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1.3. A crise das democracias

1.3.5 Declínio no número de filiados

Um dos pontos trabalhados pela literatura quando se pensa sobre declínio ou ascensão de qualquer organização diz respeito à sua capacidade de arregimentar pessoas para as questões que lhe são inerentes. Com os partidos políticos isso não é diferente. Os partidos – por sua própria natureza política e pelo fato de necessitarem angariar votos – precisam mobilizar pessoas. Esta mobilização se dá tanto pelo lado do público receptor de suas mensagens, quanto pelo envolvimento direto na organização. O primeiro pode ser mensurado essencialmente através de número de votos conquistados, ou ainda, pode-se argumentar, pelos índices de identificação partidária. O segundo se revela especialmente através da capacidade que os partidos detêm em conquistar e manter filiados.

É relativamente abundante o número de trabalhos que declaram ser patente uma diminuição no número de filiados aos partidos europeus, ainda que a maior parte das pesquisas se ocupem não do comportamento dos dados sobre filiação em si, mas sim da identificação junto ao eleitorado. Essa priorização da identificação em detrimento da filiação é compreensível, uma vez que a primeira parece possuir – ao menos do ponto de vista estritamente lógico - maiores conseqüências eleitorais do que a segunda. Mair e van Biezen (2001), estão entre os que trabalharam a questão da filiação na Europa. O estudo promovido por estes autores buscou retomar o trabalho publicado por Katz et al. (1992), ampliando o número de países estudados e atualizando os dados para anos mais recentes15. De forma análoga ao trabalho original, Mair e van Biezen (2001) concluíram por um decréscimo na filiação partidária agregada. No entanto, se ambas as pesquisas apontam para uma mesma direção, há um ponto fundamental de diferença entre ambas. Sobre esta dessemelhança, Mair e van Biezen escreveram:

Thus, while the overall numbers of members in a number of polities had actually remained stable or had even grown in the period from 1960 to the late 1980’s, they had usually failed to keep pace with the enormous expansion of electorates in this same period, and hence had registered a relative decline. What we see now, however, when extending these data through to the end of the 1990’s, is not only an accentuation of this decline in membership relative to the electorate, but also, and for the first time, a strong and quite consistent decline in the raw numbers themselves (MAIR e VAN BIEZEN, 2001, p. 6).

Em outras palavras, Mair e van Biezen perceberam um aprofundamento da perda de número de filiados nos números agregados para a Europa entre 1980 e 2000. A diminuição, que nas décadas anteriores era proporcional em relação aos incrementos no eleitorado, passou

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Para uma visão contrária à de Katz et al. (1992), ver Selle e Svasand, 1991. Von Beyme (1996), por sua vez, traz dados que impossibilitariam uma conclusão simplificada num binômio há/não há queda na filiação.

– segundo eles – a acontecer em números absolutos. Outros textos abordam a questão da filiação16, mas sempre tratando o tema juntamente a outros elementos importantes, como a identificação partidária. A razão de termos optado por separar os dois pontos fundamenta-se no fato de identificação partidária ter efeitos sobre o voto. Ainda que se considere que os filiados votarão em seus partidos, o fato de pessoas manterem um vínculo mais forte com um partido do que a mera identificação merece uma consideração em separado.

Ainda que concorde com a existência de um declínio na capacidade dos partidos políticos em mobilizar filiações, Susan E. Scarrow (2002) traz alguns questionamentos interessantes. Ela apresenta o que seriam, na sua opinião, falsos axiomas existentes na Ciência Política, aos quais denomina de mitos. Em primeiro lugar – o primeiro mito, a autora se pergunta até que ponto realmente houve uma transição de partidos baseados em filiações massivas para modelos menos dependentes de seus filiados. Segundo Scarrow (Ibid.), é questionável a assunção de que o partido de massas concebido por Maurice Duverger (1970) tenha efetivamente sido o modelo dominante durante boa parte do século XX – especialmente na primeira metade - tanto em espectros mais à esquerda, quanto à direita. Para Scarrow (2002), os partidos baseados na filiação e dependentes de seus membros sempre foram numericamente limitados. Seria falsa, portanto, a afirmação de que o período de maior popularidade dos partidos de massa fora durante os primeiros cinqüenta anos do século XX. Segundo a autora, para alguns partidos isso é verdade, mas para muitos outros apenas no último quartel do século é que uma organização baseada em membros filiados se tornou realidade (Ibid.). O segundo ponto que a autora questiona é a aceitação do argumento que diz que o declínio na filiação possui equivalência com o declínio da força da organização partidária. Assim, Scarrow se pergunta se seria melhor para um partido possuir muitos filiados com pouca participação e engajamento ou poucos filiados com militância ativa. Ela conclui que grandes quadros de filiados não são necessariamente mais eficientemente organizados para desempenharem tarefas políticas. Por fim, o terceiro mito que Scarrow (2002) se propõe a desvelar é que existiriam poucas pressões que pudessem contrabalançar os incentivos a que os partidos abandonassem estruturas baseadas na filiação partidária. Em outras palavras, para Scarrow os filiados ainda teriam importante papel dentro dos partidos. Este é um ponto bastante interessante, mas infelizmente a autora não o desenvolve além de poucas linhas. No entanto, o insight não deixa de ser provocador. Haveria uma separação muito clara entre as possibilidades de atuação dos quadros de filiados e sua real utilidade para os partidos. De um

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lado, papéis externos, de outro, internos. O primeiro conteria atividades de militância e convencimento fora do ambiente partidário, numa atuação junto ao restante da sociedade de modo a fazer o diálogo com os eleitores, expondo a agenda partidária e promovendo o partido. Esta esfera de atuação seria aquela em que os filiados seriam menos úteis nas organizações pós-partidos de massa. Difusão de novas tecnologias de comunicação e ampliação da utilização de campanhas capital-intensivas substituiriam em parte a dependência dos partidos no que diz respeito ao trabalho de militância dos filiados. Nesta esfera externa, portanto, a necessidade de possuir amplos quadros de filiados seria menor do que no passado. A segunda parte do argumento – os papéis internos dos filiados – revela a impossibilidade de se desconsiderar a importância destes para a organização. Ela diz respeito aos processos internos ao partido, especialmente aqueles de escolha de candidaturas. É sabido que os partidos não costumam ser organizações monolíticas, mas sim divididos por correntes que, vez ou outra, mostram-se bastante divergentes. Dentro deste quadro, os filiados teriam sua importância reconhecida no âmbito interno do partido, uma vez que é fundamental para qualquer candidato obter o respaldo da militância daquele partido pelo qual concorrerá nas próximas eleições. No entanto, autores como Katz e Mair (1995) vão sustentar, como veremos mais detalhadamente adiante, que os tipos partidários emergentes fundamentam-se muito mais sobre decisões tomadas pelos estratos mais elevados dos partidos, em uma óbvia referência à perspectiva desenvolvida por Robert Michels (2001). De qualquer modo, o fato dos partidos políticos continuarem a promover convenções e reuniões intra-correntes revela que o envolvimento dos filiados tem ainda alguma importância, nem que esta seja limitada por uma realidade mais estratificada dentro da burocracia partidária. A questão levantada por Scarrow mostra-se, portanto, extremamente interessante. Seriam necessários diversos estudos para se compreender até que ponto o envolvimento dos filiados é solicitado pelos partidos, seja na Europa, seja no Brasil.

2 PARTIDOS E CARTELIZAÇÃO