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CAPÍTULO I – O Devir da concretização do direito à Educação e à Cultura

6. Decreto Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril

Este diploma, segundo o que vem explicitado no seu preâmbulo, pretende consolidar a autonomia das escolas e articular a sua prática com a do dever de prestação de contas decorrente do exercício sistemático da auto-avaliação. Enquanto reforça a participação das entidades da envolvente no órgão de direcção estratégica – o conselho geral –, procura erigir a figura de um primeiro responsável, um rosto a quem se possam assacar as responsabilidades pela prestação local do serviço público de educação. Neste sentido, o director, cujo provimento não depende directamente dos seus pares nem dos alunos nem dos encarregados de educação, vê os seus poderes reforçados em comparação com a figura singular ou colectiva da direcção executiva consagrada no diploma anterior.

Não se renuncia à matriz democrática e representada no órgão de direcção estratégica, antes se diversifica, mas o principal órgão de administração e gestão, de natureza unipessoal, não provém de colégio eleitoral alargado e os titulares dos outros órgãos são por ele designados – caso dos docentes do conselho pedagógico, cuja presidência compete ao director – ou os integram por inerência, como no caso do conselho administrativo.

Quadro 1.2

Administração e Gestão dos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas

Órgãos 1. Conselho Geral42 2. Director43 3. Conselho Pedagógico44

4. Conselho Administrativo45

Formosinho e Machado dizem-nos que

“O regime de autonomia administração e gestão das escolas consignado neste Decreto-lei n.º 75/2008, determina que a prestação de contas se faça sobretudo através de três momentos: o relatório anual de actividades, a conta de gerência e o relatório de auto-avaliação46”.

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Órgão de direcção estratégica da escola. Vid. Anexo II – Quadros 1.2.1., 1.2.2. e 1.2.3. composição, competências e regime de funcionamento (Dec. Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril nos artigos 12.º, 13.º e 17.º).

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É um órgão unipessoal que “Participa nas reuniões do conselho geral, sem direito a voto”, Vid. Anexo II – Quadro 1.2.4. competências do Director conforme o estipulado no (Dec. Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril, no art.º 12.º no n.º 7)

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Vid. Composição do Conselho Pedagógico no dec. lei n.º 75 … , nos art.os 32.º, 33.º e 34.º . 45

Vid. Composição do Conselho Administrativo no dec. lei n.º 75 … , nos art.os 37.º , 38.º e 39.º 46

Cap. I / O devir da concretização do direito à Educação e à Cultura

Pela auto-avaliação, a escola faz o diagnóstico que lhe permite delinear uma estratégia organizacional, sendo que a auto-avaliação se torna um documento estratégico da escola.

Este diploma, que mais não passa de uma saturação discursiva em torno da autonomia das escolas, sem a mínima tradução em políticas e práticas organizacionais e administrativas, conferiu à autonomia de uma categoria ausente do domínio da acção, condenada a uma condição de retórica, a ponto de entrar em crise de legitimidade de discurso. João Barroso

“apelidou-a de autonomia como “ficção”, não tanto no domínio das utopias alcançáveis ou, de qualquer forma, sempre possíveis de perseguição em termos de sucessivos aprofundamentos democráticos, mas, como “mistificação legal”.47

Exigindo-se aos processos democráticos de tomada de decisão a participação de sujeitos conscientes, livres e responsáveis, através da sua ingerência legítima (e não apenas da sua participação na gerência dos outros) a autonomia e a responsabilidade são, simultaneamente, condições necessárias às práticas democráticas e consequências resultantes de tais práticas – resultados alcançados através das contribuições da educação democrática e, simultaneamente, condições necessárias à prática dessa educação e democratização das escolas.

Este modelo implica as seguintes situações:

1. A participação das famílias e das comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino, ampliando os poderes do conselho geral pela participação na eleição do Director da escola/Agrupamento.

2. A liderança das escolas a cargo do director, órgão unipessoal, eleito pelo conselho geral e via procedimento concursal, presidente por inerência do Conselho Pedagógico e Conselho Administrativo das escolas, cabendo-lhe a designação das estruturas intermédias.

