• Nenhum resultado encontrado

Natureza jurídica da decisão de inconstitucionalidade

2. LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

2.5. Natureza jurídica da decisão de inconstitucionalidade

Enquanto que o sistema norte-americano de controle de

constitucionalidade das leis tem o caráter de um controle meramente declarativo, o sistema austríaco tem o caráter constitutivo de invalidade e ineficácia das leis296.

Assim, ligado ao entendimento da teoria da nulidade da lei inconstitucional por influência do direito norte-americano, no direito brasileiro prevalece o entendimento de que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório, pois se limita a reconhecer uma situação preexistente297.

294 A figura da inconstitucionalidade não constitui uma figura unitária. Nulidade e anulabilidade são espécies de invalidade e não têm características e diferenciações estanques e comuns a todos os ordenamentos jurídicos e aos ramos do direito, mesmo que pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico. Nulidade é o valor jurídico negativo correspondente aos vícios mais graves, enquanto que a anulabilidade corresponderá ao restante dos vícios. Cf. CANAS, Vitalino. Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional. 2 ed. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. p. 130-1 e MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica, 1999. p. 43 e 765. Zavascki, por sua vez, considera que o artigo 27 da Lei 9.868/99 não abalou a teoria da nulidade da lei inconstitucional, vez que tal disposição reafirmou que a lei inconstitucional é nula. Na realidade, o artigo 27 apenas deixou expresso que em casos excepcionais, relevante interesse social e segurança jurídica, a regra geral poderá deixar de ser aplicada, adotando-se a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que é função típica de juiz. Cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 49.

295

Neste ponto, Ferreira Filho chega a afirmar que, com a atenuação da nulidade da lei inconstitucional, há uma aproximação do direito brasileiro a tese de Kelsen. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 36.

296 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 117.

297 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 16. Zavascki entende que a sentença que afirma a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma tem natureza declaratória, pois simplesmente declara a validade ou nulidade. Nada constitui nem desconstitui. Cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 48. De mesmo entendimento, Clève argumenta que: “Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva”. Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 245. Também afirma o caráter declaratório Olavo Ferreira. Cf. FERREIRA, Olavo A. V. Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2 ed. São Paulo: Editora Método, 2005. p. 28-9.

Em sentido contrário ao caráter meramente declaratório da decisão de inconstitucionalidade, Kelsen entende que não é correto afirmar-se que a decisão tem natureza declaratória, mas sim natureza constitutiva, vez que a norma é efetivamente desconstituída pelo reconhecimento do tribunal. Com efeito, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter constitutivo, pois a norma não é nula desde o início de sua vigência, a decisão é que a anula com eficácia retroativa298.

De igual entendimento, Regina Ferrari e Ferreira Filho asseveram que a decisão de inconstitucionalidade tem caráter constitutivo, pois não irá apenas declarar a inconstitucionalidade, a decisão irá também desconstituir o ato normativo e, no caso da decisão com eficácia ex tunc, os seus efeitos299.

Há, ainda, uma solução intermediária que defende que a decisão do Tribunal Constitucional com eficácia ex tunc tem caráter declaratório, enquanto que a decisão com eficácia ex nunc, que limita os efeitos da inconstitucionalidade, tem dupla natureza: 1) declaratória, na parte em que reconhece a nulidade; 2) constitutiva, na parte em que limita os efeitos da declaração de inconstitucionalidade300.

298 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes., 1998. p. 300-8. Baseando-se na doutrina de KelBaseando-sen, o Ministro Leitão de Abreu, no RE 79.343, entendeu que a decisão que decreta a nulidade tem caráter constitutivo. Cf. RE 79.343, Relator Min. Leitão de Abreu, DJ 02/09/1977, p. 5.970.

299

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O valor do ato inconstitucional em face do direito positivo brasileiro. in: Revista do Advogado. n. 76 São Paulo: AASP, 2004. p. 68-71 e FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 158-61. De igual posicionamento, Camazano afirma que: “En realidad, la sentencia de inconstitucionalidad es siempre constitutiva...” Cf. BRAGE CAMAZANO, Joaquín. Interpretación constitucional, declaraciones de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador (un sucinto inventario de algunas sentencias “atípicas”). en Eduardo Ferrer Macgregor (ed.), La interpretación constitucional, Porrúa, México, 2005, en prensa. Ainda: HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional: teoria da nulidade versus teoria da nulificabilidade das leis. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 44.

300 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo VI. Coimbra: Editora Coimbra, 2005. p. 103 e CANAS, Vitalino. Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional. 2 ed. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. p. 122-5. Apesar de mencionar a existência deste entendimento intermediário, Vitalino Canas entende que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter constitutivo; BLANCO DE MORAIS, Carlos. Justiça Constitucional. t. II. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 202 e 246.

A partir da análise do direito positivo brasileiro, faz-se necessário uma revisão do entendimento tradicional de que a decisão reconhecedora da inconstitucionalidade tem caráter meramente declaratório301.

Neste sentido, é de grande relevo mencionar a classificação científica das decisões judiciais formuladas por Pontes de Miranda, que divide as decisões em: 1) declaratórias, quando contêm enunciado de existência; 2) constitutivas, na medida em que constituem, positivamente ou negativamente, de tal maneira que algum fato jurídico se produziu, se integrou, se transformou ou saiu do mundo jurídico (antes era m e após a decisão é m + 1 ou m - 1); 3) condenatórias, quando declaram e apontam a infração, além de pronunciar a sanção; 4) mandamentais, quando contêm mandamento, no qual o juiz ou tribunal mandam que alguém realize o conteúdo da prestação jurisdicional; e 5) executórias, que ocorrem nos casos onde se tira algo da esfera jurídica de um indivíduo e transfere-se para a esfera jurídica de outrem, de modo a restaurar a ordem jurídica302.

Entende-se, portanto, que a decisão que decreta a

inconstitucionalidade tem natureza constitutiva, pois o Tribunal Constitucional não irá apenas declarar o defeito da norma, mas procederá também a desconstituição ou modulação de seus efeitos. Por conseguinte, entende-se que nos casos em que o Tribunal Constitucional pronunciar a constitucionalidade da norma a decisão terá caráter declaratório, enquanto que nos casos que julgar pela inconstitucionalidade, a decisão terá caráter constitutivo303.

301 A decisão declaratória supõe existência ou inexistência, não discute o plano da validade. Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado.t. IV. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 29.

302

Ressalta-se, ainda, que as classes dessas decisões são determinadas por preponderância de eficácia das decisões; não há decisões puras, todas as decisões têm elementos de outras. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. t. VI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p. 414-5.

303

Pontes de Miranda argumenta que a decisão acerca da inconstitucionalidade não é declaratória. Para que a decisão afirmativa da inconstitucionalidade fosse declaratória seria precisa que a lei inconstitucional não existisse. Por conseguinte, como a lei contrária à Constituição existe, mas invalidamente, a decisão que afirma a constitucionalidade é declaratória, enquanto que a decisão que afirma a inconstitucionalidade é constitutiva. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. t. VI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p. 414-8. Já Ferreira Filho entende que a decisão pode ter caráter declaratório, constitutivo e até mandamental, no caso de inconstitucionalidade por omissão. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O valor do ato inconstitucional em face do direito positivo brasileiro. in: Revista do Advogado. n. 76 São Paulo: AASP, 2004. p. 68-71.

2.6. Controle concentrado de constitucionalidade no Brasil –