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De 1930 a 1954: a era Vargas

“Sabe-se de fato que quanto mais uma ciência se considera imune de juízos de valor, tanto mais ela é, de fato, impura, isto é, ideológica e acrítica, ...” (Massimo Quaini).

Após a Independência, o governo monárquico requeria “a apropriação territorial tanto nas suas formas materiais quanto ideológicas (criação da identidade nacional) … […] A República Velha quebra o centralismo imperial e coloca ênfase na organização federativa do Brasil” (Zusman, 2001, p. 8-9), o que permitiu a hegemonia dos estados melhores sucedidos do ponto de vista econômico (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). O golpe de 1930 reformulou o projeto político; retomou-se o desejo de unidade nacional,

“nas mãos de um Estado modernizado, dotado de um aparelho burocrático, intervencionista e hierárquico. No entanto, São Paulo dominado pela oligarquia cafeeira não está disposto a submeter seus próprios interesses aos nacionais.” (Zusman, 2001, p. 9-10)

Em 1930, os cafeicultores perderam grande parte de seu mercado externo. Apesar da crise, o café permaneceu como o principal produto de exportação e o governo procurou garantir o seu preço que, em 1931, correspondia a um terço do que fora em 1929. A pouca entrada de capitais estrangeiros, a crise econômica, a dificuldade de empréstimos externos (se conseguidos, os juros eram elevadíssimos), fizeram com que o governo suspendesse o pagamento da dívida externa. Sem moeda estrangeira era difícil importar maquinofaturados, o que estimulou a produção interna.

Paradoxalmente, a crise econômica proporcionou oportunidades para investimentos industriais163. O próprio aumento de população urbana ampliou o mercado de consumo interno. A indústria foi o motor da recuperação econômica, ajudada pela pressão política dos industriais – agora mais organizados –, pela aquisição de equipamentos usados no mercado internacional e, principalmente, pela atuação do Estado, que se transformou em investidor no setor de bens de produção e em controlador dos organismos da classe operária. Cooptava o operariado urbano mas excluía o campesinato – mais difícil de se organizar na defesa de seus direitos – dos benefícios trabalhistas.

Este tipo de cooptação caracteriza uma alienação em relação ao poder; com ela, a política gira em torno do Estado e de sua principal figura. Essa é uma das características do populismo: “a tentativa de estabelecer uma relação direta entre a liderança política e a ‘massa’, o ‘povo’, sem intermediação de grupos sociais organizados.” (Schwartzman, 1987, p. 15). Um populismo que sofreu influências de governos fascistas europeus mas que não deve ser classificado de modo semelhante por, entre outros aspectos, não possuir claramente ambições de expansionismo territorial.

163 Entre 1920 e 1929, foram criados 4.697 estabelecimentos industriais e a taxa média anual de crescimento da indústria foi de 2,8%; entre 1930 e 1939 foram criados 12.232 estabelecimentos e a taxa média anual, entre 1933 e 1939, foi de 11,2%. (Adas, 1985, p. 257)

Além disso, apesar de medidas e atividades semelhantes ao figurino do fascismo italiano, “o regime autocrático brasileiro diferia, em muitos aspectos, do modelo europeu, na medida em que não se baseou em nenhum partido ou movimento político que lhe garantisse a sobrevivência.” (Mendes, 1986, p. 45) Isto somente foi procurado no final do Estado Novo. Diferia também do regime peronista argentino pois este teve por base o movimento sindical e aqui o sindicalismo populista formou-se com o regime varguista. Também recebeu uma grande influência do positivismo mas através do castilhismo. Em 1932, claramente inspirada no fascismo europeu, surgiu a Ação Integralista Brasileira (AIB). Em seu manifesto de outubro, segundo a transcrição de Bercito (1990, p. 29), afirmou que

“o Brasil não pode realizar a união íntima e perfeita de seus filhos, enquanto existirem Estados dentro do Estado; partidos políticos fracionando a Nação; classes lutando contra classes; indivíduos isolados, exercendo pessoal ação nas decisões do governo; enfim todo e qualquer processo de divisão do povo brasileiro. [...] Precisamos de autoridade capaz de tomar iniciativas em benefício de todos e de cada um; [...] Precisamos da hierarquia, de disciplina, sem o que só haverá desordem [...].”

