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Capítulo III – A COLONIALIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS

3.2 Decisões do TRF da 3 a região

3.2.1. Casos 12 e 13179: mulheres Guarani-Mbya

176 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4a Região). Apelação/Reexame Necessário no 5004029-

67.2012.404.7104. Relator: Roger Raupp Rios. Data da publicação: 25 de novembro de 2014, p. 6.

177 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4a Região). Apelação/Reexame Necessário no 5004029-

67.2012.404.7104. Relator: Roger Raupp Rios. Data da publicação: 25 de novembro de 2014, p. 4-5.

178 O TRF3, com sede em São Paulo, exerce jurisdição sobre as SJ dos seguintes Estados-membro: Mato Grosso

do Sul e São Paulo.

179 AG no 0003802-35.2010.4.03.0000 e APELREEX no 0009749-31.2009.4.03.6103. Conforme advertimos na

introdução deste capítulo, o caso 13 não apareceu quando do levantamento das decisões no site do TRF3, mas somente após a análise do caso 12, já que ambos os processos – que receberam numeração distinta no tribunal – advêm de decisões proferidas no âmbito do mesmo processo originário em 1o grau. A ausência

desse caso nas buscas se deve ao fato de que sua única deliberação foi proferida fora do limite temporal fixado para a pesquisa. Todavia, por estar vinculado a processo identificado anteriormente, passou a compor a amostra.

O caso 12 originou-se de decisão proferida por juiz de 1o grau em ACP ajuizada pelo

MPF para impedir que um dos requisitos para a concessão do salário-maternidade a mulheres indígenas fosse a idade. O juiz deferiu a tutela antecipada determinando que o INSS “se abstenha de indeferir os benefícios de salário-maternidade das seguradas indígenas residentes da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira exclusivamente por motivo de idade, ou com ele relacionado”.

Ao apreciar o agravo interposto no TRF3 contra referida deliberação (caso 12), a relatora monocraticamente concedeu efeito suspensivo à decisão do juiz de 1o grau,

interrompendo temporariamente sua eficácia, até a manifestação final pelo tribunal.

Analisando essa deliberação monocrática sob o prisma das categorias desta pesquisa temos, no que respeita à Legislação, a referência ao art. 7o, XXXIII, CR/88 e à Lei no

8.213/91 com a ressalva de que nenhum dos dispositivos fez qualquer distinção sobre os indígenas. Há ainda uma transcrição do art. 231, CR/88, mas para refutá-lo. O Estatuto do Índio e as normas internacionais, contudo, não aparecem.

Identificamos a categoria Autodeterminação na argumentação usada para afastar a incidência do direito pleiteado no caso. Afirmou-se que não há plausibilidade jurídica na alegação apresentada, além de não haver precedente que conceda tal benefício às mulheres indígenas menores de 16 anos.

Assim, ao invés de interpretar os comandos constitucionais que, como transcrito na própria decisão, reconhecem a organização social e os costumes indígenas, a relatora opta pela não concessão do direito, tendo em vista que não há decisão anterior sobre o tema. Trata- se de posição que carrega um fardo de colonialidade, além de espelhar a ausência de discussão dos direitos indígenas na educação jurídica tradicional. Isso porque não seria necessária a existência de decisão anterior sobre o tema, já que a própria Constituição de 1988 traz as balizas para a solução do litígio.

Ainda nessa mesma categoria, a decisão inicialmente afirma que não se poderia negar que as crianças indígenas participam da cultura da terra com seus pais e familiares, todavia compreende que aplicar tal entendimento poderia gerar discriminação com outras crianças que também trabalham dessa maneira. Ao invés de reconhecer a situação peculiar dos povos indígenas como previsto constitucionalmente, a decisão aplica o senso comum da sociedade ocidental sobre essas sociedades.

Outro pensamento de matriz colonial revela-se na frase que reconhece que, “embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição, é público e notório que

a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país” 180. Longe de reconhecer o significado da participação nas atividades da comunidade para os povos indígenas, a decisão lamenta que essa ainda seja a realidade atual.

