• Nenhum resultado encontrado

decisão de mudar: impacto e poder

da migração

do Norte. Vão e retornam para passar algum tempo em companhia de suas famílias.

O que aconteceu mais recentemente, dizem as moradoras de Rostushe, é que as jovens e crianças também partiram. Seja para juntar-se aos homens ou para procurar o próprio emprego, as mulheres e suas famílias estão iniciando novas vidas, em novos países. As casas grandes e chalés que construíram estão sempre vazios, com exceção de algumas poucas semanas por ano, quando as famílias retornam para as férias de verão.

Sanida Ismaili, professora da escola do vilarejo, diz que agora quase não há crianças em Rostushe — somente três, em uma de suas salas, e nenhuma nas outras. A idade da popula- ção da cidade, de cerca de 8.500 pessoas, vai de 45 a 90, comentam as mulheres. O sistema de saúde já não oferece tanto atendimento gineco- lógico; não há muita necessidade de obstetras.

Não há Centros para Idosos. “Sobrevivemos sozinhos, ou com amigos,” diz uma moradora.

O colapso econômico que se seguiu à divi- são da Iugoslávia em novos países, na década de 1990,– dentre os quais a antiga República Iugoslava da Macedônia que emergiu como a nação mais pobre de todas –, acelerou o esva- ziamento do vilarejo de sua população jovem. As fábricas fecharam, inclusive uma tecelagem que era ponto de referência e que antigamen- te empregava mulheres. Falharam os esforços para encontrar meios alternativos de geração de receita para o vilarejo. Existe algum potencial para um limitado turismo montanhoso em Rostushe, com seus brilhantes minaretes reco- bertos de cobre, elevando-se sobre as velhas casas construídas nas ruas íngremes e contrastando com colinas cobertas por florestas. Mas não há investimento para desenvolvê-lo. Alguns poucos moradores montaram um plano para engarrafar

CAPÍTULO

CiNCO

Chegadas e saídas na estação central de trem de Helsinque, na Finlândia ©UNFPA/Sami Sallinen t

e comercializar a água que brota na primavera, mas o governo não ofereceu nenhum auxílio nem foi possível encontrar investimento privado para isso. “Continua o socialismo,” diz alguém. “O fim das empresas estatais, as fábricas fechadas não foram substituídas pela criação de empre- gos no setor privado.”

A Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas estima que, no mundo atual de 7 bilhões de pessoas, no mínimo 214 milhões vivem fora dos países onde nasceram; um número desconhe- cido se movimenta no interior de seus próprios países. Na China, os números recentemente publicados do censo de 2010 mostram que mais de 260 milhões de pessoas, principalmente mora- dores das áreas rurais, vivem longe do endereço de registro de seus domicílios, mais de 81% em uma década, aponta Ma Jiantang, diretor do Gabinete Nacional de Estatística, em entrevista coletiva realizada em abril de 2011.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão intergovernamental composto por 132 nações e 17 países observado-

res, define a imigração como “uma das questões globais determinantes do início do século XXI”. O impulso para mudar de país, fortalecido pelo transporte intercontinental e pelo maior conhe- cimento sobre o mundo, que nos chega através dos meios de comunicação de massa e das redes sociais, leva muitos à busca de uma vida melhor. As Nações Unidas definem migrante como a pessoa que residiu em país estrangeiro por mais de um ano, independentemente dos motivos – quer voluntária ou involuntariamente – ou os meios utilizados – lícitos ou não. Os que vivem em outro país sem autorização ou documentação são considerados “migrantes irregulares”, enquanto os clandestinos ou levados pelo tráfico de um país para outro são considerados “migrantes ilegais.” Na China e na Índia – as duas nações mais populosas do mundo – observam-se tanto a emigração como a imigração. A maior parte dos migrantes que chega à Índia provém dos países vizinhos Bangladesh e Nepal. Estima-se que 5 milhões de nepaleses trabalhem na Índia. Mas todos os que imigram para a Índia, seja qual for o país de proveniência, formam em seu conjunto apenas 0,4% da população total. A migração para o exterior é mais significativa, com uma estimativa oficial indiana de mais de 24 milhões de “não residentes indianos” e “pessoas de origem indiana” – termos que o governo emprega para as pessoas em diáspora que, respectivamente, pre- servaram sua cidadania ou adotaram a de outros países. Similar à da Índia, a diáspora chinesa é estimada em 35 milhões.

