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A DECISÃO DA SUPREMA CORTE VIOLOU O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL?

No documento LEANDRO AMBROS GALLON (páginas 36-39)

3 O NOVO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: EMBASAMENTO

4.4 A DECISÃO DA SUPREMA CORTE VIOLOU O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL?

O princípio constitucional do juiz natural está previsto no artigo 5º, inciso LIII, que dispõe: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Em importante trabalho correlacionando o foro por prerrogativa de função e os princípios da igualdade e do juiz natural, Paula Bajer Fernandes da Costa (2001, p. 68) sintetizou que:

As regras de competência servem ao estabelecimento anterior do juiz natural e colaboram para que não haja tribunais de exceção, como, aliás, é vedado na Carta Política (art. 5.º, XXXVII). A Constituição, quando cria os foros por prerrogativa de função, está desigualando para garantir a imparcialidade.

Sobre o respeito ou não do princípio em exame pelo Supremo Tribunal, a divisão de posicionamentos no âmbito da doutrina e da jurisprudência é muito clara: aqueles que entendem ser possível a interpretação restritiva do texto constitucional (posição de Luis Roberto Barroso, de Vladimir Passos de Freitas e de Carolina Reis Jatobá Coêlho) defendem que não houve violação ao referido princípio, pois, como já visto, tratar-se-ia de mera interpretação evolutiva dos dispositivos.

Por sua vez, há aqueles que argumentam que o artigo 53, §1º, da CF/883 é claro,

dispensando quaisquer interpretações, no sentido de que os deputados e os senadores, desde a expedição do diploma, e independente da espécie de crime ou do momento de sua prática, serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal (posição defendida por Dias Toffoli,

3 O dispositivo narrado tem o seguinte teor: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.

Ricardo Lewandowski, Aury Lopes Junior, Alexandre Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira).

Criticando os fundamentos adotados pela maioria do Plenário, o Ministro Dias Toffoli (BRASIL, 2018e) asseverou que:

[A] alteração, pela via de mera interpretação, da regra que atribui ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de parlamentares federais no exercício do mandato independentemente do tempus commissi delicti violaria a garantia constitucional do juiz natural.

[...] Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, pela via de interpretação discricionária, estaria a subtrair de sua própria competência um julgamento que a Constituição Federal lhe atribui. (grifos no original)

De fato, a alteração de competência é no mínimo polêmica. Talvez a solução pudesse ser dada para os processos futuros; talvez a decisão da Suprema Corte devesse se voltar contra todas as autoridades detentoras do foro por prerrogativa de função – e não apenas contra os parlamentares federais, os quais representam apenas 1% da totalidade dos cargos com prerrogativa do foro –. Porém, o fato é que o entendimento alcançou a maioria do Plenário e, desde 3 de maio de 2018, é o que está em vigor no país.

A escolha adotada pelo Supremo, pela opção casuística na fixação da competência, também é providência que pode gerar insegurança jurídica. Isso porque, em vez de definir o juiz natural de todos os cargos, de modo objetivo, o Supremo preferiu ser provocado e decidir caso a caso, aprioristicamente, qual cargo deveria ser processado e julgado em vara criminal comum, e qual ainda remanesceria com a competência na mais alta Corte do país.

4.5 A DECISÃO DA SUPREMA CORTE ABRANGEU TODAS AS AUTORIDADES DETENTORAS DA PRERROGATIVA DE FORO?

Outro aspecto extremamente polêmico diz respeito às autoridades abrangidas pela decisão. É que o acórdão da Suprema Corte atingiu apenas os 594 (quinhentos e noventa e quatro) parlamentares federais [513 (quinhentos e treze) deputados federais e 81 (oitenta e um) senadores], absolutamente nada dispondo sobre os demais agentes públicos.

A diferença é substancial, sobretudo quando levado em consideração estudo coordenado por João Trindade Cavalcante Filho e Frederico Retes Lima (2017), o qual concluiu existirem no Brasil 38.431 (trinta e oito mil, quatrocentas e trinta e uma) autoridades federais, estaduais e municipais detentoras de prerrogativa de foro por determinação da Constituição Federal.

O mesmo trabalho apontou, ainda, haver mais 16.559 (dezesseis mil, quinhentos e cinquenta e nove) agentes públicos estaduais, distritais e municipais com prerrogativa de foro junto aos tribunais de justiça por determinação das constituições estaduais e da Lei

Orgânica do Distrito Federal.

Em 12 de junho de 2018, o Supremo Tribunal aplicou o entendimento da Questão de Ordem na Ação Penal n. 937/RJ também no Inquérito n. 4.703, determinando que para o primeiro grau de jurisdição fossem remetidos os autos que apuram crime em tese cometido por Ministro de Estado, por óbvio desde que os fatos não tivessem relação com a função ocupada, nem tampouco fossem praticados no exercício do mandato. (BRASIL, 2018f).

Em atendimento ao princípio da simetria, o Superior Tribunal de Justiça, aplicando os fundamentos jurídicos estampados no acórdão do Supremo, entendeu que o foro por prerrogativa de função dos governadores e dos conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deveria ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste (BRASIL, 2018a).

Interessa consignar que o Tribunal Superior levantou uma exceção ao seu próprio entendimento: o caso dos desembargadores dos Tribunais de Justiça. Estes, diversamente, não perderiam a prerrogativa de foro, pois, segundo consignou o Relator, Ministro João Otávio de Noronha, em entendimento acompanhado pela maioria, o juiz de primeira instância, ao julgar autoridade superior, poderia ter “com duvidosa condição de se posicionar de forma imparcial”, circunstância que “violaria a pretensão de realização de justiça criminal de forma isonômica e republicana” (BRASIL, 2019).

O que se percebe é que a Suprema Corte pretendeu solucionar o tema da restrição do foro especial à medida que fosse provocado, decidindo quais autoridades fazem jus à restrição somente quando chamado a resolver a lide. A escolha foi alvo de críticas por parte dos estudiosos.

É que a solução deixou em aberto a situação de diversas autoridades públicas, remanescendo dúvidas importantes, por exemplo, sobre a prerrogativa de foro dos deputados estaduais, a ponto de abalizada doutrina afirmar que estes, no atual cenário, ainda teriam o direito ao foro especial nos respetivos Tribunais, o que representaria verdadeiro caos no sistema, porquanto deteriam mais direitos do que os parlamentares federais, circunstância que configuraria nítida ofensa ao princípio da isonomia (MOREIRA, 2018).

4.6 A CELEUMA CRIADA EM TORNO DO CONCEITO DE CRIME FUNCIONAL

No documento LEANDRO AMBROS GALLON (páginas 36-39)