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Das tristezas: a saudade que fica, a dor do outro e o retorno da doença

4. A INFÂNCIA CONSTRUÍDA: DESTECENDO AS REPRESENTAÇÕES INFANTIS

5.4.2 Das tristezas: a saudade que fica, a dor do outro e o retorno da doença

manifestarem, quando questionadas sobre isso, que não há nada que as deixem tristes, outras partilharam o afastamento dos familiares e da casa como as situações geradoras de tristezas:

Pesquisadora: E tem algo aqui no hospital que deixa triste? Davi: Não. Nada deixa

(Diálogo entre pesquisadora e Davi, 8 anos)

Pesquisadora E tem algo aqui nos hospital que deixa triste? Rafael: Não, tem não.

(Diálogo entre pesquisadora e Rafael, 9 anos)

Pesquisadora: O Alien quer saber se tem algo aqui no hospital que deixa a criança triste. Tem?

Elias: Tem, é que sente falta da casa, dos irmãos, do pai.... E das tias!

(Diálogo entre pesquisadora e Elias, 7 anos)

O que deixa triste? A saudade do meu pai.

(Fragmento da entrevista de Júnior, 11 anos)

Como já tematizado, a internação em uma instituição hospitalar acarreta muitas mudanças nas vidas das crianças e de seus familiares. Como se não bastassem os exames e procedimentos necessários para a continuidade do tratamento e combate da doença, o distanciamento de casa,

dos familiares mais próximos e a saudade que acompanha cada momento de internação demarcam tristezas neste processo de cuidado.

O local da pesquisa resguardava, conforme a resolução 41 do CONANDA, o direito de a criança ser acompanhada por sua mãe, pai ou responsável durante o período de hospitalização, bem como receber visitas. Ainda que isso contribua para a sensação de amparo, segurança e cuidado da criança e os momentos de visita auxiliarem no contentamento e alívio da saudade, finalizar o tempo destinado a esse encontro é significado por Juju como algo que a deixa triste no hospital:

Quando o horário de visita acaba!

(Fragmento da entrevista de Juju, 7 anos)

Já J.C trouxe uma outra questão importante que acarreta sentimentos adversos nas crianças, pois, como as internações ocorrem de maneira frequente, elas têm a oportunidade de fazer amigos ao longo do tratamento. Assim, ele comenta sobre os sentimentos dos colegas que estão na enfermaria e o quanto o deixa triste perceber as manifestações de medo e dor deles:

Fico triste só quando o amigo tá assim: gritando, fazendo uma coisa que eles

têm medo, ai eles ficam chorando. Tipo quando eles vão fazer uma cirurgia e ficam com medo.

(Fragmento da entrevista de J.C, 12 anos)

Quando questionado sobre os próprios medos e mais tristezas, ele relata o fato de estar, pela segunda vez, com a doença e isso parecia amenizar a possibilidade de temer e vivenciar algo:

Pesquisadora: E você tem mais algum medo do tratamento, de alguma coisa assim?

J.C: Não...porque eu já tive essa doença... eu tive quando eu tinha 5 anos de idade. É, ai eu estava curado! Aí ia recebe o laudo de cura, aí depois voltou...

Pesquisadora: Mas, e como a criança fica quando recebe a notícia que a doença voltou?

J.C: Fiquei meio triste. Ai depois eu melhorei...

(Dialogo entre pesquisadora e J.C, 12 anos)

O contexto vivenciado por J.C retrata a questão da recaída ou recidiva do câncer, ou seja, o reaparecimento das células malignas, após o período de remissão da doença, no local primário ou em localidades próximas ao inicial e/ou outras partes do corpo, podendo aparecer, também, de modo metastático (INCA, 2015). Segundo Valle e Espíndula (2001), compreende-se por remissão a parada do processo cancerígeno. Quando isso ocorre, há a regressão dos sintomas e o retorno da situação física normal. Vale salientar que isso pode ser temporário ou permanente. Domingues (2016) aponta que a recidiva pode irromper tanto quando a criança e seus familiares já restabeleceram sua rotina escolar e social, como foi o caso de J.C, como também logo após a finalização do tratamento quando os sintomas se manifestam novamente e a confirmação da doença é recebida após a realização de novos exames. Isso implica diminuição das chances de cura da doença.

Para Epelman (2013), os pais e os pacientes tendem a questionar o sentido e a gravidade da doença e o tratamento proposto é rotulado, muitas vezes, como uma última chance. Raramente, há uma recusa dos pais frente a uma nova possibilidade terapêutica, por mais diminuta que pareça, haja vista a necessidade de não se culpabilizarem depois do retorno à rotina hospitalar e às situações advindas do tratamento (Vivar, Navidad, Canga & Arantzamendi 2009).

Para J.C, a espera por um transplante de medula óssea é o ensejo de uma vida e a aproximação do tão esperado “laudo da cura”. Entretanto, apesar da esperança que o paciente apresenta ao longo da entrevista, como será visto nas demais etapas deste estudo, a tristeza decorrente do diagnóstico de recidiva é uma entre várias repercussões possíveis.

Como aponta Domingues (2016), em seu estudo acerca da experiência de adoecimento para crianças em recidiva oncológica, o tempo que demarca o retorno da doença é um momento de reencontrar dores, perdas, lugares e procedimentos já conhecidos. Mas há novos temores quando os pacientes são confrontados com a possiblidade do transplante e com as incertezas frente ao tratamento e a morte.

Vale salientar que, apesar do nosso estudo apresentar outras duas crianças em recidiva, como Emily e Esther, elas não trouxeram, em suas narrativas, elementos que pudessem ampliar nossa discussão sobre a questão do retorno da doença, ou elencar possíveis diferenciações nas experiências das crianças que tinham pouco tempo de diagnóstico. Com J.C, apesar da tristeza de receber a notícia de que a doença havia retornado, o medo de alguns procedimentos já não era tão presente, pois a estrada em busca da cura já apresentava elementos conhecidos.

De modo geral, com tantos sentimentos que podem estar presentes no processo de hospitalização e tratamento oncológico, reafirmamos o quão importante é a prestação, pelos profissionais de saúde, de um cuidado sensível às demandas dos pacientes infantis (Pacciulio, 2012).

Ainda que legal e tradicionalmente os responsáveis cuidadores sejam os porta-vozes das crianças durante o processo, é na perspectiva da própria criança que encontraremos pistas para o desenvolvimento de uma assistência de qualidade e apropriada para essa população.

Para tanto, acolher a criança é fundamental. Isso não significa, conforme ressaltado por Alves, Deslandes e Mitre (2009), apenas o modo cortês dos profissionais de saúde de receber e tratar o paciente. Mas promover um acolhimento que possibilite a construção de relações mais dialógicas, facilitando o exercício da autonomia da criança e ampliando a compreensão de como elas vivenciam as repercussões do tratamento e, assim, desenvolver e direcionar, de modo mais efetivo, as intervenções da equipe.