• Nenhum resultado encontrado

1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1.7. Decisões e técnicas no controle de constitucionalidade

1.7.6. Decisões aditivas

A decisão aditiva é uma técnica de decisão por meio da qual o Tribunal Constitucional acrescenta um elemento na norma, modificando-a. Neste tipo de decisão, o Tribunal Constitucional verifica a inconstitucionalidade da norma em função de que seu âmbito normativo é menor do que deveria, isto é, a norma não contém tudo que deveria conter para se conformar com a Constituição. Dessa forma, o órgão de fiscalização da constitucionalidade acrescenta um elemento à norma impugnada para que esta seja constitucional ou, nos casos onde declara a inconstitucionalidade da norma, identifica uma norma já existente aplicável ao caso para reparar a lacuna advinda da decisão159.

Apesar da tênue diferença entre as decisões aditivas e a decisão de inconstitucionalidade sem redução de texto, que exclui determinada aplicação da norma por considerá-la inconstitucional, alterando-se o sentido original da norma, o Supremo Tribunal Federal mantinha a posição kelseniana de legislador negativo160 e evitava a utilização de decisões aditivas161.

158 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1204-6.

159

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo VI. Coimbra: Editora Coimbra, 2005. p. 85-6; BLANCO DE MORAIS, Carlos. Justiça Constitucional. t. II. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 380.

160 Assinala-se que a metáfora do legislador negativo, de função estritamente cassatória das leis, é imprecisa, haja vista que o legislador negativo não deixa de ser, em certa medida, uma espécie de legislador positivo, pois, ao decidir acerca da cassação da norma inconstitucional, mantém o status quo ou faz repristinar a norma anterior que fora revogada pela lei inconstitucional, definindo qual norma jurídica será aplicável. Cf. GRECO, Marco Aurélio e PONTES, Helenilson Cunha. Inconstitucionalidade da lei tributária, repetição do indébito. São Paulo: Dialética, 2002. p. 58-9.

161

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1192-3. Todavia, em alguns casos, o Supremo Tribunal Federal apesar de considerar que se utilizava da técnica de interpretação conforme à Constituição, na verdade, estaria utilizando decisões de efeitos aditivos, como por exemplo: ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, entre outras. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1193. nota n. 57. A principal crítica à utilização de decisões aditivas está sintetizada na violação ao princípio da separação de poderes, que veda ao Poder Judiciário legislar. Alessandro Pizzorusso sustenta que o risco de invasão de competências e a ameaça ao princípio da separação de poderes pode ser reduzida pela utilização dos seguintes freios: a) a própria autolimitação do Tribunal Constitucional; b) a iniciativa do processo constitucional não cabe ao Tribunal Constitucional, que age somente mediante provocação; c) a acordos e cooperação entre o Tribunal Constitucional e os demais

De fato, no julgamento do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal162 limitava-se à mera declaração da mora do legislativo e da omissão inconstitucional do dever de legislar, comunicando o Poder Legislativo da sua mora, para que este sanasse a omissão detectada. A decisão do mandado de injunção assumia, então, um caráter mandamental, no sentido de visar compelir o legislador a adotar a providência necessária para a solução da omissão inconstitucional, porém sem qualquer sanção para o caso de descumprimento163.

Porém, hoje, constata-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mudou e passou a admitir a adoção de sentenças aditivas nos julgamentos relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que embaraçam o exercício de direitos constitucionais fundamentais.

A mudança de posicionamento parece ter se iniciado a partir do julgamento dos mandados de injunção 670, 708 e 712, impetrados contra a omissão do Congresso Nacional em regular o direito de greve dos servidores públicos, garantido constitucionalmente no artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal164.

poderes. Cf. PIZZORUSSO, Alessandro. Lecciones de derecho constitucional. v. II. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. p. 342.

162

A jurisprudência de que cabe ao Supremo Tribunal Federal apenas declarar a mora do Legislativo e comunicá-lo iniciou-se a partir do julgamento do MI 107/DF; Relator: Min. Moreira Alves. DJ: 02/08/1991, p. 9916. Cf. voto do Min. Celso de Mello no MI 712/PA.

163 MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 53-5; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1197; MI 712/PA, voto do Min. Celso de Mello.

164 Em alguns casos, o Supremo Tribunal Federal apesar de considerar que se utilizava da técnica de interpretação conforme à Constituição, na verdade, estaria utilizando decisões de efeitos aditivos, como por exemplo: ADI 3.324, ADI 3.046, ADI 2.652, ADI 1.946, entre outras. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1193. nota n. 57. Blanco de Morais afirma que a utilização das decisões com efeitos aditivos, no Supremo Tribunal Federal, parece ter se iniciado quando do julgamento da ADI 3.015, que tratava da incidência da contribuição previdenciária sobre proventos de aposentadoria e pensões, em que pese o fato do relator para o acórdão, Min. Cezar Peluzzo, não reconhecer a natureza aditiva da decisão. Blanco de Morais afirma que a decisão da ADI 3.105 se afigura uma sentença demolitória com efeitos aditivos, pois a decisão de inconstitucionalidade “demoliu” uma norma inconstitucional, ampliando o âmbito de incidência de outra norma cujo conteúdo estava restringido pela norma inconstitucional. Cf. BLANCO DE MORAIS, Carlos. Justiça Constitucional. t. II. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 257 e 376-8; ADI 3.105, relatora Min. Ellen Gracie Peluzzo, DJ de 18/02/2005, p.4.

De fato, a Constituição Federal, no artigo 37, inciso VII, assegurou o direito de greve aos servidores públicos nos termos e limites definidos em lei. Contudo, após quase dezenove anos da promulgação da Constituição e mesmo após o Supremo Tribunal Federal já ter declarado a mora legislativa no MI 20/DF, julgado em 19/05/1994, o Congresso Nacional se absteve, até o momento, de editar o ato normativo necessário a conferir plena eficácia ao direito constitucional fundamental de greve165.

Assim, nos julgamentos dos mandados de injunção 670, 708 e 712 , o Supremo Tribunal Federal, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, decidiu que, para sanar a omissão legislativa, se aplica a Lei n. 7.783/89, que regula o direito de greve no setor privado, até que o Congresso Nacional venha a sanar a omissão legislativa inconstitucional consistente na falta de edição da lei a que se refere o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal, que confere o direito de greve ao funcionalismo público166.

Aqui, pode-se perceber que o Supremo Tribunal Federal utilizou-se de uma técnica de decisão aditiva, pois decidiu que a lei que trata de greve do setor privado será aplicada ao setor público até que o Congresso Nacional sane a omissão inconstitucional do seu dever de legislar, editando a lei aplicável ao caso. Logo, neste caso em análise, vê-se que houve o Supremo Tribunal Federal acrescentou um elemento, que inexistia, ao artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal, ao afirmar que a Lei n. 7.783/89 será aplicada ao funcionalismo público até a edição de nova regulamentação.

Registra-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal poderá confirmar se trilhará o caminho das decisões aditivas quando do julgamento da ADPF 54, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, que trata da questão do aborto de fetos anencéfalos.

165 MI 712/PA, voto do Min. Celso de Mello.