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Capítulo 2 – A formação de Esquemas Iniciais Desadaptativos

2.1. Definição do conceito

Do ponto de vista concetual, a palavra esquema pode ser encontrada em vários campos de estudo e, em termos gerais, significa estrutura/ esboço. No contexto da psicoterapia, em particular no paradigma cognitivo comportamental, esquema refere-se a uma espécie de lente repleta de vivências, pensamentos, sentimentos e situações da qual o indivíduo observa os acontecimentos e processa as informações (Beck, Freeman & Davis, 2005) ou, segundo Leahy (2006), maneiras habituais por meio das quais vemos as coisas.

Padesky (1994) refere que o conceito de esquema surgiu com Aaron T. Beck através da Terapia Cognitiva, o qual pode ser descrito como uma estrutura cognitiva que permite a desconstrução, categorização, organização e compreensão daquilo que nos rodeia, assim como, a atribuição de um significado às experiências individuais. A autora acrescenta que cada pessoa tem os seus esquemas pessoais, assim como, acerca dos outros e daquilo que o rodeia, os quais afetam o sujeito de forma emocional e comportamental.

Apesar de os esquemas não causarem, necessariamente e de forma crónica, dificuldades emocionais e/ou comportamentais, estes encontram-se na base de manutenção de diversos problemas crónicos, independentemente das raízes etiológicas desses mesmos problemas (Padesky, 1994).

O conceito de esquemas é semelhante à formulação de George Kelly (1963, 1991) na teoria dos constructos pessoais. Kelly sugeriu uma nova teoria da personalidade, a qual se baseia numa posição filosófica do construtivismo, inserindo a noção de que há diversas alternativas funcionais para cada um construir o seu próprio mundo, a sua realidade (Kelly, 1991). No entanto, o conhecimento que temos da realidade não é estático e definitivo, uma vez que é possível o sujeito revê-lo através de reconstruções alternativas. A teoria dos constructos pessoais “parte do princípio de que os processos

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acontecimentos” (Fernandes & Gonçalves, 1997, p.34), ou seja, é o mesmo que dizer que o comportamento humano pode ser visto como antecipatório ao invés de reativo, o sujeito participa ativamente na construção de si e do mundo, criando teorias e hipóteses baseadas nas suas experiências, as quais permitem interpretar, predizer, responder e controlar os acontecimentos (Fernandes & Gonçalves, 1997; Kelly, 1991).

Young (2003) com o seu trabalho e consequente desenvolvimento da teoria dos esquemas, representa uma evolução do modelo cognitivo de Aaron Beck, por enfatizar um nível mais aprofundado de cognição denominado Esquema Inicial Desadaptativo (EID). Os pressupostos da sua teoria baseiam-se também nos trabalhos desenvolvidos por Bowlby (1985, 1998, 2002) referenciados na importância e influência do tipo de relação estabelecida na 1ª infância, assim como, no facto de serem adquiridos precocemente – ponto a ser explorado no presente capítulo.

Young, Klosko e Weishaar (2003) referem que a teoria de vinculação de Bowlby e Ainsworth (1991) teve, realmente, um grande impacto na teoria de esquema, especialmente na formulação do esquema do abandono. Acrescentam que adotaram o conceito “base segura” de Ainsworth (1969) na prática clínica com pacientes que necessitam do terapeuta como uma base segura (especialmente em esquemas como abandono, desconexão e rejeição).

Lumley e Harkness (2007) referem que tanto a teoria cognitiva (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997) como a teoria da vinculação (Bowlby, 1985, 1998, 2002) partem do pressuposto que experiências negativas na infância são internalizadas e determinam como as crianças respondem a acontecimentos externos à medida que crescem. Os autores postulam que uma experiência negativa em relação aos cuidados parentais leva ao desenvolvimento de um complexo e rígido “leque” de crenças negativas acerca de si próprio e do mundo, adotando um cariz inflexível, duradouro e resistente à mudança (Lumley & Harkness, 2007).

Os esquemas caracterizam-se como padrões emocionais e cognitivos desadaptativos, que tendem a repetir-se ao longo da vida, configurando processos de funcionamento da

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personalidade que medeiam a interação do indivíduo com a realidade (Cazassa & Oliveira, 2008).

Young (2003) considera que os esquemas são estruturas estáveis e duradouras que se desenvolvem durante a infância, se cristalizam na personalidade, sendo elaborados ao longo da vida e disfuncionais de forma significativa. Acrescenta que, os esquemas servem como modelos para o processamento da experiência posterior. A maioria dos esquemas são crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo em relação ao meio envolvente e são considerados verdades inatas, implícitas e aceites como algo natural (Young, 2003).

Segundo Knapp e Beck (2008), a Terapia Cognitiva postula que há pensamentos nas fronteiras da consciência que ocorrem espontaneamente e são uma interpretação imediata de qualquer situação. São chamados de pensamentos automáticos e são distintos do fluxo normal de pensamentos observados no raciocínio reflexivo ou na livre associação (Knapp & Beck, 2008). Os autores acrescentam que a maioria das pessoas não está imediatamente consciente da presença de pensamentos automáticos, a não ser que estejam treinadas para os monitorizar e identificar. Nas raízes dessas interpretações automáticas distorcidas estão pensamentos disfuncionais mais profundos, chamados de esquemas (também denominados crenças nucleares). Conforme definido por Clark, Beck e Alford (1999, p.52) esquemas são “estruturas cognitivas internas relativamente

duradouras de armazenamento de características genéricas ou prototípicas de estímulos, ideias ou experiências que são utilizadas para organizar novas informações de maneira significativa, determinando como os fenómenos são percebidos e conceitualizados”.

A partir do momento, em que uma determinada crença básica se forma, ela pode influenciar a formação subsequente de novas crenças relacionadas e, se persistirem, são incorporadas na estrutura cognitiva duradoura ou esquema (Knapp & Beck, 2008). As crenças nucleares inseridas nessas estruturas cognitivas moldam o estilo de pensamento de um indivíduo e promovem erros cognitivos encontrados na psicopatologia (Knapp & Beck, 2008).

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Segundo Cazassa e Oliveira (2008), a noção dos Esquemas Iniciais Desadaptativos (EID’s) diz respeito à origem da formação dos esquemas e aos comportamentos prejudiciais adotados pelo indivíduo a partir da ativação deles.

No campo da psicopatologia, o termo esquema tem sido aplicado a estruturas com conteúdos idiossincráticos altamente personalizados, os quais são ativados durante perturbações como a depressão, ansiedade, ataques de pânico ou obsessões, tornando-se predominantes (Beck, Freeman & Davis, 2005). Os autores acrescentam que os esquemas vão, consequentemente, enviesar a forma como a informação é processada.

Posto isto, Young (2003) classifica os esquemas sob dois prismas: adaptativos e desadaptativos. Os primeiros derivam de vivências precoces entendidas como positivas e que, ao serem acionadas, contribuem para uma resolução satisfatória das questões que surgem ao longo da vida. Os esquemas desadaptativos, por sua vez, têm origem nas vivências prematuras percebidas como dolorosas, podendo gerar interações perturbadas na vida atual. Para o autor, as experiências tóxicas da infância seriam a origem principal dos esquemas disfuncionais. Desta forma, o que o individuo experiencia já na vida adulta, mediante situações que ativam esses esquemas precoces seria, na essência, o drama da infância (Scribel, Sana & Benedetto, 2007).