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Regras de distribuição do fundo partidário: a caminho de maior concentração?

De modo geral, a partir do exposto acima, pode-se perceber que durante largo período da história recente do país, não houve significativas modificações na política distributiva dos recursos do Fundo Partidário. As regras no que dizem respeito ao rateio não foram alteradas – ao menos não substantivamente – até meados dos anos 1990. É com a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, lei n.º 9.096/1995 que o Fundo Partidário ganha destaque e que as mudanças distributivas passam a ocorrer, primeiramente dentro de um escalonamento previsto na própria lei e, posteriormente, em decorrência da manifestação do Poder Judiciário sobre as regras ali contidas e da reação do Legislativo sobre tais manifestações. O emaranhado legislativo pode intimidar qualquer um que não disponha de intimidade com os meandros do Direito. E intimida também os iniciados. Para não afastar o leitor e facilitar a compreensão, a tabela abaixo resume a legislação vigente em cada período acerca da distribuição do fundo partidário:

Tabela 3.1. Leis sobre Fundo Partidário e seus Critérios de rateio Período (cenários) Referência da lei/resolução Critérios distributivos 1965-1971 (cenário1) Lei n.º 4.740/1965

20% equanimente; 80% proporcionalmente à bancada na Câmara dos Deputados

1971-1995 (cenário 1) Lei n.º 5.682/1971

20% equanimente; 80% proporcionalmente à bancada na Câmara dos Deputados

1995-1999 (cenário 2) Lei n.º 9.096/1995

Destaque de 29%: distribuídos proporcionalmente à bancada na Câmara de Deputados em 1995 para os partidos que atingissem os requisitos mínimos do período para obter o funcionamento parlamentar; Os 71% restantes seriam distribuídos da seguinte forma: 1% equanimente e 99% proporcionalmente ao número de votos para a Câmara de Deputados

1999-2006 (cenário 3) Lei n.º 9.096/1995

Destaque de 29%: distribuídos proporcionalmente à bancada na Câmara de Deputados daqueles partidos que atingissem os requisitos mínimos do período para obter o funcionamento parlamentar; Os 71% restantes seriam distribuídos da seguinte forma: 1% equanimente e 99% proporcionalmente ao número de votos para a Câmara de Deputados 2006- presente (não

entrou em vigor devido à declaração de inconstitucionalidade),

(cenário 4)

Lei n.º 9.096/1995

1% equanimente; 99% na proporção dos votos à Câmara dos Deputados obtidos pelos partidos que atingiram os requisitos mínimos para funcionamento parlamentar. 13 de fevereiro de 2007 a 21 de março de 2007 (cenário 5) Resolução n.º 22.506 do TSE Primeiro destaque de 29%: distribuição proporcional à representação parlamentar filiada no início da legislatura; Segundo destaque de 29%: para os partidos com estatuto registrado no TSE e que tenham concorrido ou venham a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representantes em duas eleições consecutivas em, no mínimo, cinco Estados, obtendo, ainda, um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos e distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados; 42% restantes: equanimente. A partir de 22 de março de 2007 (cenário 6) lei n.º 11.459/2007 (modificadora da lei n.º 9.096/1995) 5%: equanimente; 95%: na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a câmara dos Deputados

Fonte: elaborado pelo autor a partir de consulta à legislação.

Pela tabela acima, fica claro que até 1995 não houve mudanças naquilo que diz respeito aos critérios de distribuição do Fundo Partidário. É a partir de 1995 que as mudanças passam a ocorrer, alterando gradativamente os parâmetros de distribuição de recursos, até se

obter um cenário institucional de distribuição de recursos centrado nos maiores partidos. Com a impossibilidade de implementação de regras mais rígidas e a atuação da Justiça justamente em sentido contrário, novas regras são criadas, novamente concentrando recursos, mas dentro de limites menos rígidos do que os anteriores.

Existe, no entanto, um complicador. Ao mesmo tempo em que parece claro um movimento concentrador quando analisada isoladamente a proporção utilizada no rateio dos recursos, as mudanças no qualificador daqueles que se enquadram nas categorias distributivas não permite conclusões antecipadas. Não há como dizer, ou pelo menos não é prudente arriscar-se a tal, se a distribuição de recursos em 1971 era, efetivamente, mais igualitária do que em 1996, 2001 e 2007. O complicador está no fato de o que definia o valor a ser recebido em alguns períodos ser o tamanho da bancada na Câmara Federal e, em outros momentos, o número de votos. O movimento legislativo veio nesta direção, da substituição da variável “assentos na Câmara” pela “votos conquistados em eleições para a Câmara”. É sabido que o sistema eleitoral brasileiro possui distorções na representação parlamentar. Especialmente por conta das representações mínimas e máximas atribuídas aos Estados pela legislação, alguns estão sobre-representados e outros sub-representados. No entanto, esta distorção não afeta a análise aqui constante, uma vez que ela prejudica e beneficias partidos com participações semelhantes na Câmara de Deputados. A composição das bancadas padece de distorções intrínsecas à organização do sistema, mas estas desproporcionalidades afetam de maneira prejudicial também aos maiores partidos. Segundo Tafner (1996), o então Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM) era o partido que mais se beneficiava com as desproporcionalidades do sistema político-eleitoral brasileiro. Por outro lado, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT) – outros grandes partidos – tinham sua representação na Câmara Federal diminuída em relação àquela que seria obtida se levada em consideração tão somente o número de votos conquistados (Ibid.). A substituição do critério “tamanho da bancada” pelo “votos conquistados” na legislação que trata da distribuição do Fundo Partidário não pode ser vista, portanto, do ponto de vista de uma transferência de recursos de partidos menores para partidos maiores, ou vice-versa. Uma vez que a modificação beneficiou grandes partidos em detrimento de grandes partidos, houve apenas uma troca de regra sub-constitucional, de modo a corrigir distorções que não beneficiavam um ou alguns grandes players. Uma alteração de maior monta no sistema, que corrigisse as distorções de representatividade exigiria uma discussão muito mais ampla, pois envolveria alterações na Constituição e uma rediscussão da construção da federação brasileira. Por outro

lado, a simples adoção de regras diferenciadas para o rateio do Fundo Partidário pôde ser levada a cabo através de lei ordinária, de fácil aprovação quando são muitos os interessados, ainda mais quando estes possuem largas bancadas no Legislativo. Desta forma, a simples mudança de um critério distributivo baseado nos assentos para outro baseado nos votos angariados, não significa necessariamente um movimento de concentração. Ao contrário, partidos pequenos, que pela regra do coeficiente eleitoral não conseguem assentos na Câmara Federal e que – pelos critérios anteriores de distribuição – estariam excluídos do rateio da maior parcela do Fundo Partidário, pela regra da proporção dos votos conseguiram a inclusão neste rateio. No entanto, uma vez que diversos partidos grandes também se beneficiaram com esta mudança nas regras, é possível perceber o benefício alcançado pelos partidos menores mais como um efeito spillover29 do que efetivamente uma conquista tributária do seu esforço político.