3. A autonomia das escolas, pelo menos de modo aparente.

Verifica-se, em nosso entender, uma postura e um controlo excessivamente regulamentadores da administração. O legislador deixa transparecer uma certa confiança nas escolas, a quem se concede o que alguns apelidam de autonomia sob suspeita. Essa

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BARROSO, João - Politicas Educativas e Organização Escolar. Lisboa: Universidade Aberta, 2005, p.50.

postura excessivamente regulamentadora é revelada não só na legislação, mas até na acção dos seus órgãos. A dádiva da autonomia é meramente aparente, dado que, do nosso ponto de vista, aparece mais controlo sob outras formas. Resta-nos questionar: “será que este clima é benéfico para as escolas?” Queremos aqui registar duas apreciações sobre o cariz deste decreto-lei que nos parecem revestidas de alguma importância.

João Barroso afirma que

“A intenção de reforçar a autonomia das escolas é claramente minimizada face às necessidades de regulamentar e blindar a sua gestão. Na verdade, o projecto de diploma agrava, neste aspecto, a excessiva formalização dos normativos sobre a gestão com clara desvalorização dos aspectos relativos à autonomia das escolas, já patente no decreto-lei n.º 115-A/98 (…) A retórica pobre da autonomia das escolas aparece assim como leitmotiv para o reforço dos instrumentos de controlo estatal da gestão naquilo que alguns autores designam por governação de mão de ferro em luva de veludo48”.

Natércio Afonso, por sua vez, assegura:

“Entendo como muito relevante a intenção de limitar o enquadramento ao mínimo indispensável, alargando a margem de auto-organização dos estabelecimentos, como forma de assegurar condições de efectiva capacidade de direcção e de gestão por parte dos respectivos órgãos. A formatação institucional excessiva da organização e gestão dos estabelecimentos, expressa na lei, na regulamentação administrativa e na prática da burocracia da administração educacional, tem constituído um factor poderoso de ineficácia, de ineficiência e de inibição da emergência de lideranças escolares de elevado potencial de inovação e criatividade49”.

Parece-nos importante referir outros aspectos em nosso entender polémicos como o cargo e as funções de director, o modo como ocorre a sua eleição e a participação dos municípios.

Assim, a propósito do cargo e funções do director, oferece-nos dizer o seguinte: A excessiva concentração de poderes na figura do director, órgão unipessoal e não

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BARROSO, João – Parecer do Projecto do Decreto Lei n.º 771/2007ME de 08 de Janeiro de 2008, Lisboa: Universidade de Lisboa.

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AFONSO, Natércio – Parecer do Projecto do Decreto Lei n.º 771/2007ME de 07 de Janeiro de 2008, Universidade de Lisboa.

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colegial, como anteriormente, confere-lhe meios necessários para gerir de forma muito autónoma, mas suscita o temor de que esses poderes não sejam utilizados da melhor forma. Coloca o director perante a tentação do poder autocrático, a que em nosso entender deve resistir, não desafiando aqueles que pretendem e querem que a escola seja uma manifestação de vivências democráticas onde se verificam múltiplas formas de participação que devem ser incentivadas valorizadas e melhoradas. Nesta óptica de ideias, João Barroso refere que

“O problema actual da gestão escolar é o de saber como é possível dispor de boas formas de coordenação da acção pública, sem que isso ponha em causa o funcionamento democrático das organizações. Neste sentido, o “director” de uma escola deve assegurar, no quadro de uma gestão participada, a mediação entre lógicas e interesses diferentes (pais, professores, alunos, grupos sociais, interesses económicos, etc.), tendo em vista a obtenção de um acordo ou compromisso quanto à natureza e organização do “bem comum” educativo que a escola deve garantir aos seus alunos. Isto significa que ele deve possuir, não só, competências no domínio da educação, da pedagogia e da gestão, mas também capacidade de liderança e sentido de serviço público, necessárias ao exercício da dimensão político-social da sua função.” (...)