Sob a liderança de Plínio Salgado (1895-1975), que afirmava que todos os defeitos do mundo se originavam da ausência de disciplina e da falta de autoridade do Estado, a AIB defendia o Estado Integral: nacionalista, autoritário e anticomunista. Nele, através de eleições indiretas, a direção caberia às elites esclarecidas, que governariam e conciliariam os conflitos de classe. Obtiveram uma significativa adesão, principalmente nas classes médias e na juventude e, no princípio, a condescendência de Vargas164.

Em janeiro de 1935, socialistas, comunistas e a ala esquerda dos tenentes formaram, sob a liderança de Luís Carlos Prestes, a Aliança Nacional Libertadora (ANL); antifascistas, se opunham ao avanço dos integralistas, condenavam o imperialismo e o latifúndio, defendiam reformas sociais mais profundas e também a deposição de Vargas. Foi colocada na ilegalidade mas, em novembro deste mesmo ano, organizou um levante em Natal, Recife e Rio de Janeiro, conhecido como a Intentona Comunista. Fracassaram, e com base na recém promulgada (abril de 1935) Lei da Segurança Nacional (LSN), foram violentamente reprimidos, com prisões e deportações; a perseguição se estendeu a todos os setores de esquerda. A LSN, a ANL e a Intentona, “tornaram a repressão implacável e a manutenção de qualquer tipo de resistência impossível.” (Gomes, 1994, p. 161) Um grande número de sindicatos sofreu intervenção, ocorrendo o afastamento de lideranças independentes.

“Se em 1920 a questão social foi definida como uma questão policial – e os anarquistas foram apontados como o ‘inimigo objetivo’ – em 1935 ela iria ser definida como uma questão de segurança nacional, e o mesmo tipo de discurso acusatório iria se voltar contra uma nova categoria: os comunistas.” (Gomes, 1994, p. 161)

Os comunistas também foram o pretexto para o golpe de 1937 (Estado Novo); a apresentação de um plano (falso) dos mesmos para tomar o poder — o Plano Cohen165 — foi a justificativa para que Vargas, apoiado pela cúpula das Forças Armadas, pelos

164 Até a tentativa de derrubá-lo, em 11/05/1938, quando se sentiram traídos pela proibição da existência de partidos políticos. Apelidados de camisas verdes, dada a coloração do uniforme que usavam, possuíam como lema Deus, Pátria e Família e se cumprimentavam em tupi-guarani — Anauê —, com o braço direito levantado e a mão espalmada. E, segundo Orlando Valverde, logo após o golpe de 1964, a Sociologia e a Historiografia foram consideradas subversivas mas a Geografia não, porque “a autoridade que fez o ‘expurgo’ nos programas de ensino, o deputado Plínio Salgado […] fora autor de um livro medíocre: a ‘Geografia Sentimental’.” (1984, p. 11)

165 Descobriu-se, depois, que o Plano Cohen era uma fraude, elaborada sob a responsabilidade do general Olímpio Mourão Filho, para justificar o golpe de 10 de novembro de 1937. Neste mesmo dia, o Diário Oficial publicou o texto da nova Constituição, elaborada por Francisco Campos (ministro da Educação no começo da década de 1930). Foi chamada de polaca por ter sido inspirada na constituição fascista polonesa.

integralistas (abandonados logo depois) e por diversos intelectuais, modificasse a Constituição, abolisse os partidos políticos e assumisse com plenos poderes. O falso plano comunista foi atribuído a um judeu (Cohen) e ele

