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3. M ÉTODO

3.5. Momentos da pesquisa

Serva e Andion (2006) indicam quatro momentos que consideram fundamentais na elaboração científica baseada na etnografia: concepção do campo temático de estudo, realização do trabalho de campo, análise dos dados e elaboração do texto.

Os autores, no entanto, enfatizam que estes momentos são considerados singulares, conquanto o etnógrafo lida também com o dia- a-dia, o vivido, as regularidades, que remetem ao universal, ao coletivo, à totalidade social. Cada uma dessas vivências possibilita a construção da estratégia etnográfica, na qual tanto os pontos de vista do pesquisador quanto do sujeito são constantemente questionados.

3.5.1. Concepção do campo temático de estudo

No primeiro momento, da concepção do campo temático de estudo, o pesquisador deve ter um embasamento teórico fortalecido na área de conhecimento, sendo importante considerar também o cenário em que a questão se desenvolve: atores sociais, enredos, crenças, ritos, bem como aspectos históricos, e a experiência do investigador no campo de investigação.

Neste momento é que ocorre, portanto, a contextualização (SERVA; ANDION, 2005). Em consonância, Bronislaw Malinowski, fundador da antropologia social, afirma que:

O pesquisador de campo depende inteiramente da inspiração que lhe oferecem os estudos teóricos. (...) Conhecer bem a teoria e estar a par de suas últimas descobertas não significa estar sobrecarregado de ideias pré-concebidas. (...) As ideias preconcebidas são perniciosas a qualquer estudo científico; a capacidade de levantar problemas, no entanto, constitui uma das maiores virtudes do cientista – esses problemas são revelados ao observador através de seus estudos teóricos (apud SERVA; ANDION, 2006, p.157).

Neste momento de concepção do campo temático de estudo foram revisados autores da Teoria das Organizações, buscando uma

contextualização macrossocial para o estudo criterioso do objeto de estudo. Esta revisão foi concentrada especialmente na “abordagem substantiva das organizações” proposta por Alberto Guerreiro Ramos (1981), com complementação de Maurício Serva (1996) e Eric Voegelin (1974).

3.5.2. Realização do trabalho de campo

O segundo momento, da coleta de dados, é marcado pela proposta de transcendência do ato de ver. Ou seja, o pesquisador deve olhar, buscando significações, variações e sentidos atribuídos pelos atores, captando assim o ponto de vista dos membros do grupo estudado, enquanto considera as suas próprias implicações no processo de pesquisa.

Assim, sujeito e objeto não representam, na pesquisa etnográfica, polos opostos e neutros, mas complementares e ativos na construção da pesquisa. O pesquisador deve ser capaz de olhar as coisas em profundidade e não apenas ver o que salta aos olhos (SERVA; ANDION, 2006).

Uma das formas de se praticar este “olhar” é por meio da observação participante, pois segundo Serva e Jaime Junior (1995), esta possibilita a ampliação de compreensão dos processos organizacionais, já que o acesso aos dados e situações é direto, podendo verificar os membros das organizações em ação. Neste momento cabe destacar ainda, segundo Serva e Andion (2006), a necessidade da elaboração sistemática do diário de campo.

A observação participante tem como pré-requisito a presença constante do observador no campo, convivendo com os informantes no seu ambiente natural durante algum tempo. A interação social produzida ocasiona modificações no contexto observado, ao mesmo tempo em que torna o observador receptáculo de influências do contexto.

É importante ressaltar que a observação participante exige, além de uma postura etnográfica do pesquisador, a participação no fluxo de trabalho da organização como um de seus membros. Desta forma, a observação participante foi realizada no período entre maio e setembro de 2011.

Como forma complementar à observação participante, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com diversos membros da ecovila durante o mesmo período da observação participante (vide APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA). As entrevistas foram orientadas pela postura etnográfica. O entrevistado

recebe a denominação de informante e atua como intérprete de sua cultura para o entrevistador (SPRADLEY, 1979).

A análise de documentos, imagens e componentes audiovisuais foi utilizada como método auxiliar, para permitir conhecer melhor a história da organização, através da reconstituição de fatos passados. Foram analisados documentos tais como folders de divulgação, projetos escritos materiais de divulgação, site na web, entre outros.

3.5.3. Análise dos dados coletados

O objetivo da análise e interpretação dos dados coletados é compreender os valores e crenças subjacentes às ações dos sujeitos. A sistematização dos dados deve ser iniciada concomitantemente à coleta, pois assim o pesquisador pode determinar quais membros do grupo poderão desempenhar papel de informantes-chave, além de permitir identificar lacunas e contradições nos dados já obtidos e ter a possibilidade de preencher as brechas ou esclarecer as incongruências em novas entrevistas ou observações diretas. Dispomos, assim, de mais tempo para classificar e analisar a grande quantidade de dados brutos que geralmente são conseguidos através do método etnográfico.

Este processo envolve uma constante reflexão sobre as falas dos informantes, suas ações e as consistências e inconsistências entre aquilo que dizem e suas atitudes no contexto em que aconteceram. Malinowski (1998) recomenda que a análise preliminar de dados coletados deva ser realizada diariamente, pois muitas vezes um problema que parecia resolvido aponta na direção de novos problemas que exigem nova coleta de dados.

A sistematização dos dados obtidos será realizada em três etapas: redução dos dados, análise e interpretação. A etapa de redução dos dados consiste na seleção e simplificação das informações, além do descarte de dados desnecessários e análises preliminares. Serão assinaladas as fontes da informação, explicitando claramente quais dados foram obtidos através de observação direta, quais dados foram obtidos por intermédio de depoimentos e quais foram retirados de documentos e outras fontes. (DEWALT; DEWALT, 2002; MALINOWSKI, 1998).

O processo de análise começa após a redução do material bruto e serve para que identifiquemos padrões, categorias e unidades descritivas para chegar a uma visão geral do caso. Nesta fase, Malinowski (1998) propõe que o pesquisador elabore esquemas, quadros sinóticos, árvores genealógicas, mapas e diagramas que agrupam, de maneira visual,

conjuntos de dados e permitem uma reconstituição da totalidade vivenciada no campo.

Já a fase de interpretação envolve conferir significado e significância à análise, explicando os padrões descritivos e procurando por relações e interligações entre as dimensões estudadas. Encerrada esta etapa, passaremos a fase de redação do texto (GENZUK, 2003).

3.5.4. Elaboração do texto

O texto que apresenta os dados coletados, analisados e sistematizados será elaborado de acordo com Laplatine (apud SERVA; ANDION, 2006), que considera que a postura etnográfica pressupõe tanto a narração quanto a descrição. Enquanto a narração mobiliza o imaginário do narrador e do leitor, a descrição é mais didática e analítica. Neste sentido, o texto elaborado através de estratégia etnográfica deve conter não só a descrição do real tal qual é percebido pelo pesquisador, como também a representação desse real, ressaltando a sua subjetividade. No processo etnográfico, o texto é produto do processo de construção do conhecimento científico.

Com relação ao estilo de escrita empregado na elaboração do texto, buscaremos inspiração em Serva (1996) que procurou evidenciar os dados que sustentam sua pesquisa com reproduções das situações vivenciadas, das falas dos atores em seus termos originais, dos casos passados contados pelos atores, constituindo assim um estilo diferente dos textos herméticos e técnicos geralmente utilizados na teoria das organizações. Isso será realizado em concordância com a estratégia etnográfica de pesquisa, que utiliza largamente recursos como a inserção de trechos de falas dos observados (SERVA; ANDION, 2006).