Analisar as oportunidades

A decisão de deixar o lar pode depender da existência de amigos, familiares ou compatriotas esperando pela pessoa em seu destino. Por vezes, depende de oportunidades de emprego, moradia ou educação de nível mais elevado que o novo

Líderes cívicos e ativistas de Rostushe, antiga República Iugoslava da Macedônia © vii/Antonin Kratochvil t

67 reLATÓrio SoBre A SiTUAÇÃo DA PoPULAÇÃo MUNDiAL 2011 destino possa oferecer. Muitos dos que pensam em

migrar se baseiam nas informações que obtêm nas redes sociais internacionais, imprescindíveis para sua decisão de sair – ou permanecer.

No México, funcionários do governo têm notado que o cálculo sobre se arriscar ou não a uma mudança para os Estados Unidos depende, em parte, das informações sobre empregos e oportuni- dades do outro lado da fronteira que os eventuais migrantes recebem de amigos e familiares.

“Quando o PIB per capita americano se desa- celera, os fluxos migratórios reagem com muita rapidez,” aponta Félix Vélez, secretário-geral do Conselho Nacional de População, órgão de gover- no conhecido como CONAPO. “Parte disso tem a ver com os vínculos entre mexicanos que vivem no México e os que vivem nos Estados Unidos. Há muita informação. Dessa forma, quando a possibi- lidade de encontrar emprego nos Estados Unidos é quase nenhuma, as pessoas decidem não ir.”

Mas outros fatores também afetaram a migra- ção mexicana para os Estados Unidos, onde vivem de 11 a 12 milhões de estrangeiros sem documen- tação, a maioria proveniente do México, segundo estimativas de funcionários do governo e defen- sores dos imigrantes. “O fato de os mexicanos atualmente já não serem tão jovens contribui para diminuir a probabilidade de migração, porque grande parte do fenômeno ocorre na faixa etária dos 15 aos 29 anos”, diz Vélez. “Sendo assim, mesmo num cenário onde a economia americana se recupere e os controles de fronteira não sejam tão rígidos, eu estimo que futuramente as taxas de migração sejam mais baixas.”

Além disso, “os mexicanos estão melhorando de vida”, diz Vélez. “Pelo censo se pode observar que o número de mexicanos ricos – com carros, computadores, máquinas de lavar – aumentou drasticamente, e isso teve a ver com a baixa da inflação e das taxas de juros. Pela primeira vez

desde a década de 1960, tivemos um período bem mais longo de estabilidade macroeconômica. Está mais fácil que nunca conseguir crédito.” Somando- se a tudo isso, acrescenta Vélez, estão os riscos de cruzar a fronteira com os Estados Unidos, ao norte do México, onde altos índices de criminalidade se associam ao tráfico de drogas, e a campanha do governo mexicano contra os traficantes provocou muitas mortes. Os “anos dourados da migração para os Estados Unidos” passaram, afirma.

Na Finlândia, onde os imigrantes da Rússia e dos Países Bálticos se fixaram há anos, os imi- grantes africanos agora estão chegando em maior número, embora sejam ainda muito poucos. Sentindo-se mais isolados que os imigrantes euro- peus, constroem suas próprias redes de contatos com a ajuda de organizações não governamen- tais e, por vezes, serviços sociais do governo. O

Family Federation (Federação da Família), centro

multicultural finlandês que mantém uma linha telefônica de atendimento em vários idiomas, estima que de 11.000 a 12.000 somalis, muitos dos quais chegaram em busca de asilo e mais tarde trouxeram membros da família, fixaram residência no país em 20 anos. Félix Vélez, secretário-geral do Conselho Nacional de População do México ©UNFPA/ricardo ramirez Arriola t

Partir, a despeito dos riscos

Na África, um centro de trânsito localizado em Adis Abeba, capital da Etiópia, é um abrigo tem- porário para jovens de ambos os sexos – muitos dos quais ainda adolescentes – que tentaram sem sucesso fugir da pobreza, fazendo uma perigosa e exaustiva viagem por terra e mar para a Arábia Saudita, seu modelo de terra de oportunidades. A maior parte dos que estão no abrigo, recebendo alimentação e cuidados médicos enquanto aguar- dam que o UNICEF os reconduza às suas famílias etíopes, foi encontrada no Iêmen e repatriada com a ajuda da OIM. Eles dividem o centro de trânsito com somalis que fugiram de seu devastado país.

Enquanto o espaguete do almoço era cozi- do nos fundos do abrigo, Shemen Sunamo, adolescente etíope, contou o que sofreu para

chegar à Arábia Saudita onde, ouviu dizer, havia vagas no pastoreio de rebanhos ou na irrigação de plantações. Sua viagem começou com mais de uma semana de caminhada até a costa de Djibuti, no Golfo de Aden. Na caminhada, sobreviveu alimentando-se com uma pasta feita de farinha de sorgo dissolvida em água e, à noite, dormia no chão, a céu aberto. Em Djibuti, conseguiu lugar em um bote que ia para o Iêmen; de lá, seguiu numa longa e peno- sa jornada por terra para a Arábia Saudita. Três meses mais tarde, foi pego pela polícia saudita e forçado a voltar para o Iêmen. Lá, encontrou um escritório da OIM e pediu ajuda.