“expressaria a ameaça do judaico-comunismo internacional. Nesta peça política, o anticomunismo se juntava ao anti-semitismo, a radicalização ideológica se revestia de aspectos racistas alimentando o discurso que defendia a necessidade de um Estado forte capaz de defender a Nação de perigosos inimigos externos.” (Araújo, 2.000, p. 14-15)

A partir do golpe, o Estado conseguiu controlar, efetivamente, todos os setores da vida do país através, inclusive, de forte repressão. Para o bem da pátria e dos empresários industriais, o Estado impedia, através do Ministério do Trabalho e da Justiça Trabalhista, o confronto direto entre o trabalho e o capital. Passou, inclusive, a fixar o valor mínimo dos salários, com a criação do salário-mínimo em 1940, e a garantir a existência dos sindicatos de trabalhadores — que começaram a se esvaziar — com a criação, também em 1940, do imposto sindical166.

A veiculação das idéias governamentais, a divulgação de suas realizações e o controle das discordâncias eram feitos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939. O DIP realizava programas de radiodifusão, concursos de monografias, cine-jornais, revistas, eventos cívicos, e exercia a censura sobre o rádio, a imprensa escrita, o teatro, o cinema, a literatura, os livros didáticos e todas as outras manifestações culturais. Apesar deste forte controle, a vida cultural era razoavelmente intensa durante os anos 30 e 40, principalmente na diversão da maioria da população urbana: o rádio e o cinema. No rádio, a maior audiência era dos programas de auditório, das novelas e dos musicais. A produção nacional de cinema, através da Atlântida e da Cinédia, sonhava em concorrer com Hollywood; o governo criou o Instituto Nacional do Cinema, destinado a proteger — obrigava as salas a exibirem, no mínimo, um filme brasileiro por ano — e a promover o cinema nacional.

O DIP também censurava as letras de música popular, impedindo a crítica ao regime, a exaltação à malandragem e “o descrédito na ascensão social através do trabalho.” (Nadai e Neves, 1991, p. 231). Músicas ufanistas eram estimuladas, como exemplificam algumas composições de Ari Barroso (1903-1964), autor do conhecido samba-exaltação Aquarela do Brasil, que acabou se convertendo em símbolo nacional e se transformando em uma das músicas brasileiras mais conhecidas e gravadas no exterior. Embora sua letra não contivesse referências ao regime estado-novista, ela exalava o espírito oficial da época. Marcante foi a atuação do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que puxava o coro dos defensores do regime e carregava a bandeira do canto orfeônico. Defensor

“de uma proposta musical nacionalista, sob a capa protetora do estado, ele concebia o canto coral como arma de combate ao individualismo. A seu ver, a música deveria exteriorizar a conciliação das classes sociais, funcionando como uma alavanca para a integração social e política sob a batuta estatal. Daí a importância que atribuía à prática do canto coral: ao entoarem, irmanados, as composições de celebração à disciplina e ao civismo, seus integrantes fariam juras de amor à pátria.” (Paranhos, 1999, p. 41)

A música, como um elemento de coesão social, foi muito valorizada no período e o canto coral ocupou, nos grandes espetáculos cívicos, uma posição de destaque.

O crescimento demográfico brasileiro, a partir dos anos 30, foi essencialmente vegetativo, sendo cada vez menor o papel da imigração. Vários fatos foram responsáveis por este processo, como a Revolução de 1930 (o governo estabeleceu

166 Por este imposto, todo o trabalhador, sindicalizado ou não, era obrigado a pagar, uma vez por ano, o valor correspondente a um dia de trabalho. As diversas leis trabalhistas criadas ao longo do governo Vargas foram, em 1943, concentradas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

medidas restritivas à imigração), a Constituição de 1934 (estabelecimento de cotas de entrada no país, de 2% sobre cada nacionalidade, nos últimos 50 anos), as leis de 1938 (80% dos imigrantes deveriam ser agricultores, proibição da entrada de comunistas e anarquistas, de deficientes físicos e de analfabetos), o fascismo italiano (estimulando a permanência no país), a II Guerra Mundial, a alteração do fluxo de imigrantes da Europa (passou a ser mais intra que intercontinental) e a melhora no padrão de vida de muitos países europeus. Ao lado disto, com a persistência de uma elevada natalidade e de uma redução progressiva da mortalidade, o país apresentava um crescimento natural cada vez mais elevado.

