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3. M ÉTODO

3.4. Definição das categorias de análise

Por estar navegando em novos mares, contei com uma dose de intuição para propor algumas relações entre as temáticas. Posto isso, vamos aos quadros e figuras que representam os elementos constitutivos das categorias de análise: tipos de comunidades sustentáveis, razão, tensão, processos organizacionais e significados da tensão, bem como a articulação destes elementos no quadro de análise propriamente dito.

3.4.1. Categoria de análise: comunidades sustentáveis

As ecovilas e outras comunidades intencionais sustentáveis podem ser classificadas de acordo com seus objetivos e imagens associadas a elas:

a) Comunidades autossuficientes: têm seu foco na sobrevivência através do resgate de um passado de harmonia com a natureza. Geralmente enxergam a si mesmas como botes salva-vidas ou arcas e advogam pelo crescimento econômico zero;

b) Iniciativas de participação comunitária: buscam se adequar às mudanças através da resiliência, visando essencialmente à manutenção do estilo de vida atual. Costumam adotar o crescimento econômico sustentável;

c) Comunidades verdes pioneiras: orientadas para a transformação e a adaptabilidade em direção a uma realidade futura, realizam experimentos de estilos de vida, tecnologias e sistemas socioeconômicos alternativos. Costumam adotar como princípios algo similar ao ecodesenvolvimento.

3.4.2. Categoria de análise: tensão entre racionalidades A tensão é inerente à existência humana e determinante para o caráter “in-between” da vida da razão.

Os polos da tensão inerente à existência humana são caracterizados de múltiplas maneiras, de acordo com o contexto. Na tensão clássica resgatada por Voegelin (1974), os polos são o humano e o divino, a vida e a morte, a perfeição e a imperfeição, a ignorância e o conhecimento, a sobrevivência e o significado da existência.

No âmbito da sociedade a tensão é percebida entre os sistemas planejados e a pessoa humana, enquanto microssocialmente ela é reproduzida na dicotomia organização/indivíduo (GUERREIRO RAMOS, 1981; VOEGELIN, 1974).

No contexto das ecovilas, a tensão ocorre entre individualização e coletivização, fechamento ou abertura, centralização da decisão ou

consenso, hierarquia ou holarquia, e finalmente, entre racionalidade instrumental e racionalidade substamtiva.

O conflito entre indivíduo e sociedade é permanente e só pode ser eliminado pela morte do sujeito ou sua exagerada adaptação às condições sociais exteriores.

A categoria tensão tem como componentes os elementos apresentados no Quadro 9.

Quadro 9 – Elementos constitutivos da tensão na gestão de ecovilas A existência humana acontece em uma área intermediária da realidade.

A tensão determina o caráter “in-between” da existência. Polos da tensão inerente à existência humana Tensão Clássica Humano Divino Vida Morte Imperfeição Perfeição Ignorância Conhecimento

Sobrevivência Significado da existência Tensão

Contemporânea

Sociedade, Pessoa

Organização produtiva Indivíduo Racionalidade instrumental Racionalidade substantiva Tensão na

gestão de ecovilas

Fechamento Abertura

Individualização Coletivização Centralização da decisão Consenso

Hierarquia Holarquia

Racionalidade instrumental Racionalidade substantiva O conflito entre o indivíduo e a sociedade é permanente. Só pode ser

eliminado pela morte do ser humano ou por exagerada adaptação às condições sociais exteriores.

Qualquer tentativa de hipóstase em um dos polos gera alienação. Fonte: o autor, com base em Guerreiro Ramos (1981, 1983), Voegelin (1974), Bang (2005), Christian (2003, 2007), Kasper (2008), Rios (2011), Sanchez- Costa (2003) e Butler e Rothstein (2009).

3.4.3. Categoria de análise: processos organizacionais

O rearranjo dos processos organizacionais no contexto das ecovilas é possível devido ao alto grau de complementaridade entre o campo de estudos da racionalidade substantiva na prática administrativa (SERVA, 1996) e as principais categorias e dimensões organizacionais das comunidades intencionais sustentáveis (GILMAN, 1991; EDUCAÇÃO GAIA, 2005; CHRISTIAN, 2003, 2007; KASPER, 2008; MULDER, COSTANZA E ERICKSON, 2006).

