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de 89 BLOCO 9: PROLIFERAÇÃO E MORTE CELULAR

Ciclo celular: ciclo de duplicação do conteúdo celular (ver BLOCOS 4 e 5) e posterior divisão do conteúdo duplicado pelas duas células-filhas. Para isso, é necessária a coordenação e regulação da maquinaria envolvida nestes processos.

Função básica da célula: duplicar fielmente a grande quantidade de DNA dos cro- mossomas e distribui-la equitativamente (cópias) às células-filhas geneticamente idênticas.

Fase M: fase mitótica do ciclo celular. Compreende a mitose (ou cariocinese, cor- responde à divisão nuclear) e a citocinese (divisão do citoplasma).

Interfase: intervalo entre duas fases M. Caracteriza-se por um período de elevada biossíntese, sendo composta por três fases:

→ Fase G1: intervalo entre o final da fase M e o início da fase S; → Fase S: duplicação do DNA (pré-requisito para a divisão celular); → Fase G2: intervalo entre o final da fase S e o início da fase M.

Sistema de controlo do ciclo celular: garante que os eventos do ciclo celular (repli- cação do DNA, mitose e outros) decorram numa determinada sequência e que cada processo está terminado antes de o seguinte se iniciar. Para isso, o sistema de con- trolo é regulado em pontos críticos do ciclo celular (checkpoints) por feedback do processo em curso. Os checkpoints servem como paragens moleculares, onde o ciclo celular consegue ser interrompido. Existem três checkpoints que controlam a progressão do ciclo celular:

→ G1: confirmação da favorabilidade do ambiente. A proliferação celular necessi- ta de suficientes nutrientes e sinais extracelulares. Se as condições extracelula-

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res forem adversas, atrasa-se G1, entrando num estado de latência (G0). Certas células, como células nervosas e do músculo esquelético, permanecem em G0 durante toda a vida do organismo. Este checkpoint é importante visto também ser regulado por sinais de outras células.

→ G2: garante que a célula não entra em mitose até que todo o DNA seja replica- do e que todos os erros que danifiquem o DNA sejam reparados.

→ Mitose: garante que os cromossomas replicados estão devidamente associados ao fuso acromático antes de serem segregados e distribuídos pelas duas célu- las-filhas.

Sistemas de Controlo do Ciclo Celular

O sistema de controlo do ciclo celular actua sobre a maquinaria responsável pela produção de componentes para a célula em crescimento e pela movimentação des- ses componentes para os seus locais correctos, activando-a ou inibindo-a nas altu- ras correctas, permitindo a coordenação de vários passos do ciclo.

O sistema actua activando e depois inactivando proteínas e complexos proteicos que iniciam ou regulam a replicação do DNA, a mitose e a citocinese. Essa sequência de activação/inactivação é feita através de fosforilações/desfosforilações, sendo mediadas por proteínas cinases e fosfatases.

A activação das cinases que actuam ao longo do ciclo celular depende de outras proteínas, as ciclinas. Estas não têm actividade enzimática nelas próprias mas têm de se ligar às cinases do ciclo celular para que estas possam ser enzimaticamente activas; assim sendo, as cinases do sistema de controlo são cinases dependentes de ciclina (Cdk). A variação das suas concentrações ao longo do ciclo celular, que valeu às ciclinas o seu nome, promove a associação e activação dos complexos ciclina- Cdk, desencadeando vários processos do ciclo (como a entrada na fase S ou M).

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O aumento/diminuição dos níveis de ciclina regulam a actividade das Cdk ao longo do ciclo celular. As concentrações de ciclina aumentam gradualmente, mas a activi- dade dos complexos ciclina-Cdk tende a ser activada abruptamente num determi- nado momento do ciclo. Essa activação abrupta deve-se à fosforilação do complexo num determinado local, por uma cinase, e à desfosforilação noutro local, por uma fosfatase.

Existem vários tipos de complexos ciclina-Cdk que controlam diferentes etapas do ciclo celular:

→ M-Cdk: compostos por ciclina M (como a ciclina B) e Cdk1. Actua ao nível de G2, catalisando a entrada na fase M.

→ G1-Cdk: compostos por ciclina G1 (como a ciclina D) e Cdk4 e Cdk6. Actua numa fase prévia de G1, ajudando na progressão até à fase S.

→ S-Cdk: compostos por ciclina S (como a ciclina A) e Cdk2. Actua numa fase tar- dia de G1, despoletando a entrada na fase S.

→ G1/S-Cdk: compostos por ciclina G1/S (como a ciclina E) e Cdk2. Actua previa- mente ao complexo S-Cdk.

Figura 39 – Variação das concentrações das ciclinas ao longo do ciclo celular e da actividade das cinases dependentes de ciclina (Cdk).