Tabela 12. População brasileira de 1920 a 1970

Ano População Ano População

1920 27.294.000 1960 69.720.000 1940 41.236.000 1970 93.215.000 1950 51.944.000

Fonte: Hugon, 1977, p. 41 (com supressões)

Dois decretos de 1930 (de 9/05 e 16/05) estabeleciam a necessidade de a maioria dos imigrantes ser de agricultores. O decreto 19.482 (12/12/1930), limitava a entrada de estrangeiros e impunha a cada empresa a obrigatoriedade de empregar, no mínimo, 2/3 de brasileiros natos. A Constituição de 1934 previa que a entrada de estrangeiros fosse submetida às restrições necessárias à “garantia da integração étnica e da capacidade física e cívica dos imigrantes”, motivo pelo qual se estabeleceu o sistema de cotas. Entretanto, o sistema de cotas não era necessário pois as entradas ocorriam abaixo das cotas estabelecidas. De 1930 a 1945 tivemos, portanto, um período de limitação às entradas de imigrantes, com exceção dos portugueses. A partir de 1945, as limitações foram mais flexibilizadas mas aí, o imigrante desejado, já não estava disposto a vir e as migrações internas pareciam resolver o problema da mão-de- obra nas áreas mais desenvolvidas.

De 1850 a 1950, incluindo seus descendentes, os imigrantes representavam, aproximadamente, 15% do crescimento absoluto da população brasileira. No período mais forte, de 1890 a 1900, foi de 7,6% a participação do imigrante na população total média; entre 1950 e 1960 foi de apenas 0,7%. O grupo mais prejudicado em 1930 foi o japonês, pois o pegou em um período de significativo movimento para o país. Ele se adaptou às condições naturais do país e dificilmente o abandonava, sendo o detentor do mais alto coeficiente de fixação167. Mantinham uma coesão grupal intensa e pouco se misturavam com outros grupos. Aliás, foram os imigrantes agrupados (como os japoneses e os alemães, por exemplo) os que mais se fixaram. Os lusitanos foram excluídos das restrições da década de 1930; também por isto, acabaram suplantando os italianos e se tornando em maior número168. Apesar disto, esta destinação foi modificada; se logo depois da II Guerra Mundial 90% dos emigrantes de Portugal vinham para o Brasil, em 1960 eram 28% e entre 1961 e 1966, apesar de multiplicado por quatro o número de emigrantes, somente 20% para cá se dirigiram.

Vargas, desde a tomada do poder em 1930, se mostrou um governante hábil. Mas, no início, não era um líder popular e carismático. Sua imagem popular, que perdurou por décadas, foi consolidada no Estado Novo. Ou seja, “o poder não foi decorrência de sua popularidade e carisma, mas, ao contrário, é no exercício do poder que esses atributos são construídos através de uma eficiente campanha política e

167 Foi de 90% o coeficiente de fixação no estado de São Paulo, entre 1926 e 1929.

168 De 1947 a 1957 entraram, no Brasil, 220.758 portugueses contra 96.952 italianos, 85.028 espanhóis e 20.140 alemães. Em 1963, foram 11.585 os imigrantes lusitanos, 2.436 espanhóis, 867 italianos e 601 alemães (Hugon, 1977, p. 59).

ideológica.” (Gomes e Araújo, 1989, p. 06) O Estado Novo consagrou a proposta autoritária, com a marginalização dos comunistas (desde 1935), da extrema-direita (através da perseguição à AIB) e dos defensores do liberalismo. Vargas firmou alianças sólidas com a corporação militar e com setores da burguesia, através do compromisso de promover o crescimento econômico do país. Além da força repressiva e da propaganda ideológica, buscou, de modo eficiente, sua maior base de legitimação na classe trabalhadora urbana.