De certa forma, a maior tragédia para ele é a perda que essa fracassada tentativa de migra- ção causou à sua família. Shemen, natural de Siltea, no sul da Etiópia, precisou pagar 5.500

birr (cerca de US$326) a um contrabandis-

ta para fazer a árdua viagem. Seus pais, que foram contrários à aventura desde o início, recusaram-se a ajudá-lo, ou não dispunham de meios para fazê-lo. Mas um irmão mais velho, sabendo quanta esperança Shemen tinha depositado em seu sonho, vendeu sua junta de bois para levantar o dinheiro.

Nesse ponto da história, Shemen abaixa a cabeça entre as mãos e não consegue continuar. Um boi é um investimento de capital signifi- cativo para um agricultor etíope. Shemen se angustia e se envergonha pelo preço que custou para o irmão sua esperança insensata. Quando lhe perguntamos se ele faria nova tentativa para deixar a Etiópia, ele levanta a cabeça e diz desa- fiadoramente: “Nunca!”

Sentado a seu lado está Abrham Tamrat, outro adolescente devolvido depois da tentativa abortada de chegar à Arábia Saudita, ou a qual- quer outro lugar que ofereça a vida com que ele sonha – e é possível que ele tente novamente.

Shemen Sunamo e Abrham Tamrat (à esquerda) falam sobre a vida, em um centro de trânsito em Adis Abeba, na Etiópia

©UNFPA/Antonio Fiorente

69 RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2011 Tamrat mostra-se um tanto fanfarrão quando

diz: “Não quero trabalhar na Etiópia; quero mais da vida.” Ele ouviu dizer que outros meni- nos e jovens levantaram 15.000 birr (cerca de US$890) para serem conduzidos clandestina- mente para a África do Sul. Alguns deles foram levados depois para o México e para América Central, também de modo clandestino, com a promessa de chegar aos Estados Unidos, segun- do grupos de ajuda para imigrantes que operam na fronteira entre México e Estados Unidos.

Na Etiópia, algumas meninas e jovens mulheres também se aventuram na migração internacional para buscar trabalho em lugares distantes. Outras se arriscam a deixar seus lares em busca de outros lugares dentro do próprio país, às vezes para fugir de casamentos arran- jados pela família. Um centro público de Adis Abeba que recebe ajuda do UNFPA oferece ensino informal de matemática, inglês, saúde reprodutiva e habilidades de vida para centenas de meninas que fugiram de casa para evitar o casamento precoce. Uma delas, Mulu, tinha apenas 12 anos quando fugiu: uma vizinha lhe contou que seus pais encontraram um marido para ela e planejavam seu casamento.

Há três anos Mulu trabalha como empre- gada doméstica. Ela não se queixa da vida, porque sua empregadora permite que ela se distraia no Centro que fica perto do principal terminal de ônibus da cidade, aonde muitas meninas chegam sem saber o que fazer depois. Os salários de empregadas domésticas como Mulu estão abaixo de qualquer padrão de comparação. Uma delas, de nome Wude, de 23 anos, ganha cerca de US$3,00 por mês.

Outra jovem relata que roubou um car- neiro do rebanho da família para pagar um guia que a levasse a Adis Abeba, tirando-a da casa onde residia, ao sul. Por todo o caminho,

ela teve de lutar contra seus avanços sexuais. Foi encontrada na rua próxima ao terminal de ônibus da capital, chorando porque não con- seguia encontrar os parentes que ela sabia que residiam em algum lugar da enorme cidade. Quando os encontrou, eles a fizeram trabalhar em sua casa por dois anos, por longas horas e sem nenhum salário. Sua vida somente melhorou, ainda que marginalmente, quando casualmente encontrou na igreja uma mulher que lhe ofereceu um emprego melhor.

População migrante internacional em 2010

Europa 69.8 milhões

Ásia 61,3 milhões

América do Norte 50,0 milhões África 19,3 milhões América Latina 7,5 milhões Oceania 6,0 milhões

Três países de maior migração para o exterior e diáspora estimada, em milhões

China 35 milhões

Índia 20 milhões

Filipinas 7 milhões

Países que acolheram o maior número de migrantes internacionais em 2010

Estados Unidos 42,8 milhões Federação Russa 12,3 milhões Alemanha 10,8 milhões Arábia Saudita 7,3 milhões

Canadá 7,2 milhões