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3. M ÉTODO

3.6. Limitações da pesquisa

É óbvio que, em razão de seu caráter transsocial, o conteúdo de saltos existenciais só pode ser articulado através de uma linguagem simbólica. Pode-se argumentar que o domínio da experiência simbólica é estranho à teoria organizacional, mas sustento que qualquer teoria organizacional que faça abstração da experiência simbólica deixa de desempenhar seu papel humanístico. A teoria organizacional verdadeiramente humanística tem que estar criticamente consciente de que os modelos sociais do homem são sempre categorias de conveniência. Mas a conveniência não é a única preocupação do conhecimento organizacional; este deve ter sensibilidade

para aquilo que, no ser humano, não pode ser reduzido a termos sociais, de modo a impedir a fluidez da psique humana e sua deformação como simples espécime de episódica vida empresarial. Deve ser capaz de ajudar o indivíduo a manter um sadio equilíbrio entre as exigências exteriores de sua condição corporativa e sua vida interior (GUERREIRO RAMOS, 1981, p.171, grifo nosso).

Dentre os fatores de limitação do trabalho, é preciso primeiramente levar em conta o curto tempo disponível para sua realização. Infelizmente, o padrão de duração de cursos de mestrado no país foi reduzido drasticamente nas últimas duas décadas. Hoje, o mestrado deve ser concluído idealmente em até dois anos, período extremamente curto para comportar uma pesquisa complexa e densa como a que a estratégia etnográfica e a observação participante prescindem. Por conta disso, por exemplo, tive que me limitar a analisar apenas o processo de comunicação e relações interpessoais, quando teria sido bem mais condizente com o objeto de estudo realizar uma pesquisa que incluísse a gestão como um todo.

O presente trabalho também foi limitado a apenas uma forma de interação entre as racionalidades substantiva e instrumental, a tensão. Com isso, fui incapaz de sistematizar outras influências mútuas que as formas de condutas racionais podem provocar uma sobre a outra.

Falando especificamente sobre a pesquisa qualitativa, essa tem a vantagem de oferecer uma posição privilegiada na observação dos fenômenos que o pesquisador deseja estudar, pois sua condição de participante do grupo permite que ele tenha acesso direto aos dados que deseja coletar, sem intermediários que possam trazer viés à coleta. No entanto, esta vantagem pode se constituir também uma desvantagem, dado que a responsabilidade da pesquisa recai sobre o observador, representando extrema subjetividade (SERVA, 1996).

A gestão da ecovila Itapeba é, sem dúvida alguma, um campo fértil para a análise da tensão entre racionalidades na sua prática administrativa. Pude presenciar diversos momentos onde se exacerbavam os conflitos e emergia a tensão. No entanto, era justamente nesses momentos que a desconfiança, a incerteza e a insegurança dos membros da ecovila se intensificavam, ofuscando características que, em situações não conflituosas, fazem de Itapeba uma organização única, como a comunicação autêntica, a abertura e franqueza nas falas dos atores e relações interpessoais próximas e intensas.

Por conta disso, foi extremamente difícil, especialmente na fase de entrevistas semiestruturadas, captar no discurso dos atores elementos da tensão entre racionalidades na prática administrativa, sua manifestação nos processos organizacionais ou a maneira como os gestores dão significado a essa tensão.

Em função disso, a observação participante desempenhou um papel essencial na coleta de dados e análise dos mesmos. Encontrei em Itapeba um verdadeiro embate entre diferentes visões de mundo, propostas de estilos de vida e de lógicas que embasam as ações coletivas dos diferentes grupos que compõem esse rico universo.

Houve ocasiões em que os diferentes grupos pareciam querer me cooptar para aderir à sua perspectiva e consequente significação dos acontecimentos. Para conseguir realizar meu trabalho, permaneci engajado num esforço constante para preservar minha condição de observador participante, sem me deixar levar pelas perspectivas de um grupo ou de outro.

Impressionou-me a franqueza com que todos pareciam falar, tendo em vista a presença de um observador externo. Em todas os encontros e reuniões que estive presente, eu perguntava se poderia gravar as conversas e ninguém nunca se opunha. Em diversas ocasiões formais e informais, perguntei aos moradores se eles gostariam que eu ocultasse o nome da ecovila e, em nenhum momento, alguém se manifestou a esse respeito.

A opção por ocultar o nome da ecovila foi minha, no momento da análise, para poupar os membros da comunidade da superexposição e me sentir mais à vontade para tecer críticas e análises sistemáticas sem correr o risco de ofender ninguém nem causar danos à imagem da comunidade.

Ao longo de todo o processo de observação, fui tomado por diversos sentimentos e reações emocionais que ameaçavam minha capacidade de análise da situação que eu estava vivenciando. Sem dúvida, conseguir me desapegar dos sentimentos conflitantes suscitados pelos acontecimentos que vivi em Itapeba foi o maior desafio que enfrentei como pesquisador.

No momento da análise, me vi compelido a superar esses sentimentos contraditórios que influenciavam minhas interpretações do objeto de estudo, para ser capaz de submeter os dados obtidos em campo a uma avaliação sistemática.

Em busca de reduzir as incertezas e evitar que a perspectiva dos moradores da ecovila influenciassem minhas interpretações, priorizei

meu diário de campo como fonte principal, utilizando as entrevistas e falas dos atores apenas para ilustrar alguns pontos da narrativa. Sobre esse aspecto, as rubricas adicionais imprevistos e sentimentos do pesquisador propostas por Serva (1996) foram essenciais para que pudesse me desvencilhar do objeto de estudo e procedesse a uma análise científica do campo, contribuindo para minha autopercepção enquanto participante da ação.

Conforme Serva (1996) percebeu, o observador participante utiliza a si próprio como mais um instrumento para a coleta de dados. Assim, nada mais necessário e salutar do que registrar as suas reações interiores, pois elas são valiosíssimas na fase de análise dos dados. Tais registros serviram de referencial para que eu pudesse avaliar meu envolvimento emotivo e relacional com os observados, criando condições para contrabalançar e bem dosar a subjetividade da qual a metodologia da observação participante é tributária.

Concluída a discussão sobre o método, passarei agora à apresentação e análise dos dados. Inicio com uma breve apresentação das principais características organizacionais de Itapeba. Relato então os principais acontecimentos observados (e vivenciados) por mim desde as boas vindas da comunidade até o encerramento da observação participante, para assim proceder à análise do que foi percebido, com base no método e no referencial teórico-empírico já apresentado.