Durante o primeiro período Vargas, apesar de tudo, ocorreu uma espécie de reanimação da “inteligência brasileira”, com a publicação de obras que nortearão a interpretação do país por um longo período: Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freyre (1900-1987), Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior (1907- 1990). “De modo diversificado, todas incorporam concepções geográficas que escapam da perspectiva determinista”. (Moraes, 1988, p. 124). Estes livros ajudaram a mudar a imagem que o brasileiro possuía de si próprio. Freyre demonstrou que “o Brasil não era uma nação branca que tinha negros. O negro estava em todos nós e sem o negro não teria havido nem havia o Brasil.” (Silva, 2.000, p. 26) Que éramos todos mestiços culturais e nesta mistura definidora era difícil saber o que vinha do brasilíndio ou do africano ou do europeu; éramos fruto de um rico e complexo encontro de culturas169.

Freyre falou da existência de uma democracia racial; a discussão desta posição permitiu, mais tarde, comprovar que ela não existia mas realçou o desejo, em muitos, de torná-la realidade.

Holanda explicou nossos problemas a partir das características dos portugueses, que

“não haviam organizado de forma coesa e solidária. A aspiração de cada pessoa era de bastar-se a si própria. A esse individualismo exacerbado, aliava-se, numa península onde todos queriam ser barões, o desprezo pelo esforço manual, pelo trabalho.” (Silva, 2.000, p. 29)

Daí os portugueses não conseguirem estabelecer aqui uma sociedade marcada pela organização, pelo planejamento e por um conviver mais solidário. A cidade dependia do campo e, neste, cada família patriarcal cuidava de si e era mais forte do que o Estado. Prado fez uma leitura dialética de nossa história, mostrou que o país fora criado de fora para dentro pelo capitalismo europeu e se explicava por sua relações externas.

No primeiro período Vargas foram criadas as universidades de São Paulo e a da capital federal, com o propósito de “diversificar e especializar as profissões, de modo compatível com um mercado de trabalho já complexo” (Moraes, 1988, p. 124) e, principalmente, “a formação de uma elite internalizada nos valores sociais” (Zusman, 2001, p. 10) dos grupos que as criaram. Também, neste período, ocorreu a chamada segunda fase do Movimento Modernista (1930-45), caracterizada por obras mais maduras dos modernistas da fase anterior e por uma nova geração de escritores preocupados com os problemas sociais de seu tempo; “o romance social nordestino, de linha neo-realista, é considerado o mais importante dessa fase.” (Tufano, 1992, p. 68)170. Foram publicados importantes livros de poesia, tanto de autores já conhecidos

169 Também significativa foi a obra de Luís de Câmara Cascudo (1898-1986), que neste período começou a publicação de livros relativos ao folclore, às “manifestações tradicionais da vida coletiva”, como Vaqueiros e cantadores (1939) e Antologia do folclore brasileiro (1944). Segundo Silva, ele “alargou, aprofundou e modificou a idéia que se tinha do Brasil. A sua ambição era de que os brasileiros gostassem de verdade de sua pátria, e até de seus defeitos, e a quisessem como era e não como uma repetição ou, pior, um simulacro dos Estados Unidos ou da Alemanha.” (2000, p. 28)

170 O marco inicial destas obras, cuja intenção era denunciar os problemas econômicos da região Nordeste do Brasil, o drama dos retirantes, a exploração da população por um sistema social injusto, foi a publicação, em 1928, de A bagaceira, do paraibano José Américo de Almeida (1887-1980).

como de novos171. Nos romances, houve uma tentativa de recuperar as origens da realidade brasileira. Surge o regionalismo, aproximando a linguagem literária à fala do brasileiro e colocando o povo como personagem172. Nota-se, entretanto, que o período

específico do Estado Novo não foi tão rico neste aspecto173, o que não é de se estranhar, pois todo período autoritário sufoca a criação e esta, muitas vezes, precisa da linguagem da fresta para se manifestar, fazendo da alegoria, da metáfora, a forma do dizer.