Figura 40 – Actuação dos diferentes complexos ciclina-Cdk ao longo do ciclo celular e variação das suas concentrações.

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A queda abrupta das concentrações de ciclinas em certos pontos do ciclo resulta da degradação selectiva de ciclinas. Complexos enzimáticos específicos adicionam ubiquitina à ciclina apropriada, sinalizando-a para degradação no proteossoma. Esta degradação de ciclinas é bastante rápida e permite a inactivação da Cdk respectiva. A inactivação de Cdk tam- bém pode desencadear transições de uma fase do ciclo para outra. Por exemplo, a degradação de ciclina-M inactiva o complexo M-CdK, o que indica à célula a finalização da mitose.

Alguns dos checkpoints dependem de proteínas inibidoras de Cdk que bloqueiam a organização ou actividade de um ou mais complexos ciclina-Cdk. Algumas destas proteínas ajudam a manter inactivas Cdk em G1, atrasando a entrada na fase S (mais tempo para aumentar o seu tamanho e esperar por condições extracelulares mais favoráveis).

Mitogénios: sinais extracelulares produzidos por outras células que estimulam a divisão celular, passando por cima dos mecanismos intracelulares que tendem a bloquear a progressão ao longo do ciclo. Se a célula não receber estes sinais, fica bloqueada em G1; quando a ausência de mitogénios é prolongada, a célula entra em G0, sendo que pode ser um G0 irreversível (por exemplo, as células nervosas). Nesse caso, a grande maioria do sistema de controlo é desmantelado.

Fase S

Antes da célula se dividir, tem de replicar o DNA (ver BLOCOS 4 e 5).

Figura 41 – Degradação das ciclinas e transições do ciclo associadas.

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As origens de replicação recrutam proteínas específicas que controlam o início e completam a replicação do DNA. Um complexo multiproteico, o complexo de reco- nhecimento da origem (ORC), mantém-se ligado às origens de replicação durante todo o ciclo celular, onde serve como sinalizador para outras proteínas que se venham ligar antes do início da fase S.

Uma dessas proteínas é a Cdc6, estando presente em baixos níveis ao longo da maior parte do ciclo celular mas que aumenta transitoriamente numa fase precoce de G1. Quando se liga ao ORC em G1, promove a ligação de outras proteínas, for- mando um complexo pré-replicativo, que sinaliza o início da replicação, através da activação do complexo S-Cdk. Este complexo pré-replicativo previne ainda a re- replicação do DNA: ajuda na fosforilação da Cdc6, promovendo a dissociação do complexo pré-replicativo e a degradação da Cdc6.

Coesinas: proteínas que asseguram a coesão dos croma- tídeos-irmãos nos cromossomas replicados. Asseguram a segregação cromossómica apropriada, sendo apenas quebrada numa fase tardia da mitose permitindo a separação dos cromatídeos pelo fuso acromático em anafase.

O sistema utiliza diversos mecanismos de checkpoint para impedir a progressão do ciclo celular caso o DNA esteja danificado.

→ G1: danos no DNA causam um aumento da concen- tração da proteína p53, reguladora da transcrição que activa a transcrição do gene que codifica a pro-

Figura 42 – Entrada na fase S por meio do complexo pré-replicativo.

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teína p21. Esta proteína é inibidora de Cdk2, 4 e 6 e liga-se aos complexos G1- S/Cdk e S-Cdk, impedindo a progressão para a fase S. Se o DNA estiver dema- siado danificado, a p53 pode induzir apoptose.

→ S: durante a replicação do DNA, impedindo a entrada em fase M com DNA incompleto ou danificado. Para que a célula entre em fase M, o complexo M- Cdk tem de ser activado por fosfatases e cinases específicas. Quando o DNA está danificado, as fosfatases auto-inibem-se, os complexos M-Cdk estão inactivos e a fase M não começa enquanto os erros não forem reparados.

Fase M

Reorganização de todos os componentes celulares de forma a distribuí-los equitati- vamente pelas células-filhas.

M-Cdk: induz a condensação dos cromossomas e correcto alinhamento dos mesmos no plano equatorial, para que possam ser correctamente segregados. Induz tam- bém a formação do fuso acromático. É activado pela fosfatase Cdc25, sendo essa activação mediada por feedback positivo.

Condensinas: complexos proteicos que ajudam na condensação dos cromossomas. São activadas, por fosforilação, por acção indirecta do complexo M-Cdk e actuam conjuntamente com as coesinas, contribuindo para a formação de anéis à volta dos cromossomas.

Figura 44 – Activação do complexo M-CdK.