Na gestão de ecovilas os processos organizacionais não ocorrem de maneira linear nem sequencial, mas sobrepõem-se e seguem-se uns aos outros sucessivamente, retroalimentando-se e provocando alterações sistêmicas. O Quadro 10 apresenta a reformulação dos processos organizacionais de forma esquemática.

Quadro 10 – Tensão entre racionalidades na gestão de ecovilas Dimensão Processos organizacionais Razão instrumental Modelo de governança - Valores e objetivos - Hierarquia e liderança - Divisão do trabalho - Normas e controle Tensão Comunicação e Relações interpessoais - Tomada de decisão - Gestão de conflitos - Espaços de interação social - Relações ambientais - Ação social Razão substantiva Simbólica - “Cola” - Visão de mundo

- Reflexão sobre a organização - Satisfação individual - Estilo de vida

Fonte: o autor, com base em Voegelin (1974), Guerreiro Ramos (1981, 1983), Serva (1996), Caitano (2010), Andrade (2010), Christian (2003, 2007) Gilman (1991), Educação Gaia (2005), Dawson (2010), Kasper (2008) e Mulder, Costanza e Erickson (2006).

É possível estabelecer uma relação entre os processos organizacionais de uma comunidade intencional e a tensão entre racionalidade instrumental e racionalidade substantiva. Na gestão de ecovilas, os processos não ocorrem de maneira linear nem sequencial, mas sobrepõem-se e seguem-se uns aos outros sucessivamente, retroalimentando-se e provocando alterações sistêmicas. Esses processos são definidos da seguinte maneira:

I) Dimensão simbólica: ressignificação, imagens e conteúdos simbólicos. Imersa nas profundezas da psique humana, está permeada de razão substantiva. É manifestada pela ética pessoal, nos estilo de vida, reflexão sobre a organização, visão de mundo e a “cola”.

II) Comunicação e relações interpessoais: tomada de decisão, gestão de conflitos, relações ambientais sustentáveis, ação

social transformadora, espaços de comunicação como encontros regulares, rituais, celebrações e encontros não planejados; meio de interação que permite equilibrar as aspirações, os valores e a autorrealização com a normatividade autoimposta pelo modelo de gestão adotado; ambiente político onde a tensão está mais propensa a se manifestar.

III) Modelo de governança: palco do comportamento racional instrumental, constitui-se na camada explicitamente demonstrada e expressa em valores, hierarquia e liderança, divisão do trabalho, normas e controle; regida pela razão instrumental.

3.4.5. Quadro de análise

Dentre os processos organizacionais apresentados, essa pesquisa estará focada principalmente no processo de comunicação e relações interpessoais, por ser esse o palco onde se manifesta a tensão entre racionalidade instrumental e substantiva, mas abordará também diversas interfaces com outros processos.

Conforme apresentado n quadro de análise utilizado nesta pesquisa (Quadro 11) o processo de comunicação e relações interpessoais foi dividido em três rubricas que o compõem: tomada de decisão e gestão de conflitos, espaços de interação social, e relações ambientais e ação social.

Quadro 11 – Quadro de análise da tensão na gestão de ecovilas Comunicação e Relações

Interpessoais Polos da tensão Tomada de decisão e

Gestão de conflitos

Centralização da

decisão Consenso

Espaços de interação social

Organização produtiva Coletivização Pessoa Individualização Relações ambientais e Ação social Fechamento Voltada para o interior Abertura para o mundo exterior Fonte: o autor.

As categorias de análise foram delimitadas de acordo com os principais símbolos linguísticos que viemos apresentando até então para expressar a experiência da vida da razão e da tensão inerente à existência humana.

Os polos da tensão entre racionalidade instrumental e substantiva foram extraídos das referências do campo de estudos da gestão de ecovilas e da revisão do campo de estudos da racionalidade na prática administrativa.

Agora que as categorias e o quadro de análise já foram expostos, o próximo passo é definir os momentos da pesquisa etnográfica.