Em 1938, foi publicado um importante livro para ser utilizado em aulas de geografia, em uma perspectiva interdisciplinar: Vidas Secas. Infelizmente, a disciplina escolar Geografia, desde aquela época, pouco tem se valido de textos literários para analisar paisagens, modos de vida e problemas, do Brasil e de outros países. O livro, de Graciliano Ramos (1892-1953), possui um grande poder de síntese. Os elementos essenciais para abordar a problemática do Sertão Nordestino estavam ali, em um livro no qual o espaço não era definido por topônimos e que retratava em um “ponto qualquer do sertão nordestino, tangida pela seca, uma família exausta e faminta [que] chega a uma (qualquer) fazenda, distante três léguas de uma (qualquer) cidade.” (Monteiro, 2002, p. 64) Apesar da descrição do caráter climático da região, o autor deixava claro que o problema não era apenas a seca. Agressões do meio natural machucavam menos do que as do meio social, como o soldado amarelo, a dívida com o patrão174 acrescida de incompreensíveis juros, ou o fato de não ser dono da terra que

semeiava: “Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, [...], como judeu errante.” (Ramos, 1998, p. 19)

Estava em terra de um patrão (sem nome), o atual, um absenteísta que só servia para reclamar do trabalho de Fabiano. As relações de produção, vigentes naquele tempo e lugar, entre patrão e vaqueiro foram descritas com clareza175. Os sonhos dele e de Sinha Vitória, a ausência do poder público (exceto na repressão pelo soldado amarelo e pelo fiscal da prefeitura a cobrar pela venda do porco magro), o horizonte geográfico restrito, a parada limitada ao período entre duas secas (o tempo do romance), entre outros aspectos, estavam ali.

Durante o Estado Novo, ocorreram pressões para a redivisão do território nacional — com a anulação das divisas que existiam —, com base em limites naturais

171Podemos destacar obras poéticas de Manuel Bandeira (1886-1968), como Libertinagem (1930) e Estrela da

manhã (1936), de Raul Bopp (1898-1984), como Cobra Norato (1931), o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), intitulado Alguma poesia (1930), e o de Vinicius de Moraes (1913-1980), intitulado O caminho para a distância (1933).

172 O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz (1910-2003), O país do Carnaval (1931), de Jorge Amado (1912-2001) e Menino do Engenho (1932), de José Lins do Rego (1901-1957), foram alguns dos destaques. Prosas mais intimistas apareceram em obras de Érico Veríssimo (1905-1975), como Clarissa (1933), Música ao Longe (1935), Olhai os lírios do campo (1938). Graciliano Ramos (1892-1953), que foi preso em 1936 sob a acusação de ligação com o comunismo, publicou diversas obras importantes, como Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).

173 O espírito de bajulação também domina períodos autoritários. Em 07/08/1941, Getúlio Vargas foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, para ocupar a cadeira de no 37, cujo patrono é Tomás Antonio Gonzaga (1744- 1807), na vaga do historiador e jurisconsulto paulista Alcântara Machado (1875-1941). Nesta época, também existiu a União Cultural Brasileira (UCB), uma entidade criada por defensores do regime, cuja fachada era cultural mas o objetivo principal era servir como base de apoio político para o presidente (Paranhos, 1999, p. 133).

174 “Tudo seco em redor. E o patrão era seco também, arreliado, exigente e ladrão, espinhoso como um pé de

mandacaru.” (Ramos, 1998, p. 24).

175 “Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e

apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho, comia de feira, desfazia-se dos animais, não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito. [...] ... cedia por preço baixo o produto das