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A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: DO PÓS-2ª GUERRA MUNDIAL À

3 OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS: DA PROGRAMATICIDADE À JURIDICIDADE.

3.1 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: DO PÓS-2ª GUERRA MUNDIAL À

GUERRA FRIA.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, inicializa-se um processo de internacionalização dos direitos humanos impulsionado pela maciça expansão das organizações internacionais com propósitos de cooperação. A vitória dos países aliados produziu importantes transformações no Direito Internacional, materializadas na Carta das Nações Unidas, de 1945, e suas Organizações.

O novo modelo de conduta, instalado nas relações internacionais pela Carta das Nações, de 1945, tem como foco a manutenção das relações internacionais, paz e segurança, cooperação no plano econômico, social e cultural, adoção de um padrão internacional de saúde, proteção ao meio ambiente, criação de uma nova ordem econômica internacional e, também, a proteção dos direitos humanos98.

Na Carta de 1945, embora contenha os fundamentos para o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, sobrelevaria os aspectos de cooperação econômica e estabelecimento de padrões uniformes de conduta para as nações do pós-guerra. Já no aspecto especial da proteção da pessoa humana, o legado das monstruosas violências perpetradas pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial fez com que os direitos humanos se consolidassem no cenário internacional contemporâneo sob um novo paradigma ético de aproximação do Direito e da Moral, pela qual estaria a pessoa humana protegida integralmente em nome de sua dignidade; tarefa que foi atribuída à Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, que, por sua vez, consolida a afirmação de uma “ética universal” a ser seguida pelos Estados99.

Compreendendo um “conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual”, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece a universalidade dos direitos humanos, a ser aplicado “a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide”100.

Outra característica importante da Declaração de 1948 é a consagração da indivisibilidade dos direitos de primeira dimensão (de cunho liberal, os civis e

98

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 192.

99

Ibidem, p. 203. 100

políticos), com aqueles erigidos mais recentemente aos textos constitucionais, através das Revoluções Socialistas, dos movimentos operários e das organizações sindicais (os de cunho econômico, social e cultural), em paridade de importância, interelação, indivisibilidade e interdependência.

Conforme pontua Flávia Piovesan, a Declaração de 1948 combina o discurso liberal da cidadania com o discurso social e introduz a concepção contemporânea de direitos humanos ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade101.

No entanto, o grande problema da Declaração Universal, de 1948, como observa Carlos Weis102, é que prevaleceu na doutrina majoritária o entendimento de que dela não decorreram direitos subjetivos aos cidadãos nem obrigações internacionais para os Estados, mas sim que suas disposições teriam natureza jurídica de recomendações, embora de caráter especial.

Ao questionar o valor jurídico da Declaração Universal de 1948, Piovesan explica que a Declaração não é um tratado, sendo adotada sob forma de resolução, que não tem força de lei, mas apenas o propósito, como proclama seu preâmbulo, de promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU103.

Diante dessa uma suposta ausência de força vinculante e obrigatória da Declaração Universal de 1948, a ideia inicial durante os trabalhos da ONU para garantir a observância universal dos direitos nela previstos, numa sistemática de monitoramento e controle, segundo Flávia Piovesan104, seria a criação de um tratado internacional único, com o objetivo de incorporar os dispositivos contidos na Declaração de 1948, sob forma de preceitos jurídicos obrigatórios e vinculantes, nele contemplando, tanto os direitos de cunho liberal, quanto os de cunho social; ou,

101

Ibidem, p. 206/208. 102

WEIS, Carlos. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em <www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratado06.htm>. Acesso em 13 agosto 2003.

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PIOVESAN, 2012, p. 210/211: Sobre esse aspecto, a autora discorda da posição majoritária, de “enfoque estritamente legalista” (p. 225). Para ela, a Declaração Universal tem força vinculante porque representa a “interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’, constante da Carta das Nações Unidas” (p. 211). A autora cita, ainda, as palavras de Roosevelt, à época representante da Comissão de Direitos Humanos e dos EUA (In: WHITEMAN, Digest of Internacional Law, 623, 1965), quanto às características da Declaração de 1948, o qual profere: “não é um tratado”, “não é um acordo internacional”, “não pretende ser um instrumento legal ou que contenha uma obrigação legal. É uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e liberdades, que será selada com a aprovação de todas as Nações” (p. 210/211).

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como afirma Carlos Weis105, a construção de uma “Carta Internacional de Direitos Humanos”.

Contudo, como os próprios Carlos Weis106 e Flávia Piovesan107 apontam, apesar da ideia inicial da criação de um tratado único de direitos humanos, a tônica foi a da divergência entre os países do bloco ocidental e os do bloco socialista.