“A existência de um órgão de gestão unipessoal ou colegial não é, em si mesma, uma questão fundamental para a garantia da democraticidade, qualidade e eficácia do exercício das funções de gestão de topo de uma organização. A operacionalidade de um ou outro “modelo” depende de um conjunto diversificado de factores contextuais que tornam descabida uma discussão em abstracto sobre as suas virtualidades. Acresce ainda que a existência formal de um “órgão colegial” nunca impediu a emergência de lideranças individuais e permitiu, em alguns casos, reforçar a emergência de lideranças colectivas. Neste sentido, a solução adoptada no Decreto-Lei n.º 115- A/98 de remeter a decisão sobre as duas modalidades (unipessoal ou colegial) para o regulamento de cada escola parecia-me ajustada. É de reconhecer, contudo, que o facto de a quase totalidade das escolas ter optado pela solução “colegial” leva a pressupor que isso resultou, em muitos casos, de reflexos corporativos ou de um deficiente debate na Assembleia e não necessariamente da preocupação de encontrar a solução mais adequada para melhorar o funcionamento da escola. Para obstar ou reduzir estes “efeitos perversos” seria necessário criar condições para qualificar o processo de decisão das assembleias, podendo admitir-se que o ordenamento jurídico determinasse a existência de um “órgão unipessoal”, desde que não impedisse, em sede de “contrato de autonomia”, o recurso à “opção colegial”, devidamente

fundamentada. O manter esta possibilidade, para além de ser coerente com o reconhecimento de uma autonomia efectiva no domínio organizacional, permitiria desfazer qualquer equívoco quanto a uma eventual intenção de reforço do centralismo e autoritarismo da gestão que os argumentos utilizados no preâmbulo para defender o “director” (como órgão unipessoal) claramente induzem50.”

No que diz respeito à eleição do director, dado que a liderança constitui, a nosso ver, um factor decisivo das escolas, temos de analisar como se escolhem e como se formam os dirigentes das escolas. O facto de figurar no seu curriculum vitae que já foi dirigente pode constituir condição suficiente para ser alvo de eleição e para o exercício do cargo?

No que diz respeito ao procedimento concursal desencadeado pelo conselho geral, será que este se reveste de transparência, ou será uma mera “arena política51”, onde aqueles que melhores influências conseguirem reunir, é que serão os vencedores, (eleitos)? Esta fraca transparência no processo enfraquece a autoridade e legitimidade do cargo.

Natércio Afonso entende que

“No que respeita ao recrutamento do director, o dispositivo adoptado prevê um procedimento concursal desencadeado pelo Conselho Geral a que se segue um procedimento eleitoral. Sou de parecer que a solução adoptada é geradora de ambiguidades e equívocos, em nada favorece a necessária transparência do processo de selecção e tende a enfraquecer a autoridade e legitimidade do cargo. No limite, o procedimento concursal, onde não há lugar a reclamação, pode ser transformado numa formalidade irrelevante, repondo-se assim, por essa via, a lógica tradicional da eleição entre pares. (...) Ainda sobre o procedimento concursal e no sentido de reforçar a dimensão profissional da função de direcção, e por essa via a sua autonomia, considero que, nas condições de qualificação seja identificada a habilitação específica (Artigo 21º 4. a) como uma condição necessária para a oposição ao procedimento

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BARROSO, João – Parecer do Projecto do Decreto Lei n.º 771/2007ME de 08 de Janeiro de 2008, Lisboa: Universidade de Lisboa.

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Vid COSTA, Jorge Adelino - Imagens Organizacionais. Porto: Edições ASA, 1996. p. 73, “A escola como Arena Política, os interesses (de origem individual ou grupal) situam-se quer no interior da própria escola, quer no exterior e influenciam toda a actividade organizacional; a vida escolar desenrola-se com base na conflitualidade de interesses e na consequente luta pelo poder; os estabelecimentos de ensino são compostos por uma pluralidade e heterogeneidade de indivíduos e de grupos que dispõem de objectivos próprios, poderes e influências diversas e posicionamentos hierárquicos diferenciados… .”

Cap. I / O devir da concretização do direito à Educação e à Cultura

concursal, e que as condições de experiência profissional, referidas nas alíneas b) e c), sejam entendidas como elementos a considerar na avaliação do curriculum vitae de cada candidato, nomeadamente nas situações, a considerar explicitamente como excepcionais, em que nenhum dos candidatos seja portador de habilitação específica52.”

