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Definição do conceito de norma jurídica

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 41-44)

CAPÍTULO II – SISTEMAS DO DIREITO POSITIVO E DA CIÊNCIA DO

2.5. Definição do conceito de norma jurídica

Conforme visto, o direito positivo é um conjunto de normas jurídicas válidas em um território em dado momento histórico. Mas qual é a definição do conceito de norma jurídica? Norma jurídica é o texto normativo, o enunciado prescritivo dos textos normativos ou a significação construída a partir dos enunciados prescritivos dos textos normativos?

BARROS CARVALHO diferencia essas três categorias (texto normativo, enunciado prescritivo e norma jurídica) ao tratar do percurso gerador de sentido. Nesse “percurso”, o intérprete transita por quatro subsistemas (S1, S2, S3 e S4), nos quais o sujeito

estabelece contato com as categorias mencionadas até a compreensão do sentido das normas jurídicas de forma sistêmica42.

42 CARVALHO. Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3. ed. São Paulo:

Considerando o percurso gerador, a construção do sentido das normas jurídicas inicia-se com o contato do intérprete com o plano das expressões, ou seja, o suporte físico dos textos de lei. É o chamado subsistema S1.

Em seguida, o intérprete transita para o subsistema S2, que é o plano dos

enunciados prescritivos. Os enunciados prescritivos são o produto das enunciações, ou seja, são frases dotadas de sentido, construídas de acordo com as regras idiomáticas, mas que não possuem estrutura lógico-condicional. No subsistema S2, o sujeito tem contato com os

enunciados de forma isolada.

Após o contato com o subsistema S2, o intérprete passa a compor unidades

lógicas ao unir enunciados prescritivos através do operador da implicação “→”. Alguns enunciados ocuparão a posição do antecedente e outros do conseqüente. As significações lógicas construídas a partir dos enunciados prescritivos pertencem ao subsistema S3, que é

o plano do conteúdo ou plano das normas jurídicas.

As normas jurídicas são, portanto, juízos lógico-sintáticos de significação. O antecedente é a parte da norma jurídica que enuncia “dado um fato F” e o conseqüente é a que prescreve a relação jurídica S’RS’’. O operador lógico que liga o antecedente ao conseqüente da norma jurídica é a implicação “→”. Em termos simbólicos, a estrutura lógica da norma jurídica pode ser assim representada: D [(f → S’RS’’)], que se interpreta: dado o fato f, então deve ser a relação jurídica R entre os sujeitos S’ e S’’43.

O antecedente da norma descreve um fato de possível ocorrência no mundo enquanto o conseqüente prescreve a relação jurídica modalizada como obrigatória, permitida ou proibida entre dois sujeitos de direito. A seleção do fato no antecedente e da relação jurídica no conseqüente é uma questão extralógica, ou seja, é feita pelo legislador por atos de valoração que devem corresponder aos valores albergados na Constituição Federal.

43 S’ e S’’ são os sujeitos de direito e R é o relacional deôntico que aparece em um dos três modais deônticos:

proibido (V), permitido (P) ou obrigatório (O). O dever ser é o functor que incide sobre a relação de implicação.

Até aqui, o intérprete percorreu três subsistemas: S1 – subsistema do suporte

físico dos enunciados prescritivos; S2 – subsistema de significações dos enunciados

prescritivos de forma isolada e S3 – subsistema das normas jurídicas, como unidades

portadoras de sentido deôntico, construídas a partir das significações dos enunciados prescritivos ligados pelo operador da implicação.

Entretanto, as normas jurídicas não ficam “soltas”. O subsistema S4 é o

subsistema das normas jurídicas dentro de um contexto de coordenação e subordinação, compondo um sistema de regras jurídicas, onde norma de hierarquia superior é fundamento de validade de norma de inferior hierarquia.

Diante do exposto, a norma jurídica não se confunde com o texto normativo, tampouco com os enunciados prescritivos. A norma jurídica é uma estrutura lógico- sintática de significação deôntica construída a partir de enunciados prescritivos por atos de interpretação. O percurso gerativo de sentido, portanto, é uma trajetória de interpretação para construção do sentido das normas jurídicas, tendo em vista que o texto de lei se apresenta para o sujeito como um dado bruto, carente de sentido per si.

Ou seja, os enunciados prescritivos constitutivos dos textos normativos (suporte físico - S1) não interferem nas relações intersubjetivas para modalizar condutas, embora

tais enunciados façam parte do sistema de direito positivo. Somente as normas jurídicas regulam condutas. Entretanto, para se construir o sentido e alcance da norma jurídica, invariavelmente o sujeito terá que passar por S2, que é o subsistema de significações dos

enunciados prescritivos.

RICCARDO GUASTINI44 salienta que o uso do termo “norma” como enunciado legislativo (o que este trabalho denomina enunciado prescritivo) e como significado desse enunciado resultado de sua interpretação deve ser distinto, pois são objetos diferentes:

44 GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo: Estudios de teoría y metateoría del derecho. Barcelona: Gedisa,

“Cuando se habla de interpretación de normas, el vocablo norma designa um enunciado del discurso legislativo, ya que la interpretación es una actividad que se realiza sobre los textos. En cambio, cuando se habla de aplicación de normas, el mismo vocablo norma se refiere al contenido de significado de un enunciado legislativo determinado precisamente mediante interpretación, desde el momento en que ningún texto normativo puede ser aplicado sino después de haberblo interpretado”.

É função do intérprete construir o sentido das normas jurídicas, pois o que o texto normativo apresenta a priori é um emaranhado de enunciados prescritivos, ou seja, frases dotadas de sentido segundo as regras do idioma, mas destituídas de caráter lógico- deôntico. As significações dos enunciados prescritivos são produto de atos de interpretação e quem atribui sentido ao texto é o intérprete por meio da linguagem. Portanto, linguagem, interpretação e construção de sentido são indissociáveis, pois antes da interpretação não há sentido nem norma jurídica.

Nesse sentido, BARROS CARVALHO45 salienta que “tudo isso, porém, não nos impede de declarar que conhecer o direito é, em última análise, compreendê-lo, interpretá-lo, construindo o conteúdo, sentido e alcance da comunicação legislada”.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 41-44)