Informam os respectivos autores que os países do bloco ocidental, liderados pelos Estados Unidos e potências eurpoeias, defendiam a tese de que, como os processos de implementação seriam distintos para as duas categorias de direitos humanos (civis e políticos e econômicos, sociais e culturais), exigindo diferentes procedimentos de implementação; justificar-se-ia a formulação de dois pactos diversos, um para cada espécie de direitos. Em síntese, entediam que, enquanto os direitos civis seriam “auto-aplicáveis” e passíveis de cobrança imediata e submissão pelo sistema de denúncias; os sociais seriam considerados “programáticos” e demandavam realização progressiva, sem que se pudesse exigir do Estado sua concretização nem de denunciá-lo.

Na ótica de Fábio Konder Comparato108, as potências ocidentais insistiam no reconhecimento das liberdades individuais clássicas contra interferências estatais na vida privada, o que, para Carlos Weis109 significou apenas a tentativa de conservação de uma noção individualista dos direitos humanos, diminuindo a importância das prescrições relativas ao estabelecimento de condições mínimas e de um padrão digno de existência social através da cooperação técnica e financeira dos países envolvidos; o que garantiria a permanência dos países subdesenvolvidos como fornecedores de produtos primários e de mão-de-obra barata.

Insurgindo-se contra esse intento das potências ocidental e europeias, os países do bloco comunista preferiam por em destaque os direitos que têm por objeto políticas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Defendiam os países daquele bloco a elaboração de um único pacto e sustentavam a tese de que nem em todos os países os direitos civis e políticos eram auto-aplicáveis e os direitos sociais não, mas, a depender do regime,

105

WEIS, Carlos. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em <www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratado06.htm>. Acesso em 13 agosto 2003.

106

Ibidem. 107

Ibidem, p. 229. 108

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

109

os civis poderiam ser programáticos e os sociais auto-aplicáveis; além disso, afirmaram que a feitura de dois instrumentos distintos poderia significar uma diminuição da importância dos direitos sociais110.

Por fim, prevaleceu a tese defendida pelos países ocidentais, sendo elaborados dois tratados de direitos humanos, de 1966, sob diferentes espécies de direitos: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – PIDCP, que cria a obrigação estatal de tomar providências necessárias para garantir a todos os indivíduos que se encontram em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos ali previstos; e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, que, diferentemente, determina a adoção de medidas que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos ali reconhecidos111.

Como bem destaca Flávia Piovesan, o processo de juridicização da Declaração começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos. Enquanto o PIDCP estabelece direitos endereçados aos indivíduos, o PIDESC cria obrigações para os Estados, de realização progressiva, cuja pauta estaria condicionada aos recursos disponíveis112.

O PIDCP teria como regra o exercício imediato dos direitos ali contidos, sendo excepcional aqueles que necessitariam de intermediação legislativa. Em sentido diverso, o PIDESC indicaria que os direitos ali previstos seriam de exercício progressivo, a depender do esforço interno e da assistência e colaboração internacionais, a fim de dotar o Estado de meios que possibilitem o cumprimento das suas disposições113.

A razão da divisão dos direitos humanos em dois pactos distintos adveio da polarização política das relações internacionais e da leitura ideológica que se fazia dos direitos humanos, indicativos do período de guerra fria que se delineava114. Mas, como afirma Fábio Konder Comparato115, trata-se apenas de uma medida artificial, vez que o conjunto é um sistema indivisível, pois o preâmbulo de ambos os Pactos (PIDCP e PIDESC) é idêntico.

110

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 229 e 243.

111

WEIS, ibidem; PIOVESAN, idem, p. 229. 112

Idem, p. 226, 242/243. 113

WEIS, ibidem, p. 56/57. 114

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde – parâmetros para sua efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 27.

115

Carlos Weis116 corrobora essa afirmação, ao referir que a tentativa de se partir os direitos humanos em duas categorias de importância distinta foi posta por terra menos de dois anos depois da adoção dos Pactos Internacionais, na Conferência de Teerã (1968)117, na qual se afirmou peremptoriamente a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Para o autor, as diferenças fundadas em razões processuais, quanto ao regime de aplicação diferenciado, não implicariam negar a sua unidade conceitual, sua interdependência e recíproco condicionamento.

De fato, como afirma Flávia Piovesan118, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais. Por outro lado, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação; não havendo, assim, mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social.

Mariana Filchtiner Figueiredo119 segue o raciocínio, ao afirmar que, se os diretos humanos formam um todo uno e indivisível, é lícito concluir que as medidas de concretização de uns, inevitavelmente repercutem na fruição plena do restante.

Visto o contexto histórico da universalização dos direitos humanos, no pós 2ª Guerra Mundial, e da criação dos subsequentes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, é preciso agora passar à análise das consequências para os direitos fundamentais da importação dessa ideologia para ordem constitucional brasileira: a teoria das normas constitucionais programáticas.

3.2 A PROGRAMATICIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS