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Os cuida(dores): a família e os profissionais de saúde

6. CONHECENDO OS ALIADOS DAS NOSSAS CRIANÇAS

6.1.3 Os cuida(dores): a família e os profissionais de saúde

É no cuidado incondicional que o ser humano encontra sua quietude.

(Leonardo Boff)

Quando o Alien questionou a Juju sobre o que a ajudava a enfrentar o tratamento e a hospitalização, ela frisou:

Minha mãe, ela tem que ficar sempre do meu lado!

(Fragmento da entrevista de Juju, 7 anos)

Nesse sentido, a narrativa de Juju valida o que o estudo de Nogueira et al., (2017) constatou ao perceber a forte presença da figura materna como fonte de cuidado, conforto, diálogo e apoio emocional para as crianças em tratamento oncológico, concluindo, portanto, o quanto que a família representa uma rede de suporte significativa para os pacientes com câncer, em especial as crianças, pois não há possiblidade de enfrentamento do problema sozinho, sendo imprescindível o apoio para lidar com o processo de tratamento e cura.

Através da narrativa das nossas crianças, foi possível apreender também que a figura materna aparece, com frequência, como apoio nas situações geradores de medo, especialmente diante dos procedimentos invasivos:

Segurar na mão da mãe passa o medo. Quando eu faço exame de sangue, eu

seguro na mão da minha mãe. Eu seguro na mãe da minha mãe toda vez, até quando eu vou tomar injeção na bunda. Que minha mãe segurou na minha mão quando vai me furar para soro, eu sempre seguro na mão da minha mãe.

(Fragmento da entrevista de Zezinho, 8 anos).

E o que você faz para passar o medo? Eu olho para a minha mãe e seguro na

mão dela!

(Fragmento da entrevista de Juju, 7 anos)

Nesse contexto, é possível refletir sobre o papel do cuidador familiar como fonte primária de uma relação protetora, especificamente a mãe. De acordo com Teles e Valle (2010), o amparo que proporciona um vínculo protetor e seguro à criança permite que ela enfrente melhor suas crises inesperadas e imprevisíveis. Diante das circunstâncias necessárias, mas mobilizadoras de dor e sofrimento, como os procedimentos invasivos, a presença que traz segurança e proteção permite que a criança lide com maior confiança, resiliência e perseverança a adversidade.

Em concordância com os achados, Sabino (2008), ao investigar os modos de enfrentamento das crianças a partir de uma perspectiva fenomenológica, também compreendeu que a família e o cuidador principal, comumente a mãe, surgem como suporte psicossocial e parte fundamental para o sucesso do tratamento, uma vez que são sentidos como apoio primário e é a partir deles que as crianças parecem iniciar a sua busca pela compreensão da nova realidade.

Outra fonte de auxílio reconhecida por algumas das crianças do nosso estudo, quando questionadas sobre o que ajudava a enfrentar o tratamento, foi a equipe de saúde, em especial os médicos e enfermeiros – os cuidadores profissionais.

A médica!! Ela passa remédio para mim! Passa para dor de barriga, para

febre...

(Fragmento da entrevista de Elias, 7 anos)

As enfermeiras. Quem é meu amigo é Genilson, um enfermeiro. Ele é muito

legal. Eu confio nele, aí uma vez eu confiei nele e ele acertou a furada de

primeira!

(Fragmento da entrevista de Zezinho, 8 anos)

Nota-se, na fala de Elias, a figura da médica como detentora de recursos para alívio dos sintomas advindos do adoecimento e tratamento oncológico e para Zezinho, a relação de confiança construída com o enfermeiro possibilitou uma experiência segura para a realização de um procedimento invasivo, fazendo-nos refletir sobre o quanto que o vínculo positivo e afetivo entre paciente-equipe pode auxiliar no enfrentamento do processo de hospitalização e tratamento.

Dados semelhantes foram encontrados a partir das crianças em pesquisa realizada por Soanes, Hargrave, Smith e Gibson (2009). Nela, os profissionais mencionados como atenuadores das repercussões indesejáveis da hospitalização e quimioterapia foram aqueles que as ouviram, cuidaram e explicaram os processos, articulando-se com a criança de modo amigável e dando injeções sem doer.

No estudo de Sposito et al. (2014), fazendo o uso de entrevistas semiestruturadas com bonecos, eles verificaram, através de uma análise temática indutiva, que os desafios impostos

pelo tratamento quimioterápico motivaram as crianças a desenvolverem suas próprias estratégias de enfrentamento, além disso compreenderam que as crianças parecem eleger um ou alguns profissionais da equipe como referência para o cuidado. Os nossos pequenos colaboradores também elegeram as suas referências entre os profissionais da equipe cuidadora. Bastante ilustrado no destaque dado na assertiva de Zezinho: “As enfermeiras. Quem é meu amigo é Genilson, um enfermeiro”.

De acordo com Maranhão et al. (2011), o trabalho da enfermagem pautado em habilidades humanísticas, intuitivas e de relacionamento interpessoal é imprescindível, pois permite o enfrentamento do medo e da ansiedade pela criança em tratamento oncológico. Exigindo, portanto, práticas aliadas a um cuidado pleno e articulado com os diferentes estágios de desenvolvimento do paciente e os fatores emocionais da família.

É fato que, para além da enfermagem, todos os profissionais de saúde envolvidos no cuidado da criança devem compreender os elementos relevantes para elaboração do seu processo terapêutico. É valorizando o sofrimento, compreendendo as expectativas e temores dessas pacientes que as práticas em saúde vão transcender o arcabouço dos conhecimentos técnicos-científicos e promover um cuidado integral (Queiroz, Ribeiro & Pennafort, 2010).

Vale ressaltar, portanto, a importância de manter atenção e cuidado com o cuidador principal e demais familiares no processo. Ainda que tentem reunir forças para apoiar a criança, os cuidadores vivenciam sobrecarga física e psicossocial advindos de uma vivencia de cuidado complexa, apresentando necessidades específicas que também precisam ser orientadas pela equipe de saúde. Nesse sentido, incluir o familiar no plano de cuidados é fundamental (Amador, Gomes, Reichert, Lima & Collet, 2013).

Por último, traremos um ponto que será melhor discutido nos capítulos posteriores, uma vez que se trata do objetivo central deste estudo, mas o que duas de nossas crianças compartilharam serve de fio condutor para iniciar a nossa discussão sobre a questão da

espiritualidade e religiosidade no cenário oncológico pediátrico, especialmente quando esses elementos são frisados como o que as ajudava a enfrentar as vulnerabilidades do tratamento.