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CAPÍTULO II: QUALIDADE DE VIDA

3.2. Definição de Depressão

Fonseca (1988) defende que a depressão, conhecida classicamente pela designação de «melancolia», constitui uma das formas clínicas psiquiátricas mais comuns e a de mais larga difusão em todos os povos e etnias. O termo depressão pretende significar, num sentido genérico, a inibição ou lentificação de uma ou várias funções psicofisiológicas, como, por exemplo, a função alimentar (anorexia), a função sexual (impotência), a função locomotora e outras actividades psicofísicas (Fonseca, 1988).

De acordo com o autor, no sentido psiquiátrico propriamente dito, a depressão significa perda ou abaixamento da iniciativa e da capacidade vital, instalando-se no

individuo um certo grau de desespero, que assenta sobre um sentimento (aparente ou oculto) de culpabilidade e que lhe faz perder o prazer de usufruir a própria vida. Os termos mais adequados para exprimir esse sentimento são, na língua portuguesa, os de

abatimento ou de infelicidade, já que o principal sintoma da chamada «depressão

típica» é a tristeza, a qual pode ser de natureza motivada (reactiva e sintomática) ou de natureza imotivada (vital e endógena), consoante as suas diversas causas (Fonseca, 1988).

O debate sobre a distinção entre depressão endógena e depressão exógena continua na ordem do dia, ainda que argumentos bem fundamentados se insurjam contra uma tal visão (Braconnier, 2007). Contudo, esta classificação depende das presumíveis causas da doença, em que se considera que a depressão exógena ou reactiva é originada pelas circunstâncias que se abatem sobre o indivíduo, enquanto a depressão endógena ou biológica surge sem elementos desencadeadores óbvios. Sabe-se agora que as causas destas perturbações são mais complexas. Por exemplo, determinados acontecimentos de vida podem desencadear o que anteriormente foi considerado como um tipo biológico. De igual modo, algumas pessoas enfrentam adversidades no decurso da sua existência ficam deprimidas, enquanto outras parecem conseguir suportar todos os obstáculos da vida (Hallstrom & Mclclure, 2000).

Braconnier (2007) sublinha que, por detrás da palavra depressão, se esconde sempre uma perturbação afectiva, ou seja, um afecto doloroso específico composto de tristeza, de mal-estar, de dor moral, de perda de prazer com tudo o que anteriormente era considerado agradável e, finalmente, por uma agressividade mais ou menos expressa contra si (culpabilidade) ou contra os outros (irritabilidade).

Fonseca (1988) refere que, além do sintoma tristeza, que pode variar de intensidade, desde formas leves e moderadas até formas agudas e estuporosas, são frequentes outros sintomas psíquicos (desinteresse, despersonalização, ansiedade e ideias de suicídio) e somáticos (dores, agitação, insónia, cefaleias, tonturas, inibição, fadiga, alteração do apetite ou do funcionamento digestivo, manifestações dermatológicas e neurovegetativas várias).

Qualquer desses diversos tipos de sintomas, cujas características variam, por vezes, com a idade (depressões da adolescência, da idade adulta, do climatério e da senilidade), pode adquirir tal intensidade que chega a dominar e a mascarar a própria tristeza, surgindo, assim, formas clínicas atípicas que designamos por «ansioso- agitadas», «inibidas», «equivalentes» e «mascaradas» (Fonseca, 1988).

Os critérios empregues para descrever as manifestações características são, de um modo geral, idênticos no adulto, no adolescente e na criança pré-púbere, ainda que algumas características clínicas da depressão se alterem com a idade: as queixas somáticas, a irritabilidade e o isolamento social são frequente na criança; a hipersónia e as ideias delirantes observam-se, por vezes, no adolescente, enquanto que a lentificação psicomotora, as manifestações mais «mentalizadas» da depressão, como o sentimento de culpa ou de incapacidade e a perda de esperança são mais frequentes no adulto (Braconnier, 2007).

O principal conteúdo fenomenológico da depressão ou melancolia parece ser, pois, constituído pelo sentimento de «culpa» inerente ao abatimento do humor, do mesmo modo que o «medo» constitui o principal conteúdo fenomenológico da angústia. Daí as frequentes ideias de suicídio, que, de uma forma aparente ou latente, se encontram em muitos doentes deprimidos (Fonseca, 1988).

Fonseca (1988) analisa também que, do ponto de vista da evolução, as depressões podem classificar-se, ainda, em formas «isoladas», formas «periódicas» ou «unipolares» e formas «alternas» ou «bipolares» (que alternam com formas maníacas). Neste último caso, a depressão integra-se no quadro clínico clássico da chamada psicose maníaco-depressiva ou em formas mais atenuadas, que Kahlbaum designou por ciclotimia (flutuação leve do humor, em que um estado de excitação pode alternar com uma depressão ligeira).

Há vários indivíduos para quem a tristeza adquire uma espécie de maneira de ser mais ou menos permanente, dando lugar à estruturação de personalidades psicopáticas

Braconnier (2007) defende que a gravidade da depressão depende da intensidade da tristeza e da culpabilidade, mas também, em grande escala, das perturbações da personalidade, perturbações ansiosas, perturbações aditivas e risco de suicídio. Alguns factores podem ser considerados como elementos de um prognóstico favorável: o início agudo das perturbações, relacionado com um acontecimento de vida, a ausência de perturbações psicopatológicas na infância e de perturbações associadas; e o início precoce de um tratamento adequado.

As classificações actuais em psiquiatria, como a Classificação Internacional das

Doenças (ICD) e o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações (DSM)

definem as perturbações do humor no seio de diversas perturbações mentais. As perturbações de humor codificáveis dividem-se em perturbações «unipolares» (Perturbação Depressiva Major e Perturbação Distímica), em Perturbações Bipolares (Perturbação Bipolar I e Bipolar II e Perturbação Ciclotímica) e em perturbações com etiologia estabelecida (Perturbação do Humor Secundária a Um Estado físico Geral e a Perturbação do Humor Induzida por Substâncias) (Frances & Ross, 2004).

Os critérios das Perturbações do Humor são suficientemente amplos para permitirem que grupos bastante heterogéneos de doentes recebam cada um dos diagnósticos. O diagnóstico de Perturbação Depressiva Major pode ser utilizado para descrever doentes com depressão relativamente ligeira e reduzido défice, sendo também aplicável aos doentes com perturbações mentais mais graves e persistentes. Ambos os especificadores, transversais e longitudinais, foram incluídos no DSM-IV para permitir que o profissional de saúde descreva mais especificamente as apresentações, de tal forma que o auxiliem no planeamento do tratamento e na determinação do prognóstico (Frances & Ross, 2004).

A classificação da ICD-10 propõe a distinção entre: Episódio maníaco [F30.x]; Perturbação afectiva bipolar [F31]; Episódio depressivo [F32.x]; Perturbação depressiva recorrente; Perturbação do humor (afectivas) persistentes – ciclotimia [34.0]

A classificação actual do DSM-IV-R das perturbações do humor distingue essencialmente dois tipos pelo seu aspecto clínico, pela sua evolução e pela sua abordagem terapêutica (APA, 2006):

- As Perturbações Depressivas, que agrupam essencialmente a Perturbação Depressiva Major com um (296.2x) ou vários (296.3) episódios depressivos major, cujos sintomas (cinco no mínimo, entre os quais, necessariamente, humor depressivo ou perda de interesse ou de prazer) devem, por convenção, estar diariamente presentes durante um período mínimo de duas semanas, assinalando uma mudança relativamente ao funcionamento anterior;

- As Perturbações Distimicas (300.4), descritas como um humor depressivo em metade dos dias durante, no mínimo, dois anos, aliado a pelo menos dois sintomas clássicos (perturbação do sono, do apetite, etc.).

As perturbações bipolares, no interior das quais se distinguem, essencialmente, a Perturbação Bipolar I (296.xx) (clássica maníaco-depressão, variável consoante a intensidade e a frequência da mania), Perturbação Bipolar II (296.89) (episódios depressivos major recorrentes com episódios hipomaniacos) e a Perturbação Ciclotímica (301.13) (alternância da hipomania com o momento depressivo a mínima).

Reconhecendo a extensiva comorbilidade entre a ansiedade e depressão (Kessler et al., 1996; Artorius et al., 1996), Watson et al. (1995) consideram que, fenomenologicamente, a ansiedade e a depressão são claramente distintas uma da outra. Watson et al. (1995) salientam que, apesar de parecerem distintas, tem sido difícil distinguir estes construtos empiricamente.

Clark e Watson (1991) propuseram um modelo tripartido da depressão e ansiedade que divide os sintomas em três grupos: sintomas de distress generalizado que são amplamente não específicos (inclui sintomas que se destacam nos dois tipos de perturbação, como a insónia, irritabilidade e dificuldade de concentração, sendo responsáveis pela forte associação entre medidas de ansiedade e de depressão), manifestações de anedonia e baixo afecto positivo que são específicos da depressão, e sintomas somáticos de tensão e estimulação que são relativamente únicos na ansiedade. Deste modo, o modelo defende que a depressão e ansiedade são melhor diferenciadas se não enfatizarmos os sintomas não específicos e nos focarmos nos grupos de sintomas únicos (Watson et al., 1995).

Uma vez que a depressão está associada com condições médicas crónicas, fraca adesão ao tratamento, uma maior utilização dos serviços de saúde, e pior resultados de saúde, a relação entre a obesidade e a depressão é importante quer para os clínicos, investigadores, quer para a criação de políticas de saúde (Katon & Ciechanowski, 2002; Katon & Sullivan, 1990).