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A fase M pode ser dividida em seis fases:

→ Profase: condensação dos cromossomas (2 cromatídeos-irmãos) e formação do fuso acromático entre os dois centrossomas.

→ Prometafase: fosforilação dos poros nucleares e lâminas nucleares, quebrando- se o invólucro nuclear. Os microtúbulos do fuso acromático ligam-se aos cine- tocoros (complexos proteicos que medeiam a ligação dos filamentos aos cen- trómeros).

→ Metafase: alinhamento dos centrómeros no plano equatorial da célula.

→ Anafase: segregação dos cromatídeos-irmãos através de migração polar. Os microtúbulos vão diminuindo o seu comprimento (anafase A) e os pólos do fuso movem-se em sentidos opostos (anafase B).

→ Telofase: reformação do invólucro nuclear (desfosforilação dos poros e lâminas nucleares) à volta de cada conjunto de cromossomas. Formação do anel con- tráctil de actina.

→ Citocinese: separação do citoplasma, através da contractilidade do anel de actina.

Controlo do número e tamanho das células

As células de um organismo multicelular são reguladas ao nível da divisão mas tam- bém a nível da morte celular. Quando uma célula já não é necessária ou, por algu- ma razão, se torna perigosa, pode provocar a sua própria morte – morte celular programada, sendo a apoptose o processo mais comum em animais.

A apoptose não prejudica as células vizinhas visto que a célula encolhe e condensa- se, sendo rapidamente fagocitada por macrófagos, que reconhecem fosfatidil-

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serina expressa, em apoptose, na face externa da membrana plasmática. O citoes- queleto colapsa e o material genético é fragmentado.

Caspases: proteases provenientes de precursores inactivos (pró-caspases). Têm como principais acções: destruir as proteínas inibidoras da DNase, clivar as lâminas nucleares e proteínas do citoesqueleto, levando à fragmentação do núcleo, destrui- ção do citoesqueleto e fragmentação celular.

As pró-caspases são activadas por clivagem proteolítica em resposta a sinais indu- tores de apoptose. Dá-se uma cascata proteolítica amplificada: as caspases clivam pró-caspases, activando-as e tornando-as em caspases efectoras que podem actuar no seu substrato ou continuar a clivar outras pró-caspases.

Figura 47 – Exposição de fosfatidil-serina numa célula apoptótica.

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Caspase 9: caspase iniciadora nos mamíferos que é activada aquando da formação do apoptossoma, um complexo com 7 subunidades, sendo, cada uma delas, consti- tuída por uma pró-caspase 9, uma proteína adaptadora Apaf-1 e uma molécula de citocromo C. O citocromo é libertado pela mitocôndria por estímulos pró- apoptóticos. Uma vez activada pelo apoptossoma, a caspase 9 cliva/activa caspases efectoras que levam à morte celular. Activa as caspases 3 (fragmenta DNA), 7 e 8 (activa proteínas pró-apoptóticas da família Bcl2).

Família Bcl2: grupo de proteínas intracelulares que regulam a activação de procas- pases e, consequentemente, a activação de processos que desencadeiam morte celular programada. Alguns membros promovem a activação de procaspases e mor- te celular enquanto outros inibem esses processos.

→ Bax e Bak: activam procaspases indirectamente ao ligarem-se à membrana externa mitocondrial, promovendo a libertação de citocromo C e formação do apoptossoma.

→ Bcl2: a própria proteína Bcl2 inibe a activação de procaspases e apoptose, ao bloquear a actividade de Bax e Bak.

→ Existem ainda outros membros que inibem os inibidores (inibem a Bcl2), ou seja, são pró-apoptóticos. Um exemplo dessas proteínas é a proteína Bad.

Face a danos irreparáveis no DNA, a proteína p53 também é indutora de apoptose. A existência desses erros provoca a activação de cinases (ATM, ATR e CHK2) que fosforilam e estabilizam a p53, permitindo o aumento dos seus níveis. A p53 induz a transcrição de genes que codificam proteínas pró-apoptóticas BH3-only3 (Puma e

Noxa), culminando na apoptose.

3

As proteínas BH3-only da família Bcl2 são iniciadores essenciais da morte celular programada e são necessárias para apoptose induzida por estímulos citotóxicos.

Figura 49 – Formação do apoptossoma. As proteínas Bax e Bak são responsáveis pela abertura de

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O processo de morte celular programada pode ainda ser regulado por sinais prove- nientes de outras células, podendo promover ou inibir o processo.

→ Factores de sobrevivência: promovem a sobrevivência da célula, suprimindo a apoptose. Se as células não receberem esses factores, activam o seu programa intracelular de morte. Ligam-se a receptores na superfície celular que supri- mem o programa de morte, podendo usar para esses efeitos a proteína Bcl2.

