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Capítulo II – MULHERES INDÍGENAS, PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA E

2.4 Organização social indígena e padrão reprodutivo

2.4.3 Mulheres Kaingang

O povo Kaingang pertence ao Tronco Macro-Jê, na Família Linguística Jê125, e

integra, juntamente com os Xokleng, os Jê Meridionais, localizando-se entre o oeste paulista e o noroeste do Rio Grande do Sul. Além de representarem em torno de 50% dos integrantes dos povos da língua Jê, os Kaingang compreendem um dos 5 povos indígenas brasileiros com maior população126. A economia que se baseava na caça, pesca e coleta, passou a ter a

agricultura como a atividade principal atualmente.

Da mesma forma que os demais povos Jê, os Kaingang também diferenciam as pessoas que representam o “nós” daquelas outras consideradas “diferentes de nós” – sendo o dualismo sua principal característica – distinguindo os consanguíneos, que seriam os parentes ou primos (kaitkõ), do cunhado, ou afim potencial ou de fato (iambré), constituindo as “metades clânicas”, que se opõem e se complementam127 (VEIGA, 1994).

124 Laudo apresentado como anexo da petição inicial no processo originário: BRASIL. Justiça Federal da 1a

Região. Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. Ação Civil Pública no 2005.38.00.005481-5. Disponível

em: <http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=200538000054815&secao=JFMG>. Acesso em: jan. 2015.

125 Na nota 119 supra, explicamos a divisão e subdivisões das línguas indígenas brasileiras nos termos da

catalogação sugerida por Ayron Dall’Igna Rodrigues em 1972. Segundo essa proposta, os dialetos dos Kaingang são Kaingang do Paraná, Centra, do Sudoeste e do Sudeste. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/troncos-e-familias>. Acesso em: jan. 2015.

126 Fonte: Portal Kaingang. Disponível em: <http://www.portalkaingang.org/index_povo_1default.htm>. Acesso

em: jan. 2016.

127 Veiga ressalta que o material por ela analisado sobre os Kaingang “aponta para a pertinência tanto da noção

Há quem afirme que os Jê seguiriam a lógica de divisão entre o centro da aldeia – que corresponderia ao espaço público, sagrado, masculino, centro de poder – e as casas residenciais da periferia – espaço privado, profano, feminino (MAYBURY LEWIS apud VEIGA, 1994). Todavia, esse modelo foi questionado por Vanessa Lea (apud VEIGA, 1994) que considera a casa como unidade central da organização social, rompendo com a lógica dicotômica entre centro/masculino e periferia/feminino.

Juracilda Veiga relata que, apesar de os Kaingang realizarem as discussões políticas no centro da aldeia e normalmente por homens, a política da sociedade é realizada nas casas, sendo que “a reunião no centro da aldeia tem apenas o papel de ratificar ou tornar pública a decisão já tomada nas conversas que acontecem nas casas, onde a participação das mulheres é fundamental. Conforma-se, assim, uma certa complementaridade entre masculino e feminino” (1994, p. 15). Cinthia Rocha reafirma uma suposta complementariedade entre os gêneros, mas ressalva que tal aspecto

[...] não dispensa a assimetria – homens e mulheres Kaingang possuem atribuições distintas em suas redes cosmológicas, sociais e políticas. Porém cada vez mais, percebe-se que a distinção entre os dois domínios separados não abarca a complexidade da vida indígena – de mulheres e homens, independentemente, que assumem papéis importantes na constituição e formação de grupos extensos (ROCHA, 2010, p. 1).

Destacando o comportamento feminino dando suporte às lideranças masculinas Kaingang, a autora conclui que as mulheres deixam de atuar num lugar puramente doméstico e passam a desempenhas um papel político feminino, que fundamentaria a organização social Kaingang contemporânea.

A sociedade possui um caráter patrilinear, já que os filhos e filhas pertencem à metade de seu pai, não se admitindo mais de um genitor. Como regra geral, os casamentos ocorrem entre pessoas ligadas à metade oposta ao do seu genitor, ainda que provenientes de aldeias distantes. Assim, a aliança seria um modo de estabelecimento de laços de solidariedade entre pessoas diferentes (VEIGA, 1994).

As uniões respeitam via de regra a uxorilocalidade, sendo “comum que as filhas, aos e casarem, tragam os maridos para a casa dos pais ou, quando o casal novo passa a uma casa própria, em geral esta fica localizada ao lado da casa dos pais” e então o rapaz passa a colaborar no serviço da roça e na manutenção da casa do sogro (VEIGA, 1994, p. 94). Rosângela Faustino, trabalhando com os Kaingang no Paraná, aponta que, “apesar da relação identificar metades clânicas, quanto para a teoria da aliança [com base em Vanessa Lea e Lopes da Silva], uma vez que tais metades são também exogâmicas” (1994, p. 58).

intercultural estabelecida entre os grupos e a sociedade envolvente, e mesmo com o aumento da escolaridade, o casamento [ocorre] por volta dos 14 anos para as mulheres e 17 anos para os homens [...]” (2010, p. 216).

Os processos de aprendizagem são marcados pela informalidade e acontecem a todo momento e em qualquer ambiente. Assim, Faustino destaca que as crianças “estão em ‘todos os lugares’ e há uma grande permissividade no modo como a criança circula por toda a aldeia e se relaciona com os adultos, sendo tratada com ternura e carinho (COHN, 2002)”. O aprendizado se dá com base no princípio de que “todos ensinam a todos” (FAUSTINO, 2010, p. 217) e “no cuidar coletivo, ou seja, todos cuidam e são responsáveis por todos” (LAROQUE, SILVA, 2013, p. 267).

As crianças Kaingang passam por um aprendizado social na primeira infância, pois “crescem e se tornam adultas, brincando, imitando os pais, ouvindo histórias que os mais velhos contam, participando das atividades cotidianas e de rituais do grupo” (LAROQUE, SILVA, 2013, p. 266).

Na cultura Kaingang, a criança se torna adulta muito cedo, se considerarmos os padrões da sociedade envolvente. Por volta dos 12 anos, a criança já se encaminha para a vida adulta, com todas as responsabilidades dessa. No caso das meninas, sua entrada na vida adulta se dá com a menarca, período em que já podem se casar ou ter uma vida sexual ativa. Com essa idade, também os meninos já podem ter sua própria roça e ir tomando as decisões sobre sua própria vida (FAUSTINO, 2010, p. 218).

Sobre a idade da primeira menarca, Silva e outros (2009), em estudo sobre as Kaingang da Terra Indígena Faxinal, no Paraná, revelaram que a idade média foi de 13,4 anos, tendo ocorrido no período de 11 a 13 anos em aproximadamente 40% das mulheres, não tendo acontecido nenhum caso antes de 11 anos. Nessa pesquisa, os autores exploraram fatores de risco para câncer de mama em mulheres Kaingang e observaram sua baixa incidência.

Alguns trabalhos citados na pesquisa acima revelam que, dentre os fatores de proteção – que podem ser verificados também em outras etnias – estão a primeira gestação precoce, a multiparidade, a amamentação, a não precocidade da menarca. Dentre os estudos mencionados, Lima e outros destacaram a primeira gravidez precoce como sendo “um importante evento no processo de maturação das células da mama, tornando-as potencialmente mais protegidas em relação à ação de substâncias cancerígenas” (SILVA et al., 2009, p. 1498).