessário. Isto fica claramente evidenciado quando percebemos que a eliminação de riscos pela formação de um pool pode ser efetuada sem que se recorra a métodos atuariais. É conduta habitual na vida cotidiana. Qualquer comerciante inclui no seu custo uma parcela para compensar perdas que regularmente ocorrem no seu negócio. “Regularmente”, neste contexto, significa: o montante dessas perdas é conhecido em relação ao conjunto de artigos em questão. (Ibidem, p. 143).

cinquenta maçã apodrecerá antes de ser vendida, sem poder precisar qual delas. Desta forma, acrescenta aos seus custos o montante necessário para cobrir a perda111.

A probabilidade de caso diz respeito que aos fatores que influenciam determinado evento, mas existem, ao mesmo tempo, outros sobre os quais nada se conhece112.

A probabilidade de caso é uma característica específica do nosso enfoque em relação aos problemas que ocorrem no campo da ação humana, onde qualquer referência à frequência é inadequada, uma vez que lidamos com eventos que, por serem únicos, não pertencem a nenhuma classe. Podemos conceber a classe “eleições presidenciais americanas”. Este conceito de classe pode ser útil ou até mesmo necessário para vários tipos de considerações, como, por exemplo, para tratar do assunto sob o ângulo da lei eleitoral. Mas, se estamos lidando com a eleição de 1944 – seja antes dela, para avaliar seu futuro resultado, seja depois, analisando os fatores que o determinaram —, estamos tratando de um caso individual, único e que não se repetirá. Cada caso se caracteriza por suas circunstâncias únicas; é em si mesmo uma classe. Todas as características que permitiriam enquadrá-lo em alguma classe são irrelevantes para o problema em questão113.

Os indivíduos sempre, inevitavelmente, se defrontam com um problema: seus semelhantes agem da mesma forma que ele, o que o faz, de certo modo um especulador. Não há estabilidade nas interações humanas. Da mesma forma que de uma perspectiva pessoal há incerteza sobre como os demais indivíduos irão agir (por não poder observar), estes outros indivíduos também sofrem do mesmo problema. O aspecto observável (externo) pouco traduz dos aspectos mentais (internos). Qualquer tese que propõe algum tipo de engenharia social, ou seja, a tratativa de humanos da mesma forma que um engenheiro trata os elementos pelos quais constrói pontes ou estradas incorre em um erro primordial. A vontade dos seus semelhantes é ignorada e substituída pela sua

111 Ibidem, p.143.

112 Frequentemente queremos prever um evento futuro com base no nosso conhecimento sobre o comportamento da

classe a que esse evento pertence. Um médico pode estimar a chance de cura de um paciente, se ele sabe que 70% das vítimas da mesma doença se recuperam. Se expressar corretamente este conhecimento, dirá apenas que a probabilidade de cura é de 0.7, isto é, de cada dez pacientes, em média, morrem três. Todas as previsões sobre eventos externos, isto é, eventos no campo das ciências naturais, são deste tipo. Não são previsões sobre o resultado de casos futuros, mas informações sobre a frequência dos possíveis resultados. São baseadas ou em informações estatísticas ou simplesmente numa estimativa aproximada e empírica. Estes tipos de declaração sobre o que é mais provável não constituem probabilidade de caso. Na realidade, não sabemos nada acerca do caso em questão, a não ser que se enquadra numa classe, cujo comportamento conhecemos ou pensamos que conhecemos. (Ibidem, p. 144).

113 Suponhamos que dois times de futebol, os Azuis e os Amarelos, vão jogar amanhã. Os Azuis, até agora, sempre

ganharam dos Amarelos. Este conhecimento não é conhecimento sobre uma classe de eventos. Se fosse, teríamos de concluir que os Azuis são sempre vitoriosos e que os Amarelos são sempre derrotados. Não teríamos dúvida quanto ao resultado do jogo; teríamos certeza de que os Azuis ganhariam mais uma vez. O simples fato de considerarmos o resultado do jogo de amanhã como apenas provável mostra que o consideramos como um evento único e não como uma classe de eventos. Por outro lado, em relação à previsão do resultado do jogo de amanhã, consideramos relevante o fato de os Azuis terem sido sempre vitoriosos. Nosso prognóstico seria favorável a uma nova vitória dos Azuis. Se fôssemos argumentar com base no raciocínio apropriado à probabilidade de classe, não atribuiríamos importância àquele fato. Se, ao contrário, incidíssemos na “ilusão do jogador”, sustentaríamos que o jogo de amanhã seria ganho pelos Amarelos. (Ibidem, p.145).

própria. Este é um dos motivos pelo qual o planejamento central sempre falha, seja pela implementação de políticas, seja em termos de tomada de decisão ou qualquer outro cenário. O agente somente consegue ter clareza daquilo que tem profundo contato ou conhecimento e nem mesmo assim consegue assegurar a regularidade dos eventos. Um empresário, por exemplo, pode conhecer o mercado, o consumidor, os concorrentes, os processos produtivos etc., e mesmo assim não será suficiente para predizer se terá lucro, quanto lucro (ou prejuízo) terá e em quanto tempo. O resultado de sua atividade, finalisticamente considerado, é fruto do resultado de outros seres humanos que, assim como ele, desconhecem o universo dentro da mente dos demais indivíduos. Por isso os dados e a comunicação têm tido papel cada vez mais fundamental nas técnicas de comercialização e estudo de mercado.