→ Mitogénios: ligam-se a receptores na superfície celular, iniciando transduções de sinais que indicam que a célula se deve dividir. Podem actuar ao libertarem do bloqueio e permitindo a transição de G1 para S. Um dos molecular brakes é a proteína Retinoblastoma (Rb) que se liga a reguladores de transcrição especí- ficos, impedindo-os de estimularem a transcrição de genes necessários à divi- são e proliferação celular. Os mitogénios activam vias de sinalização intracelular que conduzem à activação dos complexos G1-CdK e G1/S-CdK, que fosforilam a Rb, alterando a sua conformação e libertando o regulador de transcrição. Um exemplo de mitogénio, que activa outra via de sinalização, é o PDGF (platelet-

derived growth factor), que pode ser libertado por plaquetas incorporadas em

coágulos sanguíneos. O PDGF liga-se a receptores tirosina cinase (RTK), acti- vando a proteína Ras que vai iniciar uma cascata de fosforilação que actua sobre um módulo de sinalização: a Ras activa a MAP-cinase-cinase-cinase (MAP-KKK), que activa a MAP-cinase-cinase (MAP-KK), que activa a MAP- cinase (MAP-K), que fosforila reguladores de transcrição responsáveis pela pro- liferação celular na zona danificada. Da mesma forma, o factor de crescimento de hepatócitos estimula a proliferação de hepatócitos num fígado danificado (cirurgia ou ferida).

Figura 50 – Modo de actuação de um factor de sobrevivência.

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→ Factores de crescimento: ligam-se a receptores na superfície celular, activando vias de sinalização intracelular. Levam à acumulação de proteínas e outras macromoléculas através de dois mecanismos – aumento da biossíntese e dimi- nuição da sua taxa de degradação. O PDGF é um factor de crescimento e um mitogénio, estimulando tanto o crescimento celular como a progressão ao lon- go do ciclo celular. Ajuda as células a manter um tamanho apropriado enquan- to proliferam.

Algumas proteínas de sinalização extracelular inibem a divisão, crescimento e sobrevivência da célula. Um exemplo dessas proteínas é a miostatina que inibe o crescimento e proliferação celular de mioblastos , que se fundem para formar as

Figura 51 – Modo de actução da proteína Rb face a um estímulo mitogénico.

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fibras musculares durante o desenvolvimento embrionário. Quando o gene se encontra danificado, as células musculares crescem e proliferam, hipertrofiando os músculos.

Cancro

Cancro: patologia resultante da proliferação anormal de qualquer tipo de célula (tumor). O tumor maligno é aquele que tem capacidade de se metastizar.

→ Carcinoma: com origem em células epiteliais (90%);

→ Sarcoma: a partir de células do tecido conjuntivo, como osso, cartilagem e teci- do fibroso;

→ Leucemia e linfoma: a partir de células hematopoiéticas e do sistema imunitá- rio (8%).

A proliferação desmedida das células deve-se a mutações em genes reguladores críticos que controlam a proliferação, a diferenciação e a sobrevivência.

→ Proto-oncogene: genes reguladores que promovem a proliferação celular nor- mal e inibem a apoptose. A presença de uma mutação em um dos alelos é sufi- ciente para ser induzida proliferação celular e desenvolverem-se tumores. Assim, o proto-oncogene transforma-se num oncogene. As alterações que ori- ginam um oncogene podem ser:

Mutação numa sequência codificante: pode conduzir à produção, em níveis normais, de uma proteína hiperactiva. Pode provocar alterações no centro activo ou na conformação, alterando a ligação ao substrato. É o caso dos RTK (receptores tirosina cinase) ou da Ras.

Amplificação génica: amplificação do gene, o que faz com que haja super- produção de proteína. Pode acontecer com factores de crescimento (como o c-Myc).

Rearranjo cromossómico: translocação do proto-oncogene para uma região com várias sequências reguladoras e promotoras upstream, aumentando a transcrição. Pode ainda haver fusão com um gene activamente transcrito, havendo produção de uma proteína híbrida hiperactiva (é o caso do Bcr-Abl, leucemia mielóide crónica, cromossoma Philadelphia).

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→ Gene supressor de tumor: genes reguladores que inibem a proliferação celular e o desenvolvimento tumoral e promovem a apoptose celular. A presença da mutação têm de se encontram em ambos os alelos para se verificar completa ineficácia do gene. Os genes que codificam as proteínas Rb, p53 e p21 são oncossupressores, tal como os genes BRCA1 e BRCA2 (muito comuns em casos hereditários de cancro da mama e do ovário).

Os tumores encontraram outras formas de proliferação, como a secreção de facto- res de crescimento que promovem a angiogénese e a reactivação da telomerase.

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