João Barroso diz-nos que

“Reconhece-se como muito positiva a existência de um artigo específico (artigo 28º -1) sobre o direito de o director e os adjuntos terem acesso à formação específica para as suas funções, em termos a regulamentar por despacho do membro do governo respectivo. Contudo, sabendo-se que esta mesma disposição estava igualmente prevista no Decreto-Lei n.º 115-A/98 (onde era referido que ela devia “assumir um carácter prioritário”) e que, dez anos depois, tão pouco se fez nesta matéria, seria de esperar maior precisão53.”

Quanto à participação dos Municípios54, Natércio Afonso55 afirma que

“Quanto à representação das autarquias locais no Conselho Geral, a solução proposta no diploma retoma a situação actualmente em vigor, a qual considero ser fonte de ambiguidades e de resistências quanto a um envolvimento eficaz dos municípios na administração da educação. De facto, a lógica da constituição do Conselho Geral pressupõe a valorização da participação da sociedade civil (nas dimensões parental e comunitária56) na gestão local da educação, num quadro de fomento do controlo social da educação e de prestação de contas por parte das autoridades públicas responsáveis pela prestação do serviço. Num processo político de crescente envolvimento autárquico na administração da educação, pela via da transferência de competências da administração central, os municípios são já responsáveis directos pela provisão de algumas dimensões do serviço público de educação. Nestas circunstâncias, não parece adequado que se insista numa representação autárquica no Conselho Geral. Tal representação tem sido fonte de equívocos, pois atribui implicitamente ao município o estatuto de uma entidade da sociedade civil, obscurecendo o seu papel como entidade pública envolvida na provisão do serviço de educação. Assim, considero desadequada a previsão da manutenção da

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AFONSO, Natércio – Parecer do Projecto do Decreto Lei n.º 771/2007ME de 07 de Janeiro de 2008, Universidade de Lisboa.

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BARROSO, João – Parecer de 08 de Janeiro de 2008, … . 54

Normalmente são designados 3 representantes da autarquia, para integrar o Conselho Geral, apresentados pelo órgão camarário, embora em alguns casos tenha apenas 2 representantes, de acordo com a decisão do Conselho Geral.

55

AFONSO, Natércio – Parecer de 07 de Janeiro de 2008 … . 56

É decidido no Conselho Geral qual o número de entidades a cooptar e quais as que irão integrar o Conselho Geral, sendo normalmente três, embora em alguns casos se possa decidir por duas.

representação autárquica neste órgão, devendo ser eliminada. Sou de parecer que o envolvimento dos municípios57 na provisão local da educação se deve concretizar preferencialmente pela via da transferência de competências da administração central, e que a relação de cada estabelecimento com o respectivo município58 se deve canalizar pela via da representação, por exemplo, através do Presidente do Conselho Geral, no Conselho Municipal de Educação59.”

57

Vid. Dec. Lei n.º 144/2008, de 28 de Julho que consagra a transferência efectiva de competências para os órgãos dos municípios em matéria de Pré-escolar e Ensino Básico.

58

Note-se já havia sido criado o Conselho Local de Educação de acordo com a alínea b) do n.º 2, do art.º 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro passando a designar-se Conselho Municipal de Educação; o mesmo passou-se relativamente à criação da Carta Escolar, identificada na alínea a) do n.º2, do art.º 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, passou a designar-se de Carta Educativa.

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“O Conselho Municipal da Educação (CME) é uma instância de coordenação e consulta, que tem por objectivo a intervenção no âmbito do sistema educativo, dos agentes educativos e dos parceiros sociais e propondo as acções consideradas adequadas à promoção de maiores padrões de eficiência e eficácia do mesmo”. Vid Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, objectivo, competências, composição, constituição e funcionamento do CME no capítulo II, dos art.os 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º, alterada posteriormente pela Lei n.º 41/2003, de 22 de Agosto, que regulamenta os Conselhos Municipais da Educação e aprova o processo de elaboração da Carta Educativa, transferindo competências para as autarquias locais.

Cap.II / Processos Comunicacionais

Capítulo II

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