Por fim, a categoria Discriminações interseccionais mostra-se presente na seguinte frase:

Por isso, entendo que reconhecer à mulher indígena o direito ao salário- maternidade antes dos 16 (dezesseis) anos de idade, ao fundamento do respeito à sua cultura, implicaria em (sic) afrontar o direito de tantos que muito antes dessa idade trabalham na lavoura e não tem (sic), a partir da EC n. 20, o reconhecimento da condição de segurados da previdência social. 181

A justificativa revela a ausência do uso das lentes da interseccionalidade, indispensáveis para a compreensão das subordinações étnica, de gênero e etária a que são submetidas as mulheres indígenas.

Posteriormente, no exame do mérito do recurso pelo colegiado, a relatora repisou os mesmos argumentos utilizados na apreciação monocrática, sem acrescentar nenhuma nova premissa. Com isso, o TRF3 deu provimento ao AG, restando cassada a tutela antecipada formulada pelo juiz de 1o grau.

Sobreveio, na sequência, sentença proclamada pelo juiz de 1o grau que reiterou os

argumentos postos em sua decisão cautelar (tutela antecipada). A sentença foi então impugnada mediante apelações interpostas por ambas as partes (caso 13).

O relator dos recursos de apelação no TRF3 entendeu, em decisão monocrática, pela ilegitimidade ativa do MPF para pleitear benefício previdenciário para mulheres indígenas, sob os seguintes fundamentos:

Com efeito, ainda que se trate de benefício previdenciário destinado ao amparo de população indígena, o fato é que a natureza do direito em questão continua sendo de natureza previdenciária, logo se trata de direito patrimonial disponível, suscetível de renúncia pelo respectivo titular, motivo pelo qual o Ministério Publico Federal não detém legitimidade ativa para postular em juízo, em nome de índio ou não índio o reconhecimento do direito ao benefício antes dos 14 (quatorze) anos, ainda que sob o fundamento de que se trata de respeitar os costumes indígenas, pois que este direito, ao salário maternidade, não é um benefício exclusivo do índio, mas de qualquer segurada do INSS, não se justificando o discrimine de que há direito ao benefício do salário maternidade antes dos 14 (quatorze) anos de idade para índias. 182

180 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3a Região). Agravo de Instrumento no 0003802-35.2010.4.03.0000.

Relatora: Marisa Santos. Data da decisão: 30 de março de 2010.

181 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3a Região). Agravo de Instrumento no 0003802-35.2010.4.03.0000.

Relatora: Marisa Santos. Data da decisão: 30 de março de 2010, p. 2.

182 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3a Região). Apelação/Reexame Necessário no 0009749-

Da leitura desse trecho, observa-se que, apesar de reconhecer um obstáculo processual para o julgamento do recurso – a ilegitimidade do recorrente, que, no caso, é o MPF – o relator do processo, ao invés de simplesmente não conhecer do recurso por tal motivo, acaba tecendo considerações sobre o mérito do tema a ser apreciado. Em outras palavras, se há um empecilho de cunho processual, não haveria possibilidade de serem feitas reflexões sobre o pedido principal, já que, em tese, o recurso não reuniria os requisitos mínimos de formalidade que a lei processual exige para que fosse julgado.

No caso, todavia, o relator acabou analisando o pedido ao afirmar que se trata de direito que não é exclusivo do índio, sendo acessível a qualquer outra segurada especial do RGPS. Esses argumentos foram observados na perspectiva da Autodeterminação, já que a decisão desconsiderou a proteção feita pela CR/88 e pelas normas internacionais à organização social e aos costumes das sociedades indígenas.

Tais normas garantem aos povos indígenas o exercício de todos os direitos previstos para os demais cidadãos, desde que haja a proteção e observância de suas práticas ancestrais. Concede-se a esses povos uma análise diferenciada de sua situação, de acordo com o novo paradigma de respeito e da não discriminação inaugurado pela CR/88 e previsto em diversos documentos internacionais aos quais o País aderiu.

As demais categorias de análise não foram identificadas na decisão. Cabe salientar, por fim, que se trata de deliberação ainda não definitiva no âmbito do TRF3, pois está pendente de apreciação um recurso interno183 que deverá ser julgado pelo colegiado

competente para avaliar o tema.